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E quando eu não pude pisar na avenida

E quando eu não pude pisar na avenida

O refrão que fez desaguar dos meus olhos o amor pelo samba sempre me pareceu utópico. Quando é que não poderia pisar mais na avenida? Qual era a chance de o samba morrer? Em tons melancólicos, escrevo que: hoje, não pude pisar no solo sagrado.

Mas, antes de me despedir, deixei ao cronista mais novo, o pedido final: reviva o samba, sinta o batuque, ele é mais lindo que a palavra, ele emociona mais que o pandeiro, ele é enredo pro seu coração. Ele sempre mexe com o meu. Como sempre fez a minha escola. E que delícia é lembrar daquele dia.

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Com gritos que ecoavam em dó e amor diretamente da alma, e apenas com a percussão, a batida do coração alviverde, como compasso, a Mancha Verde abriu seu carnaval de 2019 com um manifesto em homenagem à raça, à saga e à luta da pele negra.

“A alma que chora, a pele que sangra
Qual será o meu valor?
Entrego minha vida
Rainha do mar, Iemanjá”

Dona Norma, certamente, se derretia em orgulhos de ver sua escola trazer ao Anhembi um samba enredo que toca na dor de um povo e que coloca na avenida a história de uma princesa negra.

Estado laico cada dia mais suscetível às intempéries dos poderosos, o país viu o Carnaval, mais do que nunca, falar em tom de manifesto, de grito libertário e de celebração às grandes e tristes histórias que construíram a sociedade moderna.

“África, reluz o encanto e a nobreza
A fé conduz o povo a lutar
Tristeza marejou meu olhar
Oh senhor, tem piedade
Dos corações sem liberdade”

Mareja o nosso, de quem ouviu e lembra a dor em nota no samba, sob o ritmo da Pura Balanço para fazer cantar a torcida palmeirense e toda a comunidade que tem raizes, que é capaz de sentir mais do que a apenas a própria vida.

Com amor à história e respeito às dores, a escola fez uma ode ao que há de bom no mundo, um olhar humano, sensível e carinhoso sobre a época mais sombria e cruel pela qual a humanidade já passou. A música sempre será melhor forma de iluminar o mundo.

Dessa vez, a lembrança me veio numa madrugada de silêncio. Tomei à mão a minha camisa, recuperei meu talabarte velho e cheio de fiapos. Abri esse bloco de notas e tive a certeza quase musical de que ele só está dormindo. Em bom lugar.

A gente se encontra na avenida. Até breve, samba.

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