O dia 20 de setembro possui uma conotação especial para todos os torcedores alviverdes. Neste dia, em 1942, o clube por uma grande transformação em sua história. Era o primeiro jogo com o nome de Palmeiras, que substituía o antigo Palestra Italia, em episódio que ficou conhecido como ‘Arrancada Heroica’. Mais do que o simbolismo do inaugural confronto com a nova alcunha, a partida mostrou que o time sabia de fato ser brasileiro. Após morrer líder, nasceu campeão com uma maiúscula vitória por 3 a 1 diante do São Paulo, que abandonou o campo antes do término do jogo.
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Para entender a importância da partida precisamos entender o contexto histórico da época. O ano de 1942 marcava o auge da Segunda Guerra Mundial. O Brasil vivia o governo do Estado Novo, liderado por Getúlio Vargas, que havia rompido com a República Velha em 1930, assumindo a cadeira que ocupou 24 anos com uma breve interrupção no fim da década de 1940.
Muito embora Vargas parecesse não querer assumir claramente um lado no confronto, o governante, com o tempo, ficou sem saída. Afinal, ao mesmo tempo em que solicitava empréstimos de altos valores aos Estados Unidos (o que caracterizava uma parceria com o país norte-americano), adotava uma conduta governamental ao estilo dos países do Eixo (Itália, Alemanha e Japão), gerando grande polêmica. No entanto, depois de alguns fatos que sugeriam possíveis ataques alemães contra navegações brasileiras, o governante assumiu publicamente apoio militar aos Estados Unidos e consequentemente aos países aliados, compostos além dos estadunidenses por França, Grã-Bretanha e União Soviética.
Após tomar um lado da guerra, o governo de Vargas junto a uma parte da população brasileira começou uma perseguição aos imigrantes e descendentes de alemães, italianos e japoneses que residiam no Brasil, muito embora esses não tivessem culpa dos regimes totalitários impostos e buscavam na América justamente uma fuga dos governos de suas terras natais.
Em 11 de março de 1942, foi homologado sob decreto de número 4.166, a determinação de que todos os bens pertencentes a italianos, alemães e japoneses, tanto pessoas físicas quanto jurídicas, poderiam ser confiscados pelo governo brasileiro. A partir de então, instituições e até mesmo cidadãos tiveram que mudar de nome para apagar qualquer semelhança com aqueles países.
Clubes tradicionais como o Esporte Clube Germânia e o Palestra Italia de Minas Gerais passaram a se chamar Esporte Clube Pinheiros e Esporte Clube Cruzeiro, respectivamente. Em São Paulo, cidade na qual havia o maior número de imigrantes italianos no Brasil, não foi diferente e o Palestra Italia teve que mudar o seu nome para não ter o Parque Antárctica — na época o estádio mais moderno do Brasil — confiscado.
Pelo medo de perder seu patrimônio, o presidente palestrino Ítalo Adami, após muita resistência, resolveu não lutar mais contra a lei e, no final do mês, mudou o nome do clube para Palestra de São Paulo. O escudo, antes em sua maioria vermelho passou a conter o verde e amarelo da bandeira brasileira, conforme a foto abaixo.
Mesmo com a adaptação e uma falsa sensação de que as coisas haviam sido resolvidas, meses mais tarde o governo brasileiro novamente exigiu uma outra mudança de nome, alegando que a palavra ‘Palestra’ remetia ao idioma italiano, muito embora o termo seja de origem grega, significando ‘local para exercícios físicos’.
A pressão era encabeçada pelos dirigentes do São Paulo Futebol Clube, aliados da elite paulistana. Na época, o rival disputava ponto a ponto o título do Campeonato Paulista com o Palestra.
Não era incomum os tricolores usarem o pejorativo apelido de ‘carcamanos‘ para os imigrantes italianos, além de encabeçarem um movimento de difamação do clube de origem ítalo-brasileira. Em jornais, era comum se referirem ao Palestra com as expressões ‘traidores da pátria’ e ‘quinta coluna’ (termo usado para se referir a grupos clandestinos que atuam, dentro de um país em guerra, ajudando o inimigo, espionando e fazendo propaganda subversiva).
No dia 14 de setembro de 1942, os dirigentes se reuniram novamente para tomar a decisão da nova mudança de nome. A partir daquela data, o Palestra não seria mais usado e a cor vermelha deixaria de estar presente no escudo do clube. Com rejeição de parte da torcida — que achava a ideia muito radical — o Palestra de São Paulo teria seu nome trocado mais uma vez. Optou-se por manter o nome Società Sportiva (traduzida para o português) e também continuar com o P no escudo. Entre as opções SE Brasil, SE Paulista, SE Paratininga prevaleceu a sugestão do conselheiro Mário Minervino: Sociedade Esportiva Palmeiras.
“Não nos querem Palestra, pois seremos Palmeiras e nascemos para ser campeões”. Dr. Mario Minervino, na ata da reunião de 14 de setembro
Quem teve participação importante no processo foi o General Adalberto Mendes, que fora designado pelo Exército para servir em São Paulo e acabou se identificando com o Palestra, criando laços de amizade com dirigentes. O militar foi nomeado segundo vice-presidente por Ítalo Adami, sendo a figura patriota que amenizou e soube conduzir toda a pressão e hostilidade que o Palestra sofria.
Segundo relatos do goleiro Oberdan Cattani décadas depois, o elenco estava concentrado em uma chácara quando recebeu a notícia da mudança de nome. Ainda no mesmo depoimento, o arqueiro disse que os atletas já sabiam que era o São Paulo que estava por trás da determinação e que os jogadores ficaram entristecidos e chegaram até a chorar naquela noite.
Por ironia da bola, o primeiro confronto com o novo nome seria justamente diante do São Paulo e poderia render o título estadual ao Palmeiras, em partida válida pela penúltima rodada do campeonato. Na tabela, o alviverde liderava com 18 jogos e 16 vitórias, enquanto o tricolor aparecia na segunda posição com dois pontos a menos. Se caso o São Paulo ganhasse a partida, os rivais ficariam empatados na tabela (a vitória valia dois pontos na época). Na última rodada, o Palmeiras tinha pela frente o Corinthians, enquanto o São Paulo ia pegar o Hespanha de Santos — atual Jabaquara.
Para garantir a taça, o treinador Armando Del Debbio adotou o mesmo esquema que a equipe estava acostumada a atuar, o 2–3–5 com Og Moreira transitando entra a linha de zaga e a de meio campo. No gol, o ainda jovem Oberdan Cattani era uma peça fundamental da equipe; Junqueira e Begliomini eram os zagueiros; Og, Del Nero e Zezé Procópio fechavam o meio; Waldemar Fiume e Villadoniga eram os enganches com o trio ofensivo Cláudio Pinho, Lima e Echevarrieta.
Já o São Paulo, comandado pelo treinador uruguaio Conrado Ross, entrava em campo com: Doutor; Piolim e Virgílio; Lola, Noronha e Silva; Luizinho, Waldemar de Brito, Leônidas da Silva, Remo e Pardal.
Se enganou quem achava que após a mudança de nome no dia 16 o fogo entre as equipes já estaria apagado. Naquela tarde de domingo, 20 de setembro, um clima hostil estava preparado para receber o Palmeiras. Quase 46 mil pessoas lotaram o Pacaembu e, como já era de se esperar, a torcida anti-palmeirense estava concentrada em maior número e já preparada para executar uma impiedosa vaia para recepcionar a entrada dos atletas em campo.
É nesse momento que surge novamente a figura de Adalberto Mendes. Percebendo o clima hostil que enfrentaria, Adalberto notou que o treinador Del Debbio tinha em mãos uma bandeira brasileira. Mesmo sabendo que a exibição do pavilhão nacional só era permitida em eventos internacionais, o militar chamou a responsabilidade para si e pediu para que os atletas entrassem carregando e exibindo a bandeira para toda a torcida. Com o general fardado e conduzindo a subida das escadas, os atletas corriam com a bandeira entrelaçadas entre os dedos. Era desse modo que se iniciava a trajetória alviverde como Palmeiras.
Depois de alguns segundos de surpresa por parte de todos os presentes, os atletas foram aplaudidos e nenhum ato adverso foi desferido. O Palmeiras espantava a desconfiança e tensão colocada nos episódios antes da partida e mostrava para todos que sabe de fato ser brasileiro. A multidão no estádio via a volta por cima de um clube que resistiu à perseguição.
Após o apito do juiz era o São Paulo quem tomava a iniciativa. Como definiram os jornais na manhã seguinte, Oberdan segurou o placar no inicio do jogo com defesas magníficas. Aos 20 minutos, o atacante Cláudio Pinho abriu o placar em um belo chute cruzado de primeira após a rebatida da zaga — o ponta teve a honra de marcar o primeiro gol do time com o nome de Sociedade Esportiva Palmeiras.
Três minutos depois, o São Paulo empatou o jogo com um forte chute de Waldemar de Brito. A partida ganhou ares dramáticos e passou a ser um jogo truncado, porém, aos 43 minutos, o Palmeiras voltou a ficar à frente do placar, com gol de Del Nero. O primeiro tempo terminava 2 a 1 para a equipe verde e branca, que dava um longo passo para a conquista.
Na segunda etapa, era o São Paulo quem novamente ia pra cima, uma vez que apenas a vitória interessava. Mas, tal como no primeiro tempo, o Palmeiras não demorou muito para castigar o tricolor. Aos 15 minutos, houve uma confusão na meta tricolor após o escanteio batido por Cláudio Pinho. A defesa se atrapalhou e bola sobrou com Og Moreira, que pegou de raspão na bola. O chute torto encontrou Echevarrieta que cabeceou com firmeza para o fundo da rede.
Quatro minutos mais tarde, Virgílio fez pênalti em Og e foi expulso. Inconformado com a marcação, o capitão tricolor, Luizinho, instruído pelos dirigentes do clube, orientou que a equipe não jogasse mais a partida. O arbitro Jaime Janeiro esperou 30 minutos para ver se o São Paulo retornava ao gramado. Como não voltou, decretou o término do jogo com vitória do Palmeiras por 3 a 1. Na súmula, deixou escrito com todas as letras: ‘O São Paulo fugiu’.
Assim sendo, o Palestra morria líder e o Palmeiras nascia campeão. Era a nona conquista estadual do clube, que havia levantado a primeira taça em 1920. Também estava consolidada a rivalidade com o São Paulo, clube ainda jovem, mas que já começava a aparecer no cenário do futebol paulista.
Na manha seguinte, o jornal dava as linhas sobre o jogo. No lado dos perdedores, o periódico apontava a vergonha por sair de campo antes do tempo regulamentar. Já para o lado verde, destaques para quase toda a equipe. Oberdan era seguro na meta e estreava o tradicional uniforme de goleiro azul naquela tarde (segundo constam os relatos, a substituição da camisa branca para a azul foi um sublime protesto, fazendo alusão à camisa da Seleção Italiana). Junqueira e Begliomini, apesar do jogo duro e muito faltoso, anularam o ataque tricolor. Og Moreira, o melhor em campo, era destacado pelas duas assistências, um pênalti sofrido e todo o vigor físico do médio-campista que desfilava em campo marcando e ajudando o ataque. Na parte da frente, chamavam atenção o artilheiro Echevarrieta e o ‘pai da bola’ Waldemar Fiume.
Na última rodada, a tabela apontava um Palmeiras e Corinthians para o dia 4 de outubro. Em campo, o arquirrival carimbou a faixa de campeão do Palmeiras ao vencer por 3 a 1. O São Paulo, por sua vez, sofreu com duras punições da federação a e não pôde enfrentar o Hespanha.
Em 2005, o dia 20 de setembro ficou ainda mais especial para o torcedor palmeirense. A Lei Nº 14.060 oficializou a data no Calendário Oficial do Município como o ‘Dia do Palmeiras’ na cidade de São Paulo. Além da data guardada, em 2006 o então prefeito Gilberto Kassab assinou o decreto de número 47.368, nomeando a passarela situada nas proximidades da sede do Palmeiras. como ‘Passarela Palmeiras — Arrancada Heroica 1942’. Sem sombra de dúvidas, uma data muito especial para a história do Palmeiras, do futebol paulista e do esporte nacional.