CAPÍTULO DO LIVRO "OS 20 MAIS DO PALMEIRAS", de 2014, editado pela MAQUINÁRIA.
Diálogos imaginários entre o avô Beppe, o neto Angelo, e os amigos José Ezequiel Filho, Jota Christianini e Fernando Galuppo.
Palmeiras 3 x 2 Corinthians
Copa Libertadores da América
Data: 06/06/2000v
Local: Morumbi
Juiz: Edílson Pereira de Carvalho
Gols: Euller 34’, Luizão (39’ e 52’), Alex 59’ e Galeano 71’
Decisão nos Pênaltis: Palmeiras 5 x 4 Corinthians
Gols do Palmeiras: Marcelo Ramos, Roque Júnior, Alex, Asprilla e Júnior
Gols do Corinthians: Ricardinho, Fábio Luciano, Edu e Índio (Marcelinho Carioca perdeu)
Palmeiras: Marcos; Rogério, Argel, Roque Júnior e Júnior; César Sampaio (Tiago) e Galeano; Alex; Marcelo Ramos, Pena (Luís Cláudio) e Euller (Asprilla)
Técnico: Luiz Felipe Scolari
Corinthians: Dida; Daniel (Índio), Fábio Luciano, Adílson e Kléber; Vampeta e Edu; Marcelinho Carioca e Ricardinho; Edílson e Luizão (Dinei)
Técnico: Oswaldo de Oliveira
São Marcos!
ANGELO – Nonno, o Marcos, para mim, é o que é o Ademir da Guia para você.
NONNO BEPPE – Angelino, no coração de avô sempre cabe mais um. Cabe um 10 como o Ademir, um 9 como o Evair, um 12 como o Marcos, um número 1 como o Oberdan, um camisa 2 como o Djalma Santos. Ou como o Cafu. O Arce. Até caberia uns tantos camisas 2 nota um que a gente teve por causa de alguns dirigentes 171…
ANGELO – Mas é o que os meus amigos também dizem: que outro cara na nossa história (ou mesmo na de outros clubes) fez o que ele fez contra o principal rival?
NB – Poucos, Angelo… Raros como sua santidade Marcos. Que já era santo desde maio de 1999. E que, naquela noite de terça-feira, 6 de junho de 2000, nos levou além. Mais uma vez, contra eles.
ANGELO – Terça-feira? Como é que uma semifinal de Libertadores foi jogada numa noite de terça-feira?
NB – O calendário brasileiro e sul-americano tinha ainda menos cabimento na década de 1990 que hoje. O Palmeiras jogava a Libertadores, a Copa do Brasil e o Paulistão de 2000 tudo ao mesmo tempo. Ah! E tinha Eliminatórias para a Copa de 2002 no meio. No domingo à tarde, quatro de junho, o Brasil do Luxemburgo venceu o Peru, em Lima, por 1 a 0. Gol do Antonio Carlos. Além do treinador, oito dos quatorze que entraram em campo pela seleção no Peru jogaram (ou depois jogariam) pelo Palmeiras. Dois, então, eram nossos titulares absolutos: o volante César Sampaio e o meia Alex.
JOTA CHRISTIANINI – Naquele mesmo domingo, pela manhã, o Palmeiras jogara a semifinal do Paulistão contra o Santos, no Morumbi. Ganhávamos por 2 a 0 até os 23 minutos do segundo tempo, quando levamos a virada e fomos eliminados. Estávamos sem cinco titulares, poupados para o segundo jogo da Libertadores, contra o Corinthians, dois dias depois. O inesquecível 6 de junho de 2000. Sete anos exatos depois do Gol Porco que começou a nos dar o título paulista de 1993!
FERNANDO GALUPPO – Olha só o que tivemos de complicações desde 18 de maio de 2000: ganhamos de 2 a 0 do Atlas, pelas quartas de final da Libertadores. O jogo foi no México, numa quinta-feira à noite. No domingo à tarde, com apenas um titular, perdemos para o Corinthians por 4 a 2, pelo Paulistão. Na outra quinta-feira, dia 25 de maio, vencemos de novo o Atlas. Foi 3 a 2, no Palestra. Menos de 48 horas depois – um crime! –, empatamos sem gols com o Santos, pela semifinal do Paulistão.
JOSÉ EZEQUIEL FILHO – Logo depois, na terça-feira à noite, o primeiro jogo da semifinal da Libertadores contra o Corinthians, no Morumbi.
NB – Um jogaço! O Corinthians tinha inha um time melhor que o nosso. Eles chegaram a abrir 3 a 1 no placar. Mas, na bola e na raça, empatamos por 3 a 3, aos 37 do segundo tempo. Até que o Vampeta mandou um chute de fora da área que desviou na nossa zaga e tirou o Marcos do lance. Foi aos 45 do segundo tempo. Perdemos por 4 a 3.
FG – Quarenta e oito horas depois, na quinta-feira à noite, em Natal, empatamos com os reservas por 3 a 3 com o ABC. Jogo válido pela Copa do Brasil.
NB – No domingo pela manhã, 4 de junho, perdemos aquele jogo para o Santos por 3 a 2. À tarde, no Peru, Alex e Sampaio estavam com a seleção. E, na terça-feira, os que sobreviveram dessa maratona pelo clube e pelo Brasil tinham de vencer o Corinthians no Morumbi, depois da derrota por 4 a 3 na outra semana.
ANGELO – Me perdi… Que confusão!
JEF – O Palmeiras só não se perdia porque era Palmeiras. E tinha um trabalho brilhante do preparador físico Paulo Paixão e da nossa comissão técnica. Eles conseguiam pilhar os ânimos e músculos de um elenco que não era tão rico e talentoso como o de 1999. A Parmalat estava de saída do clube depois de oito anos de parceria vitoriosa. O próprio Felipão dizia que, ao final daquele semestre, provavelmente deixaria o clube. Como acabou fazendo, indo treinar o Cruzeiro.
FG – O Corinthians vinha muito bem e louco para ganhar uma Libertadores. Ainda mais contra a gente. Por tudo que fizemos desde 1917. Principalmente pelo que não os deixamos fazer em 1974 e 1993, pelo Paulistão. E, mais ainda, na Libertadores de 1999, quando os eliminamos nos pênaltis.
NB – A vantagem do primeiro jogo era deles. O clima também. Até por uma questão polêmica em que o Felipão se enrolou com o Edilson. Aquele que jogou muito pelo Palmeiras em 1993-94. Mas que parece ter esquecido que foi nosso.
FG – No dia seguinte à derrota por 4 a 3 para o Corinthians, em um dos raros treinamentos em que o Felipão pôde reunir o grupo, parte da imprensa o ouviu berrando um monte pros jogadores dentro do vestiário da Academia. E contra alguns rivais. Especialmente o Edilson. Foi gravado por uma emissora de televisão o Felipão dizendo para os atletas: “Onde está a malandragem de vocês? Vocês não aprenderam nada na vida?”
JEF – Acho que quem não aprendeu foi muito jornalista que foi na onda e na pilha do Felipão…
JC – O Felipão disse aos atletas que o Edilson se achava “malandro, esperto, o tal…”
NB – E depois ele descascava no Capetinha. Dizia coisas que aqui não posso dizer pra você.
JEF – Mas que qualquer treinador pode falar para qualquer grupo no recato do vestiário. Algo que não foi respeitado aquele dia pela imprensa.
NB – Ou que provavelmente foi bem planejado pelo Felipão para atiçar os jogadores e a torcida pela reação negativa que aquelas palavras fortes causariam do outro lado. Para não dizer em todo mundo. Nosso treinador liberou o corredor que dava acesso ao vestiário da Academia para que os jornalistas ouvissem os gritos e o papo. Jogada ensaiada para atiçar o próprio elenco e enervar o rival que era tecnicamente superior.
JC – O Felipão falou muito. Disse que o Palmeiras era um time experiente, mas que “na hora do bem bom não sabe dar um pontapé. Não sabe dar um cascudo, irritar o cara”. O Felipão incitou cada jogador para, na partida da outra semana, “comer a orelha” de cada rival. Como ele disse, “ter raiva dessa PIII de Corinthians”.
JEF – Papo de vestiário, coisa de treinador motivador, de líder. Mas algo que acabou saindo na imprensa e sendo deturpado.
NB – Resultado: deu muito certo na terça-feira seguinte. Jogadores e comissão técnica acabaram ainda mais pilhados por muitas reações politicamente corretas de esportistas e imprensa, que viam naquelas declarações um “incentivo à violência”… Tsc, tsc…
JEF – Ninguém quer a violência. Ninguém vai comer a orelha de ninguém, rasgar a canela do rival. Mas tudo aquilo serviu para mexer com o ânimo do elenco que estava fisicamente morto, e emocionalmente desgastado.
JC – E tinha mais gente querendo se pegar fora dele. Depois da repercussão negativa do vazamento daquele papo do Felipão, ele proibiu os jogadores de conversarem com os jornalistas. Do outro lado, alguns falavam bastante. Mas, no fundo, todos se respeitavam muito. Ainda que não se gostassem.
NB – Mas, dentro de campo, no jogo de volta, tivemos pouca violência. Apenas muita rivalidade e um futebol emocionante e muito bem jogado pelas duas equipes. Revi outro dia a partida no DVD. Tivemos quatorze chances de gol. Eles, umas doze. Merecemos a vitória. Também por que eles erraram demais defensivamente.
NB – O Felipão ousou na escalação. Como ele só tinha o Alex como armador e contava com boas opções pelas pontas, escalou o Pena e o Euller bem abertos, vindo de trás, com o Marcelo Ramos no comando do ataque. O Alex criava, o César Sampaio e o Galeano marcavam no meio. Na lateral direita ele recuou o Rogério e sacou o Neném. Em vez dos três volantes do primeiro jogo, atuamos com três meias (dois eram atacantes recuados) e um centroavante. Era o 4-2-3-1 que tanto se usou naquela década, e então poucos utilizavam.
JEF – O Corinthians repetiu o time. Dois baita volantes (Vampeta e Edu), um meia pela esquerda mais recuado (Ricardinho, que jogou ainda mais atrás), um senhor meia-atacante como o Marcelinho Carioca, e dois grandes atacantes: o Edilson e o artilheiro Luizão. “Refugos” nossos…
NB – A defesa tinha um senhor goleiro como o Dida, que foi o melhor jogador deles no Mundial. O Fábio Luciano era bom zagueiro. O Adilson também. O Kléber foi um grande lateral. Mas, naquela noite, o lateral direito deles foi muito mal. Foi em cima do Daniel que construímos a vitória.
FG – Além do Euller voando pela esquerda no segundo tempo, o Júnior foi sensacional vindo de trás. Foi o melhor palmeirense nos dois jogos. Ele vinha pela lateral, mas armava o jogo pela esquerda, e até pela direita. No finalzinho do primeiro tempo, ele limpou quatro e tocou pro Alex que, por pouco, não fez um golaço por cobertura.
NB – Só no primeiro tempo, o Júnior sofreu seis faltas! Ele e o Alex jogaram muito. Com 6 segundos de jogo, o nosso camisa 10 já deu de calcanhar. Depois ele cavaria um amarelo chapelando o Edu. Fora a tabela sensacional com o Júnior, na nossa primeira chance de gol. A segunda foi um passe maravilhoso do Euller para ele. E tinha gente que o chamava de Alexotan… Dois minutos “acordados” do Alex valiam por duas décadas de muito jogador aceso. Fora o fato de que ele não se apagava em jogo importante. Quanto mais difícil a partida, mais o Alex jogava.
JEF – O Felipão foi esperto. Botou o Roque Júnior na cobertura do Júnior, prendeu um pouco mais o Galeano, e o Rogério foi quase um terceiro zagueiro. Só para liberar o Júnior como armador.
NB – Foi um primeiro tempo igual. O Palmeiras precisando atacar mais, eles explorando os contragolpes. Em campo, houve menos confusão que o esperado. Só uma entrada feia do Marcelinho no Júnior, um toco do Marcelinho no Roque, e uns cartões que faltaram para o Adilson e para o César Sampaio. Como, no segundo tempo, o árbitro poderia ter marcado um pênalti do Adilson no Luis Claudio (que entrara no segundo tempo como centroavante). E, também, poderia ter expulso o Sampaio por uma pegada no Edilson.
FG – Foi realmente um jogo menos pesado no campo. Mas maravilhoso pelas chances. E pelo que berrou a nossa torcida antes do primeiro gol. Tínhamos acabado de cantar de novo o Hino quando o Júnior avançou pela esquerda e cruzou para o Euller, que se mexia muito e estava quase como ponta-direita. O Fábio Luciano se encolheu, o Adilson não subiu e o Euller bateu cruzado. Gol. 34 do primeiro tempo!
NB – É… Mas, aos 39, o Marcelinho bateu escanteio cheio de curva, o Argel bobeou pela única vez no jogo e o Luizão cabeceou sozinho. 1 a 1… Eu fiquei muito pu… Ops..
ANGELO – Tá valendo, Nonno. Você já disse que no futebol palavrão vale…
NB – Mas até a Madre Teresa teria xingado a nossa defesa naquele lance. Pelo amor de Ademir da Guia! Como é que pode.
JC – Eu também fiquei louco! Lembro que, logo depois, aos 42, uma bola espirrada sobrou pro Galeano na meia esquerda. Tinha um cara deles bem na frente e o nosso volante tentou chutar como se fosse o Alex…
NB – Lembro. Xinguei muito! Falei algo do tipo: “Como pode o Galeano querer fazer um gol como esse!? O Galeano não!”
JEF – Pois é… O cara que jogou de 1989 a 1992,e de 1996 a 2002. Nunca foi craque. Longe disso. Mas foi um dos que mais atuaram pelo clube.
NB – O segundo tempo começou equilibrado. Mas eles viraram. O Edilson tocou pro Luizão fazer 2 a 1, aos 6 minutos. A bola passou entre o Marcos e o Roque Júnior.
FG – Eu achei que tinha tudo ido para o saco.
NB – O Felipão mandara o Marcelo Ramos para a direita, centralizara o Pena e apostara no Euller aberto em cima do lateral Daniel. Depois do gol, o Júnior saiu ainda mais. O Roque Júnior também. Eles recuaram e não souberam explorar o contra-ataque.
JC – Também não demos mole. O Euller foi ao fundo e tocou pro Alex empatar com máxima categoria, aos 14. O Daniel não conseguia parar o nosso ponta, o filho do vento, jogador importantíssimo em grandes partidas em 1999 e 2000.
NB – O jogo ficou espetacular. Era lá e cá. Para nossa sorte, saiu o Luizão, lesionado. Mas, logo depois, o César Sampaio teve de sair. Para variar, ele não estava 100 por cento fisicamente. Para variar, ele jogou 200 por cento. Logo em seguida, aos 24, o Adilson, bom zagueiro em má jornada, fez falta para cartão. O Alex bateu da meia-direita para o segundo pau. O Adilson esperou o Dida sair, o goleiro chegou tarde e o Galeano virou, de cabeça.
ANGELO – O Galeano? Aqueles que vocês tanto detonaram?
(Longo silêncio)
NB – Então… 3 a 2 para nós. Mas parecia que o time precisava golear. O Roque Júnior se mandava, o Rogério e o Júnior atacavam ao mesmo tempo… E eles perdendo gols no contragolpe. Para ter uma ideia, aos 35, o Marcos desarmou fora da área uma bola com o Edilson, e, na sequência, ainda dividiu o lance com o Marcelinho na altura do grande círculo!!!
JEF – O Felipão pedia pro time maneirar, tocar a bola… Mas parece que a equipe sentia que aquele era o momento, que não precisaríamos dos pênaltis.
NB – Se o Euller não tivesse se lesionado aos 29, acho que dava. Mas é preciso dizer que o Asprilla, que o substituiu, deu uma bola fantástica pro Marcelo Ramos quase fazer 4 a 2, aos 41. Mas o Dida defendeu.
FG – Não teve jeito. Pênaltis. Os mesmos que eliminaram os corintianos em 1999.
NB – Pênaltis que deram a eles o título mundial contra o Vasco, em janeiro de 2000, no Maracanã…
JEF – Pênaltis que nós batemos para eliminar o Peñarol, nas oitavas de final. Pênaltis que também eles bateram para vencer o Rosario Central, também nas oitavas daquela Libertadores.
NB – As duas equipes sabiam como os adversários batiam os pênaltis. Estavam todos muito estudados. Decorados. Foi o que bem fizeram o preparador de goleiros Carlos Pracidelli e o goleiro reserva Sérgio. Eles e o Marcos sabiam os cantos dos batedores corintianos.
NB – Foi o que pensou o Marcão: “Eles sabem que eu sei onde eles chutaram os outros pênaltis em 2000. Eu vou enganar esses caras. Eu vou no outro canto!”
ANGELO – Grande Marcão! Não erra uma!
NB – Pois é, netinho… Pois é… Pergunte pro Pracidelli e pro Sérgio…
JEF – Começamos batendo os pênaltis. Na mesma meta de fundo, no Morumbi, onde o Evair fez o gol de pênalti de 1993. O Marcelo Ramos bateu com categoria e deslocou o Dida.
NB – Ricardinho foi o primeiro batedor deles. Ele também fora o primeiro cobrador quando eliminaram o Rosario Central. O Marcos sabia onde ele havia batido: rasteiro, no canto direito. Aí pensou nosso goleirão: “Eles sabem que eu sei onde eles batem. Vou mudar de lado!” Pulou no canto esquerdo, onde a maioria dos canhotos bate. Mas o Ricardinho manteve o canto direito e empatou.
FG – O Roque Júnior fez o dele e, na celebração, enfiou o pé na placa da publicidade da falecida zip.net. O Fábio Luciano era o segundo cobrador deles. A cola passada pelo Pracidelli é que ele bateria no canto esquerdo.
ANGELO – Aí o Marcão pulou no canto esquerdo e defendeu!
NB – Pois é… O Marcos continuou com a tese de que os corintianos mudariam os lados da cobrança. E o Fábio Luciano manteve o canto esquerdo. O Marcão pulou com tudo à direita, e a bola foi pro outro lado.
JC – O Alex bateu no canto esquerdo, como adoram os canhotos. O Dida foi buscar. Mas quando a bola bate na rede lateral, nem São Marcos defende. Gol. 3 a 2.
NB – O Marcos sabia onde o Edu costumava bater. De novo, ele pensou que o corintiano mudaria de lado. De novo errou. Edu jogou no canto esquerdo, Marcão caiu do outro lado.
FG – Aí o Pracidelli teve de intervir. O Sérgio gritava, espumando, que iria encher de porrada o Marcos por não seguir as recomendações dos cantos das cobranças. O Pracidelli que é o cara mais plácido do mundo, estava no banco de reservas e gritou para o massagista Biro ir correndo até atrás da meta e avisar para o Marcos que, se ele não seguisse o que estava combinado, era bom nem voltar para o vestiário depois. Que o Sergião e o Pracidelli iriam enchê-lo de porrada.
NB – Asprilla fez o dele. Não deu tempo de o Biro chegar a tempo de falar para o Marcos o recado do preparador dele. O Índio mandou o pênalti no ângulo direito. Ao menos desta vez o Marcos acertou o canto. Mas não dava.
JEF – O Júnior, nosso melhor jogador naquela noite, mandou o quinto pênalti no meio do gol. Se o bico da chuteira do Dida estivesse sujo batia nela.
NB – Cinco a quatro para nós. Faltava o último pênalti. Marcelinho Carioca na cobrança.
JC – Amigos, até então eu não acreditava nessa história de energia, de carga negativa. Mas, então, eu passei a acreditar. Desde a Copa Rio de 1951 o Palmeiras não teve tamanha torcida a favor como naquele pênalti.
NB – O Marcelinho é o maior vencedor de títulos da história deles. O cara que melhor representava aquele time. E um dos jogadores mais contestados da história recente do futebol. Ninguém mais queria outro título deles. Aliás, dificilmente alguém que não é Corinthians torce por eles. As maiores torcidas no futebol sempre recebem as maiores torcidas contra. O que hoje eles chamam dos “antis”.
JC – O que eu prefiro chamar “A Liga da Justiça”.
NB – Então. Todo o Brasil, para falar a verdade, estava torcendo não a nosso favor. Mas contra eles. E ainda mais contra o Marcelinho. Ele carregou sozinho o peso de milhões num único chute. Aliás, uma bela cobrança. Ainda melhor defendida pelo Marcos.
FG – O Marcelinho havia perdido pênalti na decisão do Mundial contra o Vasco. Jogou à meia altura e fraco, no canto esquerdo do goleiro Hélton, que defendeu. Contra o Rosario, Marcelinho bateu firme no canto direito baixo e fez o gol. Do mesmo modo que encheu o pé e não bateu mal no Morumbi.
NB – Mas era contra o Palmeiras. Era o Marcos. Já era, naquele momento, o Corinthians na Libertadores de 2000.
JEF – Não é desculpa de perdedor, já que depois, também nos pênaltis, perderíamos o bi para o Boca Juniors. Mas, para mim, naquele momento, o Palmeiras já tinha feito o que era necessário. O que era seu dever histórico e esportivo: tirar o rival da disputa. Pode parecer pequeno. Mas antes dos títulos vêm a rivalidade. Eles pensariam do mesmo jeito.
FG – Depois da espetacular defesa no canto baixo direito, o Marcos saiu correndo para o mesmo lugar onde o Evair foi celebrar o gol do título de 1993. Aquela faixa entre a trave direita e o escanteio do gol de fundo do Morumbi é um de nossos lugares sagrados de celebração.
NB – O lugar onde o Marcos não lembra nem o que fez depois da defesa que ele mesmo admite que se adiantou. Porque não adiantaria nada se ele não tivesse feito isso. Só um milagre para ele repetir o que fez.
ANGELO – Mas ele é santo, Nonno. Ele fez outro milagre.
JC – Fato. Aliás, até hoje, o Marcos não gosta tanto de falar desse lance. Para ele é como se ele tivesse só feito essa defesa em 532 jogos em vinte anos de Palmeiras.
ANGELO – Mas como o Nonno sempre diz: a defesa do Marcos. O pênalti do Marcelinho…
NB – A celebração dos jogadores! Tem gente que esteve na conquista da Libertadores e na semifinal de 2000 que diz que o elenco fez mais festa no Morumbi que no Palestra, em 1999. Estava tudo tão entalado que a vitória desopilou todo mundo. Vencemos os rivais, os fatos, a imprensa, a lógica, tudo.
FG – Interessante que nenhuma das equipes treinou para os pênaltis nos dias anteriores. E eles acertaram nove das dez cobranças. Quer dizer, dá até para dizer as dez: o Marcelinho Carioca acertou o gol na dele. Mas o Marcos, para variar, acertou ainda mais.
NB – O Alex, além de definir quase tudo em campo, mandou muito bem fora dele, ao final do espetáculo histórico: “O Ministério da Saúde adverte: ser palmeirense faz mal à saúde.”
JC – Mas sempre fez muito bem ao coração.
JEF – Angelo, estes são 20 jogos eternos do Palmeiras. Têm muitos mais em quase cem anos. Teremos outros tantos para você contar aos seus netos.
NB – Na minha casa. Na nossa casa do Palestra. Algumas vezes imaginei que ao nosso estádio não voltaria. Como agora, em 2013, na véspera da reinauguração da belíssima Arena, com alguns resultados ruins em um campeonato não do nosso nível. Mas eu parecia aquele menino mimado que quer fugir de casa – e pede pro pai atravessar a rua e pagar as contas. Eu dizia que não voltaria àquela casa azarada. Achava que a culpa também era do nosso estádio. Lá eu não mais voltaria.
ANGELO – Você não fez isso, né, Nonno?
NB – Promessa jamais cumprida. Porque isso não é coisa que se prometa! Não conheço casa perfeita. Todas trincam. Caem pedaços. Dão trabalho. Precisam de reformas na base. Nem sempre uma pintadinha dá jeito. Até por sempre ter alguém para achar defeito. É assim nossa casa. É assim o lar de qualquer um.
JEF – Mas agora e sempre é hora de abraçar cada pedaço do nosso estádio. É tempo de lembrar os degraus da escada que dão para a arquibancada, para o gramado que cheira de tão perto. Mesmo tão elevado. Tão suspenso. Tanto suspense.