Vocês já devem ter notado em algum momento que os grandes shows musicais se iniciam por uma composição instrumental com acordes duplicados e bastante melódicos, aquele que toca bem na sua emoção. Ouverture, termo francês, é o nome que se dá a esse aquecimento emotivo de um público às vésperas da ação concreta de um espetáculo.
Uma abertura é um abraço. É um aperto de mão entusiasmado, uma palavra de força que mexe bem lá no quase intangível trago da paixão. Acende sentimentos, evidencia responsabilidades e fortalece as relações. É a criação quase que automática de um elo de alma para a conquista, para que se crie um momento de poder, de quase invencibilidade.
Sabe de onde partem as aberturas? De onde se forja a emoção. Na música, é através dos instrumentos de corda porque são eles que tem a onda sonora mais efetiva na percepção humana. No futebol, é na voz. No equipamento físico mais importante que temos. A voz é a única forma material de demonstrar emoção. É através dela que se expõe um sentimento mais sincero.
A censura atuou como algoz da música. Impediu inúmeras obras de arte de emocionarem o mundo. A arte protestou. O público se ressentiu. A história se incumbiu do resto.
Vivemos uma ditadura da paixão. O Palmeiras é um cofre. Milhões de reais tentam preencher o vazio daquilo que há de mais nobre e admirável no esporte. O povo está longe. Os atletas, hoje, ouvem o som dos cifrões. Há mais de 20 anos, às vésperas de um título Paulista que é letra de música até hoje, os atletas ouviram as vozes de milhões de apaixonados que fizeram o ouverture para aquele duelo tão decisivo.
Os rivais, muito menos abastados de bolso, se enchem e preenchem de paixão. Abriram seus quartéis para que as deficiências fossem minimizadas por um bem comum, um desejo implantado. Aquele elo de comprometimento ente duas partes que se cria em poucos minutos de pura intensidade emocional.
O Palmeiras vive sozinho, jogando para muitos mil sortudos que pagam para vê-los, como um programa de cultura, e bate as portas no rosto de incontáveis de menos sorte que rodariam (e rodam) milhares de quilômetros, metros, ônibus, desaforos, desempregos e muito amor para tentar vê-los. É a censura do sentimento. Uma abertura que nunca acontece. O espetáculo nasce morno. Quase morto.
O time que enfrentará o Allianz Parque hoje foi dormir sob as lembranças de seus aficcionados que superaram as desavenças por um bem comum, um apoio para vencer. Sob a memória de seu ídolo lendário falando ao país em nome de seus atletas.
O nosso time está indo dormir ao som do silêncio. Da reticência. Do grito entalado de quem poderia dar um voto a mais. Sim, há toda a condição, dinheiro e o que mais houver de luxo. Não basta. Nunca bastou. O dia 11/06/93 teve espaço para a torcida. O dia 02/12/15, mesmo que na rua, à fórceps, quebrou-se a redoma. O time foi carregado para o caneco. Sinergia que empurra lágrima olho abaixo apenas por lembrar.
Devolvam, senhora da gravata, devolvam o clube a quem o fez. Não é só dinheiro, não é só status. Nunca foi. Não basta. O Palmeiras não existe sem sentimento. Italiano, cazzo. O mundo, a bolsa de valores ou o raio que o parta cabem a vocês. O Palmeiras, cabe a nós. Abram as portas. Existe um mundo verde pra te empurrar.