(Capítulo do livro MEU NOME É ENEA, escrito por mim e por Bruno Elias, o livro oficial da conquista alviverde.
Nele, personagem Enea conta como foi a campanha palmeirense em 2016:
Vocês ouviram isto durante todo o returno do BR-16:
– Ah, mas em 2009, o Palmeiras era líder e daí…
E daí digo eu! Ou melhor, não digo. Conto. 1960. Taça Brasil. Palmeiras 8 x 2 Fortaleza. A maior goleada da história das decisões nacionais.
– Ah, mas em 2009 perdeu titulares e daí…
E daí conto eu. 1967. Primeiro Robertão. Líder da fase inicial. Campeão no quadrangular final. No jogo decisivo, em 20 minutos César cessou a discussão. 2 a 1 no Grêmio.
– Ah, mas como é que pode ganhar dois títulos brasileiros em um ano? Em 2009, o…
Podendo. Tendo poder. Sendo Palmeiras. A Argentina tinha campeão do Apertura e do Clausura no mesmo ano. O Flamengo ganhou dois estaduais em 1979. Teve dois Mundiais de Clubes em 2000. E teve dois campeões brasileiros também em 1968. Mas, em 1967, só nós. Depois do Robertão, na decisão da Taça Brasil, ganhamos do Náutico no Recife e perdemos a volta no Pacaembu – sem Ademir. No Maracanã, em campo neutro, mais uma vez festa nossa. 2 a 0. Gol de Ademir da Guia em lua de mel. Ele passou a noite de núpcias com o César Maluco…
– Ah, mas em 2009 o Flamengo chegou atropelando e…
E em 1969 o Palmeiras chegou a precisar ganhar quase todos os jogos para se classificar. Atropelou. E foi campeão de novo do Robertão, vencendo o Botafogo por 3 a 1.
– Ah, mas o time não está jogando tão bem agora e o Gabriel Jesus não faz mais gol e em 2009…
E em 1972 e em 1973 foi bicampeão brasileiro sem fazer gol. Zero a zero contra o Botafogo no Morumbi, zero a zero contra o São Paulo também lá. Academia de bola educa, ensina e doutrina.
– Ah, mas só ganhou título depois com a Parmalat e em 2009…
E como ganhou com a irmã de leite. 1993 contra o Vitória. Bi em 1994 contra o Corinthians. Quando o Palmeiras deixou de ser campeão, o Brasil parou de ganhar Copa. Quando o Palmeiras voltou a ganhar tudo, teve dois titulares campeões mundiais em 1994. E tinha mais craque para ser tetra.
– Ah, mas não ganha nada desde então, e em 2009…
E ainda assim é o maior campeão nacional.
– Ah, mas não tem Mundial e em 2009 a diferença…
Continua a mesma. Vão lembrar 2009. E esquecer 1994, 1993, 1973, 1972, 1969, 1967 duas vezes, 1960.
– Ah, mas foi por fax e em 2009…
É fato. Foi campeão. Como na Copa Rio de 1951. Em 1960, do único torneio nacional que existia – e que alguns rivais jamais jogaram por não serem campeões na Era de Ouro do futebol. Em 1967, ganhou tudo. Em 1969, ganhou o único torneio nacional que existia – semelhante ao Brasileiro a partir de 1971. Palmeiras campeão de torneios disputados pelos atletas tricampeões do mundo em 1958, 1962 e 1970. Os melhores da história.
– Ah, mas em 2009…
Em 2009, o maior campeão nacional não tinha tanto time, elenco, e tinha mais desfalques. Não tinha time tão bom como os Palmeiras campeões.
– Ah, mas em 2009…
O Flamengo foi hexacampeão. Emocionante. Mas, se toda hora você citar 2009, lembre outros oito anos. Ou sete, que foram dois títulos em 1967. E, se você for jornalista, troque a manchete e o título. Em vez de lembrar a derrocada em 2009, lembre que você precisa procurar saber um pouco mais a história do futebol. Logo, muito mais da galeria de troféus do Palmeiras.
– Ah, mas o Flamengo fez primeiro a AeroFla em 2016…
De fato foram lindas as festas rubro-negras em aeroportos. Mas tão emocionante e participativa como a de 15 de novembro em Congonhas, dia dos 121 anos do Flamengo, poucas vezes se viu em qualquer cidade. As ruas de São Paulo foram trocando nos últimos dias o cinza pelo verde do estêncil “Ai ai ai, tá chegando a hora”, com o nosso escudo sempre acima. É o começo do cântico famoso há mais de 40 anos nos estádios brasileiros. A versão da canção mexicana “Cielito Lindo”. Pelo menos uma coisa legal: nós nos lembramos dos mexicanos em estádios sem ser a bobagem do grito estúpido e homofóbico para o goleiro adversário nos tiros de meta.
Mas eu confesso que não gostei muito dessa campanha que pegou bonito na torcida e nas ruas. Coisa de palmeirense ressabiado, ou palmeirense-palmeirense. Sigo batendo na madeira ou na minha cara três vezes quando algum rival vem falar que já ganhamos. Se tem um time capaz de perder esse Brasileiro é o Palmeiras dos últimos anos. Mas claro que, este ano, e nos oito em que ninguém ganhou mais que a gente, só o Palmeiras para ser campeão tão capaz assim para ser o melhor.
Mas, sei lá. Quem se acha se perde. Melhor seguir confiantemente desconfiado. Ou palestrinamente palmeirense. Ainda mais quando lembro a semifinal do Paulista de 1978. 12 da prorrogação no Morumbi. A nossa torcida gritando o mesmo AI, AI, AI, AI, TÁ CHEGANDO A HORA… do gol de nuca do Chulapa que nos eliminou do Paulista… Não grito gol antes. Não celebro título antes. Aliás, na volta olímpica, eu ainda olho meio desconfiado. Vai que o STJD nos tira ponto pela festa… Deixo para os outros esse cheirinho, esse canto de campeão que volta, esse “contra tudo e contra todos”.
Na antevéspera do jogo em Minas contra o Atlético, eu “temia” que o tribunal tirasse 10 voos do Palmeiras pelo sinalizador aceso dentro do aeroporto de Congonhas. Um absurdo, tanto quanto algumas cadeiras quebradas. Mas foi mesmo uma festa absurda de alegre no AeroPorco paulistano. Mais uma vez. Lembro quando paramos até a Rubem Berta, em 9 de dezembro de 1979, recebendo a delegação que vencera o Flamengo de Zico por 4 a 1, no Maracanã. A gente ainda não assumira o porco. Mas o Aeroperiquito era nosso. Agora, o Aeroporco 16 foi sensacional. A emoção do elenco vendo o saguão lotado e cantando o hino junto com Moisés, Vitor Hugo, Egídio e o elenco.
As imagens e mensagens deles nas redes sociais:
quetorcidaéessa defesa que ninguém passa… linha atacante de raça… TORCIDA que canta e vibra!!! Vamos que vamos!!! #AeroPorco. Alecsandro publicou. “Como não cantar com vcs? Impossivel! PALMEIRASSSS AVANTI PALESTRAAAA”, foi a emoção de Moisés. “Sensação mais forte do que as coisas materiais podem nos dar são essas… As humanas, o amor, a fidelidade, a união e a força, de milhões de corações colocados em um propósito somente… #Torcida_que_canta_e_vibra #AvantiPalmeiras #ZR11 #ForzaPalestra, derreteu-se Zé Roberto.
De chorar. Na mesma semana em que o maior avião do mundo pousara em Cumbica, o Antonov russo, só ele talvez comportasse a festa nem sempre comportada dos palmeirenses. Como disse meu amigo Claudio de Estefano, o naming rights do colosso aéreo deveria ser Paulonov. Ou Porconov. Ou Air Pork 3. Já que o 1 estava em Lima para de novo resgatar Gabriel Jesus na Seleção e trazê-lo na véspera do clássico com o Galo para BH. Na madrugada de quarta, o menino marcou como gente grande o primeiro dos 2 a 0 contra o Peru. Sexta vitória seguida desde a estreia dele e de Tite pelo Brasil. Cinco gols em seis jogos. Artilheiro do time nas Eliminatórias.
A história de sempre: quando o Palmeiras está bem, o Brasil melhora. Ficamos 16 anos sem títulos. O Brasil, 24. Voltamos a ganhar tudo em 1993? A Seleção foi tetra em 1994. Ano do nosso último título brasileiro. Na Era de Ouro do tri mundial, de 1958 a 1974, quem mais venceu títulos nacionais de todos os torneios possíveis?
Também por isso, o Palmeiras de 2016 pode ser comparado ao Brasil de 1994. O time de Romário e Bebeto (e dos nossos titulares Zinho e Mazinho) tinha fila de 24 anos sem Mundiais. Jogava o “suficiente” para ser campeão. Era o tal “saco de cimento” nas costas que Cuca enxergava no Palmeiras da reta final. O time jogava para ganhar o Brasileiro de qualquer jeito pela primeira vez em 21 anos. Até sem muito jeito. Ou sem a mesma bela bola da fase inicial.
Nem a Copa do Brasil de 2015 aliviava esse fardo. Até por gente da imprensa criticar o futebol do time e o nível do campeonato como se todos os males do Brasil fossem responsabilidade nossa. Não era a Primeira Academia e nem a Segunda. Não tinha os craques da Via Láctea da Parmalat. Mas era o líder havia 25 rodadas e com seis pontos de vantagem que entrou em campo no Horto contra um rival que, desde 2011, o Palmeiras não conseguia vencer. Um Galo que vive seus anos mais vencedores desde a emocionante Libertadores conquistada pelo Galo Doido de… Cuca, em 2013. Nosso Mestre Cuca que mandou a campo no retorno ao Horto um Palmeiras sem os lesionados Mina e Zé Roberto.
Thiago Santos entrou para ajudar também na bateria antiaérea contra um rival poderoso, de grande elenco, e atuando no Horto. Onde Cuca orquestrou milagres com um time que, como o Porco Louco, também começava em cima. E repetiu agora. Luan quase fez 1 a 0 de cabeça, nas costas de Egídio. Moisés respondeu com uma paulada de canhota. Gabriel Jesus e Leandro Donizete se estranharam logo no começo, e seria assim até o final. Quando o volante entrou por cima da bola e quase amputou Tchê do Tchê. Mas ele é único. Ou são vários em campo. Tchê Tchê Tchê Tchê! Que jogador! Ou que jogadores num só! Não tem quem o machuque.
Teve um gol bem anulado de Robinho, em impedimento, depois de bola carambolada que bateu na trave de Jailson. Teria um pênalti para nós em bola na mão bem discutível no segundo tempo. Mas a arbitragem não foi exatamente mal ou erradamente ruim. Tem sido assim neste e em muitos campeonatos. Não tem esquema, apesar do chororô dos rivais. O líder, qualquer um, na maioria das vezes, tem quase tudo de melhor. Incluindo a arbitragem, com saldo positivo de erros – não esquema. Embora o nosso início de Brasileiro tenha sido com muito mais erros contrários. Erros. Não esquemas.
Era um jogo muito nervoso. Na Vila Belmiro, aos 15 da nossa partida que começou às 21 horas, o Santos fez 3 a 1 no Vitória, de um jogo que começara às 19h30. Robinho fazia a diferença em Belo Horizonte. O Galo estava melhor. O Vitória fez 3 a 2 em Santos. Precisava do empate para nos deixar mais tranquilos. Mas a boa nova veio com Gabriel. Jesus rodopiou bonito no meio-campo e abriu para Dudu na direita, no lugar onde estaria Róger Guedes. O trio de ataque, além de ótimo, se mexe muito. O sete avançou e lançou bola de bilhar para Jesus dividir com o xará atleticano Gabriel. O chute teve desvio que tirou Victor do lance. Zagueiro e goleiro estatelados. A estrela de Jesus voltou a brilhar depois de oito jogos sem gols pelo Palmeiras. Desde aquele que nos manteve na liderança contra o Flamengo. Desde este que o fez chorar na celebração.
“As pessoas falam que sou chorão, mas, pô, quem não é movido a emoções? Quem não chora? Acontece. As pessoas têm de ver o meu lado, porque tenho 19 anos e estou tendo muitas oportunidades. São meus últimos jogos pelo Palmeiras, minha vida vai mudar completamente. Não só a minha, mas a da minha família. Fiquei emocionado pelo gol porque estava precisando, não só eu, mas a equipe. Estou emocionado por serem os meus últimos jogos com essa camisa que aprendi a amar tanto.”
“Aí, Jesus chorou”. A música dos Racionais MC’s que meus filhos curtem. Sei que o Mano Brown é Santos, mas ali não tinha como não ser Palmeiras. Fala, Cuca!
“Saiu um peso, uma cobrança até excessiva que existe em cima do menino. Ele jogou até duas horas da manhã lá no Peru na quarta-feira, viajou para cá, se doa, se aplica, se emociona, como se emocionou no gol. Acho que o torcedor palmeirense tem de valorizar, e muito, esse menino. Eu não sei se eu, na situação que ele está, teria tanto amor por um clube como ele está mostrando ter pelo Palmeiras. Campeão olímpico, na Seleção, vendido para um dos maiores clubes do mundo, e se dedicando na busca pela conquista do campeonato.”
Gabriel. 19 de vida, parece de bola. Oito jogos sem marcar pelo líder há 26 rodadas, quase no mesmo período em que marcou cinco em seis jogos da Seleção verde-amarela.
“Diz que homem não chora/ Tá bom, falou/ Não vai pra grupo irmão/ Aí, Jesus chorou”, disseram os Racionais – e também os emocionais do Palmeiras. Eram 21h27 de 17 de novembro. 26min7s no Independência. Talvez a bola dele não entrasse, não fosse o desvio do xará. Mas é coisa de predestinado. Jogador e time. É sorte de líder. Para não falar de…
“Amo minha raça, luto pela cor/ O que quer que eu faça é por nós, por amor/ Não entende o que eu sou, não entende o que eu faço/ Não entende a dor e as lágrimas do palhaço”. Gabriel saiu para o abraço e caiu no choro. Não é dor, amor. É amor, dor. Gol decisivo é com ele. Gol é com ele. Ele não é da paulada. Ele é da jogada. Joga o jogo, menino. Responde pela bola, não pela boca. Mas pode abrir o bico quando ela entra.
O Galo seguiu bem. Robinho e Dudu se estranharam. O Palmeiras não conseguia segurar a bola na frente. Impressionava no time de Cuca é que, quando ele jogou bonito (e parte da imprensa estava vendo outro campeonato), ele ganhou muito bem. No returno, jogando menos, e muito menos “bonito”, ele não perdia. É a diferença.
Com 18 segundos, Tchê Tchê quase acabou com o campeonato, no segundo tempo. O Galo voltou igual. Na primeira bola para Pratto, aos 13, ele se antecipou a Egídio e empatou. Cuca mudou tudo. Voltou a usar três zagueiros. Avançou de vez o múltiplo Jean e plantou a trinca defensiva também para conter a força aérea mineira com Fred e Pratto, e fez mais uma vez com Edu Dracena (ótimo substituto de Mina) um dique por baixo e por cima.
Moisés e Jean só não fizeram golaços de primeira por milagres de Victor. O Galo chegou menos. Mas quando apareceu, Jailson! Já foi? Vitor Hugo teve a cabeçada do jogo aos 47. Subiu de novo mais que todos. Mas, pela primeira vez, apareceu sozinho, sem ninguém para acompanhar. Era a vitória física e anímica do Palmeiras que celebrou um empate-goleada.
“Lágrimas/ Molha a medalha de um vencedor/ Chora agora, ri depois/ Aí, Jesus chorou/ Lágrimas”. Brown, Mano, em 2002. Ou Jesus, Gabriel, em 2016. É uma canção de 2002. Do disco “Nada como um dia após o outro dia”. Isso mesmo. Daquele ano em que caímos para este outro Palmeiras. Ou o de sempre.
No mesmo 17 de novembro em que o vice-líder Santos venceu o mesmo Vitória que rebaixou o Palmeiras em 2002. No mesmo 17 de novembro de 2016 em que o Palmeiras empatou em Minas, ficando a quatro pontos do rival. Conseguindo a chance real de ser campeão na rodada seguinte, se vencesse o Botafogo em casa, se o Cruzeiro vencesse o Santos em Minas, se o Flamengo não vencesse o Coritiba no Rio.
Se tudo acontecer, aí Jesus chora. Ele e seus discípulos.
Não foi na outra rodada. Mas seria na penúltima.