O pai de Wagner Júnior morreu em 20 de abril de 1990. Um erro de avaliação médica não detectou um acidente no trabalho e ele morreu quando o filho tinha cinco anos.
A mãe doou os vários uniformes de trabalho do pai e também os que ele havia trocado com colegas. Júnior ficou sem lembrança material. Só a insuportável saudade do pai.
Um modo de diminuir a distância infinita era vê-lo em ação em gravações de fitas de videocassete. Para minimizar a ausência, o menino de seis anos resolveu escolher em 1991 qual seria o local de trabalho de Vágner pai com o qual ele mais se identificava.
⁃ Depois que meu pai faleceu, eu estava buscando um time pelo qual torcer. Sempre torci pelos clubes onde ele jogou. (E não foram poucos…).
Lá no fundo, sem saber sabendo, Júnior queria se identificar com uma só camisa. Como seu pai como zagueiro e lateral havia jogado por Madureira, Internacional, Joinville, Palmeiras, Botafogo, Guarani e Paraná Clube. Como se fosse sempre um só clube em toda a carreira. Com o mesmo empenho e seriedade em campo. Com o mesmo astral e humor com que chamava todo mundo de “bacharel”. A ponto de ele mesmo virar no Palmeiras O Bacharel. Vágner Bacharel. Com V de vitória. Professor da zaga do Palmeiras de 1983 a 1987. Chegou para a reserva de Nenê Santana. Virou reserva de moral e ídolo em fase de vacas magras e burros gordos no clube.
(Um dos meus maiores ídolos. Um cara que não foi campeão. Mas foi mais capitão e vencedor e palmeirense que muitos de nós).
⁃ Em 1991, um ano depois da morte, com seis anos de idade, para tentar diminuir a saudade do meu pai, eu pegava aquelas fitas cassete e assistia a tudo que estava gravado. Os jogos dele e as matérias de TV. Não tinha Youtube. Era o jeito de eu ter contato com meu pai.
A fita VHS que o pequeno Júnior mais assistiria na vida era uma reportagem do então jovem e sempre craque Tino Marcos, na Rede Globo. Mais de cinco minutos exibidos em 28 de agosto de 1986 – dois dias depois do aniversário de 72 anos do Palestra, um dia depois de uma das maiores vitórias em 103 anos de clube: segunda semifinal do SP-86. Palmeiras 1 x 0 Corinthians no tempo anormal, gol aos 42 finais de Mirandinha (o gol como torcedor que mais fiquei sem ar na vida). Na prorrogação, mais dois gols. Um olímpico de Éder. Palmeiras finalista do Paulistão. Uma das maiores partidas da história do clube. Aquela que a torcida gritou “justiça” entre o jogo e a prorrogação depois da péssima arbitragem na primeira semifinal. Quando o primeiro dos tantos erros a favor do rival foi a anulação de um gol legalíssimo do pai do Wagner. Com W de “win” – vencer, em inglês.
⁃ Foi ali, vendo e revendo aquela fita de 1986, que eu aprendi a cantar o hino do Palmeiras. Eu via sempre a reportagem do Globo Esporte não só pelo resultado, pelo show do Mirandinha… Também porque aparecia meu pai puxando o time como capitão e entrando em campo com aquela camisa da Cassino, a patrocinadora então. A matéria acabava com o hino depois da entrevista do meu pai já sem camisa. Eu ouvia e ficava repetindo. Aprendi assim a cantar nosso hino.
Era o Palmeiras mais uma vez aproximando pela vida pai e filho. Um pai que não era Palmeiras na infância. Um filho que perdera o pai com cinco anos e ainda não achara o time que aquela reportagem e aquela vitória deram a ele, aos seis anos.
⁃ Foi ali que eu realmente me identifiquei como palmeirense. E arrumei uma maneira de ficar mais perto do meu pai.
No final da matéria da Globo, um repórter perguntou ao pai de Júnior se ele teria preferência pelo Santos ou pela Inter de Limeira na final do SP-86. Vágner Bacharel respondeu com o mesmo vozeirão que hoje também tem o filho:
⁃ Só tenho preferência pelo título paulista.
Preferência pelo Palmeiras que tão bem defendeu de 1983 a 1987. Foram 260 jogos e muitos 22 gols. Fazendo dupla de zaga espetacular com o mito Luís Pereira. Zaga que evitava e fazia gols em 1983-84. E que Wagner Antunes Júnior não viu jogar. Na véspera do nascimento, o pai venceu o Taquaritinga por 2 a 0, no interior. No jogo seguinte, 3 a 0 na Portuguesa. Sem folga-paternidade. Bacharel jogou todas, pelo SP-84.
⁃ Nasci em 9 de julho de 1984. Infelizmente só lembro o meu pai jogando a partir do Guarani, de 1988 em diante… Só lembro as resenhas dele com meu tio Luís Pereira. Papos que ouvi até o último dia de vida dele. Eles eram unha e carne. Pareciam irmãos.
Uma mesma família nos defendendo e também atacando para nos defender. Família Palmeiras que o filho do Bacharel fez questão de adotar. No dia em que os reservas do Palmeiras jogaram pouco pelo SP-18 contra o São Caetano (terra onde cresceu Luisão Pereira, o Chevrolet), Júnior só pôde celebrar a chegada pelo Mercado Livre de uma réplica da camisa que o fez palmeirense. A que o pai usou nos 3 a 0 de 1986.
⁃ Essa camisa da Cassino daquele jogo representa para mim o sentimento de ser palmeirense. Eu posso dizer que me tornei palmeirense também por causa dela. Sempre tive o sonho de ter essa camisa.
Não é a original. É cópia muito bem feita pela Camisa Retrô Palmeiras. Mas o sentimento de quem a veste é maior do que tudo. Não tem réplica. É só original. Verdadeira. De pele. Não a segunda. A única.
O filho do Bacharel ainda procura uma camisa original muito bem suada e usada pelo pai. Quem souber, dê um toque. E, mesmo se você não souber quem tenha alguma de 1986, ou de todos os anos em que Bacharel a honrou, lembre sempre que esse sentimento não tem título. Não tem idade. Nem camisa para usar. Tem família para honrar. Tem berço que não se toca. Tem o amor de um filho pelo pai que não se troca. Tem o amor pelo Palmeiras que os dois construíram mesmo sem conversarem a respeito.
Não precisa. Preciso é o Palmeiras.
Tem respeito. Tem Palmeiras.