De vice-lanterna no Grupo B na quinta rodada com quatro derrotas a campeão do Robertão de 1969. Tudo em dois meses e 10 dias.
Parecia impossível. Parece o Palmeiras.
Bicampeão do Robertão. 1967 e 1969. O único clube a disputar os quatro quadrangulares decisivos do torneio que é o pai do Brasileirão, e disputado por todos os tricampeões mundiais de 1970. Palmeiras campeão em 1967 e 1969, seria vice em 1970, ano do último campeonato antes de ele virar de vez o Brasileirão.
O clube que mais pontos conquistou nos quatro torneios (104), o que mais venceu jogos (41), melhor aproveitamento de pontos (67%), melhor ataque (118 gols), melhor saldo (45), terceira melhor média de gols sofridos.
O grande campeão de 1969 parecia que não iria se classificar até ganhar os últimos cinco jogos da fase inicial. O time que acabou líder do Grupo B mas que não parecia favorito na primeira rodada do quadrangular final contra o time de melhor campanha Corinthians (e conseguiu o empate o Palmeiras); o visitante que foi atacado o tempo todo em Minas pelo Cruzeiro dono da segunda melhor campanha (e que mesmo assim arrancou novo empate); o Palmeiras que levou menos de 10 mil torcedores ao Morumbi na rodada final para celebrar mais um título, 32 minutos depois do apito final da tranquila vitória contra o misto desinteressado do Botafogo. Rival carioca que havia conquistado dois meses antes a atrasada e prolongada Taça Brasil de 1968, e que chegou já condenado ao Morumbi naquela tarde de domingo sem televisão ao vivo e nem videoteipe (por isso não existem imagens dos 3 a 1 palmeirenses e dos 2 a 1 cruzeirenses em Belo Horizonte. Sem acordo entre clubes e emissoras, quem viu no estádio, viu. Quem não esteve lá, leia aqui a festa do bicampeão do Robertão).
PRÉ–JOGO
O Palmeiras veio de Minas na quinta-feira, depois do suado empate na véspera por 1 a 1. Rubens Minelli não estava satisfeito com o desempenho do ataque. O ponta Edu Bala estava sentindo a virilha e vinha mal tecnicamente. O treinador optou por Cardoso à frente com César, dando o corredor direito para o lateral Eurico apoiar, e Pio seguir fechando o meio, em um 4-3-3 próximo a um 4-1-3-2.
Minelli estava preocupado com o desgaste físico do elenco. Cinco titulares mal treinaram até o clássico de domingo. Metade do time estava abaixo do peso ideal.
O Botafogo de Zagallo também estava pra baixo e por fora depois da derrota por 1 a 0 para o Corinthians, no Pacaembu, na segunda rodada do quadrangular final. Roberto Miranda, centroavante reserva do Brasil na Copa-70, estava suspenso. Moreira, Nei, Carlos Roberto, Rogério (ponta que foi cortado um mês antes do Mundial de 1970) e Paulo César Caju (outro tri de 1970) também não embarcaram pra São Paulo.
O JOGO NO MORUMBI
Pouco mais de 8 mil presentes ao Morumbi já indicavam o grau de “confiança” na conquista de mais um título do quase sempre ressabiado palmeirense.
O Verdão nem precisou jogar muito. O desfigurado Botafogo facilitou a vida verde. Os 32 minutos entre o apito final no Morumbi e o título afinal conquistado com a derrota corintiana em Belo Horizonte foram mais emocionantes que os protocolares 90 minutos em São Paulo.
Leão não fez defesa alguma no primeiro tempo na terceira rodada, depois de ter sido o melhor em campo contra o Cruzeiro, no jogo anterior. O Botafogo não criou e não marcou. Com Ademir liberado para guiar e chegar mais à frente, o Palmeiras fez o que quis no primeiro tempo que foi suficiente para consolidar a vitória.
Aos 11 minutos, Eurico avançou mais uma vez e cruzou. Moisés rebateu mal a bola que o Divino aproveitou para abrir o placar.
Aos 27, pela esquerda, Pio cruzou para César ter tempo e espaço para se atrapalhar e ainda assim ampliar.
Aos 44, o centroavante passou por dois e serviu Ademir, que ajeitou com a velha frieza para superar Cao.
Zagallo mexeu no Botafogo no intervalo. Aos 10, Zequinha que entrara na ponta-direita foi ao fundo e deu a bola para Ferretti diminuir o placar.
Minelli mudou os pontas para dar mais ofensividade ao Palmeiras com Copeu e Serginho. Não foi necessário.
O jogo estava definido no Morumbi. Mas ainda não no Mineirão.
Lá estava com mais de meia hora de atraso em relação a São Paulo. E desde o primeiro ataque cruzeirense foi mais emocionante e disputado o clássico em Belo Horizonte.
O JOGO NO MINEIRÃO
Com 55 segundos, o excelente centroavante Evaldo (substituto de Tostão com descolamento de retina na partida contra o Corinthians, na fase inicial do Robertão-69) tropeçou na bola e abriu o placar para o Cruzeiro. Para ser campeão, a Raposa precisaria vencer no Mineirão por saldo de gols maior que o do Palmeiras contra o Botafogo. Para o Corinthians ser campeão do Robertão precisaria vencer no Mineirão o jogo que só empataria aos 7 do segundo tempo, poucos antes do final do clássico no Morumbi.
Rivellino fez 1 a 1.
Logo depois acabou no Morumbi: Palmeiras 3 x 1 Botafogo.
Os poucos mais de 8 mil presentes no estádio do São Paulo não celebraram tanto a vitória alviverde. Ainda faltavam 32 minutos no Mineirão.
O Verdão desceu em silêncio para o vestiário do Morumbi. Mal falaram os atletas com os repórteres. Os torcedores foram deixando as arquibancadas recém fechadas do terceiro anel (que seria inaugurado oficialmente no mês seguinte). Muitos dos 8 mil palmeirenses foram para a praça Roberto Gomes Pedrosa (justamente o nome oficial do torneio), na frente do portão principal do estádio, ficaram esperando o apito final em Minas.
FOTOS DA EDIÇÃO DE O GLOBO
A VIGÍLIA PÓS-JOGO
No vestiário, nos 32 minutos que faltavam para a definição em
Minas, os jogadores alviverdes mal se falavam. Apenas ouviam pelos radinhos de pilha a transmissão do empate. Se continuasse assim, Palmeiras seria o campeão.
O Corinthians só precisava de um gol. O Cruzeiro precisava fazer 4 a 1.
Aos 17, o zagueiro mineiro Darci Menezes foi expulso. O Corinthians tinha um jogador a mais e precisava marcar mais um gol pra acabar com a fila de títulos desde 1954.
Mas foi o excelente Cruzeiro que desempatou. O genial Dirceu Lopes passou pela defesa corintiana e fez 2 a 1, aos 23. Agora seriam necessários mais dois gols gols celestes, ou dois alvinegros.
A diretoria palmeirense então abriu os vestiário mais festivos. Mas ainda nervosos como Minelli. Ele ficou no fundão andando de um lado a outro. Os jogadores já estavam quase todos vestidos. Alguns foram para o ônibus. Não aguentavam ficar ali.
A cada minuto, mais torcedores queriam abraçar jogadores e treinador pela conquista cada vez mais próxima. Minelli não queria nenhum sorriso e muito menos abraço.
Ainda não era hora.
Aos 37, o lateral corintiano Pedro Rodrigues também foi expulso. O Cruzeiro pressionou ainda mais. Mas faltavam dois gols.
A HORA DO CAMPEÃO
17h55. Hora oficial do Brasil. Do campeão do Robertão de 1969. Mais uma vez.
O radinho anunciou o apito final no Mineirão. Cruzeiro 2 x 1 Corinthians. O início da festa no Morumbi e em todo o país palmeirense.
César honrou o Maluco e saiu correndo chorando para abraçar Minelli. De olhos vermelhos, o treinador foi erguido no ar pelo artilheiro do time, com 13 dos 28 gols da campanha. Edu, Jaime e Cabralzinho também o ergueram celebrando.
A festa enfim era total. E aos gritos de “Giménez”. O cartola que bancou Minelli mesmo com os maus resultados iniciais, e que na sexta-feira, na antevéspera da última rodada, recebeu manifesto dos atletas pedindo para que permanecesse no cargo de diretor de futebol. Ele que trocara grande parte do elenco depois do vice-campeonato da Libertadores-1968, e que investira 3 bilhões e 200 milhões de cruzeiros velhos em reforços nem sempre compreendidos. Mas que ao final valeram muito.
(Cada jogador campeão de 1969 ganharia 1.500 cruzeiros novos pela vitória na terceira rodada, e mais 3 mil pelo título nacional).
A EDIÇÃO DE SEGUNDA-FEIRA DE O GLOBO
Giménez cantava vitória e mais um caneco. E explicava como havia virado o jogo em 1969: “fizemos muito bem em apostar nesse elenco e em Minelli. Tirei fora o Filpo Núñez depois do Paulista. Ele falou que o Nelson e o Dé tinham se vendido para o Santos… Numa churrascaria de um amigo ele falou mal do clube, de seus dirigentes e atletas. Aí no dia seguinte disse que não tinha mais ambiente no Palmeiras…”.
O cartola fez questão de falar que o Robertão de 1969 era ainda mais gostoso para ele por ter sido conquistado superando o Corinthians na chegada. “Sou o único palmeirense numa família de corintianos porque sou o mais inteligente deles”. Carioca, José Giménez Lopez era Fluminense até ver o Palestra Italia jogar, em 1934. Virou casaca e um dos maiores dirigentes da história palmeirense.
Muitos dos corneteiros que em julho queriam a saída dele e a chegada de Ferrucio Sandoli, a venda de César para o Botafogo, e eram contrários ao técnico desde o início, faziam grande festa no vestiário.
Minelli era enfim reconhecido e cumprimentado. Mas logo pegou a mala e saiu escondido para pegar a mãe dele que acabara de sair do hospital, e juntos encontrarem a família em Rio Preto.
A FESTA VERDE
A delegação palmeirense partiu da casa do São Paulo por volta de 18h30, com mais gente da torcida na frente do estádio. O corso seguiu fazendo festa pela Giovanni Gronchi até a avenida Morumbi. De lá subiu pela Rebouças, Sumaré, até chegar ao Palestra Italia. Centenas de carros vinham atrás do ônibus palmeirense. Nos edifícios em torno do Parque Antarctica tinham muitas bandeiras do clube.
Ao chegar à Turiaçu, vários fogos de artifício saudaram o ônibus da delegação. E com o grito tradicional:
- Um, dois, três, o Corinthians é freguês.
E a nova adaptação à fila do rival que aumentava:
- Um, dois, três, já vai pra 16!
Ademir da Guia foi o mais festejado quando saiu do ônibus. Foi carregado pela torcida que começava a celebrar e beber sem moderação até a madrugada mais um título.
A RAIVA DO RIVAL
Os cartolas corintianos mal dormiram. No aeroporto da Pampulha, ainda no domingo, teriam ameaçado um dirigente da CBD. Alfredo Curvelo denunciou o presidente corintiano Wadih Helu e o diretor Elmo Franquini pelas ameaças.
Para a imprensa, o deputado estadual da Arena (partido governista no auge da ditadura militar) manteve o tom: “a CBD escalou árbitros gaúchos para prejudicarem o Corinthians. Esse bandeirinha José Luís Barreto foi a Minas só pra prejudicar o Corinthians”, reclamou o presidente Wadih Helu.
A reclamação maior era um lance de gol anulado do centroavante Benê por discutível impedimento.
O meia-atacante Ivair ainda disse que teve outro lance de gol mal anulado e que Suingue sofreu um pênalti não marcado. E que o árbitro merecia apanhar pelos roubos que tinha feito contra o time paulista.
“Foi um roubo autêntico”, disse Elmo. “Parte da trama pra evitar o título do Corinthians, além do regulamento incoerente (defendido pelo clube uma semana antes). É preciso desmascarar essa cúpula do futebol da CBF. Essa quadrilha tirou o titulo do Corinthians”!
JOGO DAS FAIXAS E DA BANDEIRA
A bronca alvinegra era com a CBD. Não com o Palmeiras. Tanto que, na segunda-feira, os dirigentes se acertaram para facilitar a festa palmeirense, e evitar um grande mico e prejuízo financeiro do rival alvinegro. Na semana anterior o Corinthians programara para a quarta-feira seguinte à última rodada do Robertão-69 um amistoso com a seleção de Gana.
Seria o “jogo das faixas”. Mas as do Palmeiras.
Wadih Helu fechou com o presidente em exercício alviverde Paschoal Giuliano a troca de adversário e de endereço do amistoso.
Palmeiras x Gana no Palestra.
Jogadores foram chamados às pressas para a festa. Minelli também voltou antes de Rio Preto. Recebeu os parabéns do treinador corintiano Dino Sani pela conquista. E explicou como recuperou a confiança, o futebol e os gols de César: “ele só precisa de carinho para render tudo que pode. Foi o que fiz com ele”.
O treinador também garantiu que renovara o contrato até julho de 1970. Ficaria até 1971.
Economista formado em 1958, treinou a base do Palmeiras de 1959 até 1963 quando tentou a sorte como treinador. E sorte a palmeirense que ele voltou 10 anos depois de ter começado a fazer trajetória brilhante, que também seria campeã brasileira pelo Internacional (1975-76) e São Paulo (1977).
Na quarta-feira, o torcedor-símbolo Minguinho puxou a fila das bandeiras do Palmeiras, de São Paulo e do Brasil que precederam a entrada das equipes de Palmeiras e Gana no Palestra.
Elas deram a volta olímpica antes do 3 a 1 palmeirense, com a banda tocando O SOLE MIO e PERIQUITINHO VERDE.
Todos os campeões receberam medalhas de alguns artistas e cantores palmeirenses. Minelli preferiu receber a dele do filho Rubinho.
Antes da festa, César ganhou medalha por ter feito o gol mais lindo do campeonato.
À tarde, a apresentadora de televisão Hebe Camargo gravou reportagem com os jogadores campeões, e ainda foi pra meta defender um pênalti de Ademir da Guia.
A semana de festas teve como principal celebração na chácara de Bonsucesso (km 28 da Via Dutra) um churrasco para o elenco. Com um bolo para os noivos Luís Pereira, Baldochi e Cardoso que logo se casariam.
Fazendo mais festa ainda pela conquista que o jornal carioca O GLOBO definiu no dia seguinte ao título nacional: “o Palmeiras conquista o Robertão pela segunda vez desde que o certame assumiu características de um campeonato nacional”.
Desde 2010 o Robertão foi equiparado ao Brasileirão pela CBF. Pelo nível de times e atletas, e dificuldade de um torneio recheado de clássicos, acabou se superando.
Como o grande campeão de 1969.
PALMEIRAS 3 X 1 BOTAFOGO
Torneio Roberto Gomes Pedrosa – fase final
Domingo, 7/dezembro (tarde)
Morumbi
Juiz: Armando Marques
Renda: NCr$ 51 210
Público: 8 310
PALMEIRAS: Leão; Eurico, Baldochi, Nelson e Zeca; Dudu, Jaime e Ademir da Guia; Cardoso (Serginho), César e Pio (Copeu).
Técnico: Rubens Minelli
Gols: Ademir da Guia 11, César 27 e Ademir da Guia 44 do 1º; Ferreti 10 do 2º