O presidente recém-eleito Paulo Nobre voltava do Rio de Janeiro depois de uma reunião na CBF. Embarcou na Ponte Aérea em Santos Dumont pouco antes de a bola rolar em Mirassol, em jogo válido pela 15a. rodada da fase inicial do SP-13, às 19h30 de 27 de março de 1993. O Palmeiras era o sétimo na classificação e enfrentava uma equipe ameaçada pelo rebaixamento. Quando o avião pousou em Congonhas, rapidamente o presidente ligou o celular para saber quanto havia sido o primeiro tempo da partida que durara quase todo o tempo de voo…
O smartphone de Nobre demorou a ligar. O tempo suficiente para um passageiro que é jornalista esportivo bater no ombro dele, e falar com respeito e consideração:
– Boa sorte, presidente. Você vai precisar de muita.
Paulo só então conseguiu acessar o placar minuto a minuto de um site. Quando viu o resultado no intervalo, até hoje não lembra o que pensou e disse. MIRASSOL 6 X 2 PALMEIRAS. Era mais ou menos a sensação de todo palmeirense pelo planeta. A minha também na cabine do Pacaembu, onde faria o jogo das 21h45 pela Rádio Bandeirantes, ao lado de José Silvério. Ulisses Costa narrava a partida de Mirassol. A maior da história do clube da cidade a 453 km da capital. O pior tempo da nossa vida desde 26 de agosto de 1914 do time a anos-escuros do Campeão do Século XX.
Nunca o Palmeiras sofreu seis gols em um só tempo.
Gilson Kleina não perdia havia 11 jogos no Paulistão. O time estava desfalcado de 6 titulares para enfrentar uma equipe a apenas dois pontos da zona da degola (e que acabaria rebaixada ao final daquele SP-13): os zagueiros Vilson e Henrique, o volante Souza, o meia Valdivia, e os atacantes Maikon Leite e Kleber “Displicente” (um dos melhores apelidos da história da torcida do Palmeiras) estavam fora do time que à época também disputava a Libertadores-13. Além dos titulares, os zagueiros reservas Leandro Amaro e Maurício Ramos (cortado da equipe no vestiário por desarranjo intestinal) também estavam fora. Por isso Kleina teve de optar pelo jovem Marcos Vinícius na zaga. Ele estreava no clube aos 19 anos. Ao todo eram 13 jogadores indisponíveis naquela noite de um elenco que parecia ser composto por 35 reservas. Um Palmeiras muito mais B que A. Não por acaso disputando a Série B do BR daquele ano.
Certamente, e não por culpa de Marcos Vinicius apenas, a pior estreia em então 98 anos de Palmeiras. Com 37 SEGUNDOS de jogo, o atacante André Luís fez o que quis com o lateral-esquerdo Juninho (o que não era tão difícil), e cruzou para a área. O zagueiro-esquerdo Marcos Vinícius, em seu primeiro lance pelo clube, tentou cortar e cabeceou contra a meta de Fernando Prass, que não tinha o que fazer.
1 a 0 Mirassol.
O jovem zagueiro do então recém-extinto Palmeiras B (que merecia se perder pelo nome) ficou naturalmente desnorteado. E o time foi junto. Aos 9, bela tabela no meio da zaga deixou Caion livre para fuzilar Prass, enquanto o experiente zagueiro André Luiz e Marcos Vinícius não se achavam em campo.
0 a 2.
Dois minutos depois, aos 11, Tiago Luís lançou da intermediária do Mirassol a bola para Caion ganhar em velocidade do volante Márcio Araújo, que estava no mano a mano com o atacante. Na saída de Prass ele tocou por cima. Tiago Luís que, quando lançado pelo Santos, ganhou capa no MARCA da Espanha sendo saudado como “Novo Messi”.
0 a 3.
O Palmeiras parou de errar atrás e se mandou à frente. Num desses ataques, Ronny (que substituíra Charles, um dos três volantes iniciais de Kleina) cruzou para o centroavante Caio Mancha diminuir, de peixinho. Aos 22, o nosso primeiro gol.
E tinha mais! Aos 30, logo depois de grande lance de Juninho pela esquerda, o Palmeiras retomou a bola, o volante Leo Gago buscou o meia-atacante Ronny que dominou e girou para a meta. O goleiro Gustavo Silva aceitou. Encostamos!
Mas tinha menos… Aos 38, falta desnecessária de Márcio Araújo no ótimo Camilo (meia que brilharia no Botafogo em 2016, e que sempre jogou bem contra o time do coração dele, e também do NOSSO PALESTRA…). Falta que Leomir bateu bem de canhota, e Prass não conseguiu chegar.
2 a 4.
Aos 42, o Mirassol bateu uma falta lá da esquerda. A bola foi invertida para Medina. Juninho errou com a maturidade de um teletubbie o tempo de bola. O meia do Mirassol ganhou o lance e só encobriu Prass.
2 a 5.
Aos 46, mais um lançamento desde o campo de defesa do adversário. Camilo arrancou sozinho, driblou Weldinho que estava na cobertura, e fez belo gol contra o aparvalhado sistema defensivo palmeirense.
2 a 6.
No segundo tempo, um gol mal anulado de Caio, duas boas chances com Wesley, e o apito final.
Foi a primeira vitória do Mirassol em casa contra um dos grandes. E continua sendo desde então. A nossa pior em um tempo, a melhor do Mirassol em todos.
No meu blog à época no LANCENET!, terminei o texto do jogo assim:
“Fim de segundo tempo. Ao menos o Palmeiras não levou mais gols. Parecia que o rival respeitava mais o clube que muita gente lá dentro.
O que fazer?
O Corinthians perdeu para o Tolima em 2011 e manteve Tite. Campeão brasileiro, sul-americano e mundial em menos de dois anos.
O Atlético Mineiro perdeu de seis para o Cruzeiro quando poderia rebaixar o rival, em 2011. Manteve Cuca e o elenco, e pode ganhar muito em menos de dois anos. (E seria campeão da América meses depois).
O Palmeiras perdeu de 7 a 2 para o Vitória. Manteve Jair Picerni, subiu bonito para a Série A em 2003 e, em parte, se reencontrou.
Gilson Kleina não é o problema. Também não tem sido a solução.
O que fazer?
Como muitos no Palmeiras, não sei.”
Mas esses mesmos que haviam assumido o Palmeiras que vinha sumindo souberam e ajudaram a reencontrar o clube que estava perdido e se perdendo e nos perdendo.
Neste sábado, cinco anos depois, voltamos a ser Palmeiras.
Conhecer e reconhecer nossas quedas é essencial.
PALMEIRAS: Fernando Prass; Weldinho (Ayrton), André Luiz, Marcos Vinícius e Juninho; Márcio Araújo, Charles (Ronny) e Leo Gago (João Denoni); Wesley; Leandro e Caio Mancha. TÉCNICO: Gilson Kleina.