Se o Palmeiras pudesse ser personificado em alguém, este alguém seria Oberdan Cattani. Apaixonado, vibrante, orgulhoso e generoso. Italiano de alma, mas brasileiro de coração. Se hoje somos o que somos, o maior campeão do Brasil, devemos muito ao goleiro que tanto fez por nós. Mais que um atleta, Oberdan é um símbolo. A resistência do Palestra Itália ao Palmeiras. O amor pelo clube alviverde. O sentimento de ser uma família.
Em 20 de junho de 2014, aos 95 anos, Oberdan nos deixou, vítima de complicações cardíacas causadas por uma pneumonia. Entretanto, a imagem icônica do atleta de bigode fino, cabelos penteados para trás com gel e mãos enormes segue viva. O antigo lar do arqueiro, onde viveu entre 1945 e 2014, na zona oeste de São Paulo, virou um museu, repleto de objetos pessoais e relíquias dos tempos de jogador.
Walkyria Cattani, filha mais velha de Oberdan e que mora na casa desde que nasceu, em 1948, idealizou o projeto ao lado de seu marido, Roberto. O inconfundível sobrado verde, em Perdizes, agora tem sua parte de cima ocupada quase que exclusivamente por um acervo do goleiro. Um lugar que emociona qualquer torcedor do time alviverde. Um pedaço do Palmeiras fora do Palmeiras.
“Aqui está um pedacinho dos tempos vividos pelo meu pai. Resolvemos aumentar o que ele já tinha, e acabou resultando neste espaço maravilhoso. Todo dia, quando entramos neste lugar, pensamos: ‘o Oberdan ainda está aqui”, afirma.
Para criar o museu, Walkyria precisou fazer uma reforma completa na casa. Antes, os objetos ficavam expostos em um pequeno quarto, também no segundo andar. Após a morte de Oberdan, Walkyria notou que aquele espaço já não era suficiente para comportar toda a brilhante memória de seu pai. Foi então que pensou em ampliar a área, expandindo para um local que, anteriormente, era um jardim.
“Pensei: ‘o que vamos fazer com tantos quadros, troféus e material dele?’. Não podíamos simplesmente acumular e deixar guardados. Resolvemos mudar a casa. E, olha, eu achei que ficou espetacular”, explica.
Entre os objetos expostos, há muitos troféus. Melhor goleiro, melhor jogador e jogos especiais. Há também chapéus e sapatos. Esses últimos, inclusive, são guardados de maneira especial por Walkyria: “ele não gostaria de ver nos pés de mais ninguém”. Um objeto, em particular, chama a atenção. Um relógio dado aos campeões da Copa Rio de 1951, anteriormente planejado para ser entregue aos atletas da Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1950. Contudo, com a derrota para o Uruguai na final, o presente acabou sendo dado aos palmeirenses, durante um banquete de comemoração no clube.
“Certa vez, uma empregada roubou este relógio e tentou vender em uma joalheria. Por sorte, a loja ficava próxima ao Palestra Itália. Como o dono do local viu o nome do meu pai gravado na parte de trás do relógio, telefonou para ele na hora e perguntou se o relógio estava sendo vendido mesmo”, relembra.
Mais que um museu, a casa é um pedaço da história de Oberdan Cattani. Foi para lá que ele se mudou ao casar com Marcília, em 11 de outubro de 1945, e onde criou seus três filhos: Walkyria, Mônica e Oberdan Cattani Júnior. Em Perdizes, conhecia cada rua como a palma de sua grande mão. E não havia quem não conhecesse e gostasse do mito palestrino. Até mesmo Laudo Natel, ex-governador do Estado e presidente do São Paulo, que era um de seus vizinhos. Tardes de conversas na calçada e em casa.
“Ele e minha mãe viveram muito felizes aqui. Isso aqui era tudo para ele. Ele tinha orgulho de ter esta casa. Pelo o que ganhava, ele podia comprar esta residência. Ele morou em outros lugares, mas aqui era realmente o lar dele. Ele sempre disse que nunca queria se desfazer da casa. Por isso, estamos aqui. Não vamos nos desfazer dela enquanto vivermos. Quem não tem história, não tem vida”, relembra.
Em casa, Oberdan era um homem de hábitos simples. Passava horas e mais horas assistindo Chaves. Quando resolvia fazer algo especial para os familiares comerem, ia para cozinha e preparava um inconfundível doce de abóbora. Para beber, nada em especial. Apenas nos momentos de festa, como o famoso Jantar dos Veteranos, que ele fundou, o mito palestrino optava por um drink como Campari ou batida de maracujá. Para ouvir e dançar, não dispensava o clássico estilo tango.
Atleta do Palmeiras entre 1941 e 1954, o goleiro dedicou sua vida ao clube. 351 jogos, 207 vitórias, 76 empates e 68 derrotas Tetracampeão paulista (1942, 1944, 1947 e 1950), campeão da Copa Rio (1951) e do Rio-São Paulo (1951). Carregou a bandeira do Brasil na histórica Arrancada Heroica, em 20 de setembro de 1942, no Pacaembu. Fez de ícones palestrinos, como Waldemar Fiúme, Junqueira, Jair da Rosa Pinto, Romeu Pellicciari e Turcão uma verdadeira família. Inclusive, na final da Copa Libertadores da América de 1999, contra o Deportivo Cali, ficou abraçado aos bustos de Fiúme e Junqueira, pedindo por ajuda durante a disputa de pênaltis.
“Quando um precisasse de alguma coisa, o outro já estava pronto. Meu pai sempre foi o cabeça de todo mundo. Era o apaziguador das brigas e dono da palavra final. Se a decisão não fosse dele, não dava certo”, exalta.
Tardiamente, após sua morte, Oberdan foi homenageado pelo Palmeiras com um busto de bronze nas alamedas do Palestra Itália, em 12 de junho de 2015. O fato é que sua memória vai muito além da estátua ou dos objetos que estão expostos em sua casa. Enquanto houver Palmeiras, haverá Oberdan Cattani. Amor, paixão, vibração, sorrisos, entrega, alegrias e tristezas. Todos os sentimentos intensos. Isso é o nosso Palestra. Isso é Oberdan Cattani, o cidadão de Sorocaba (SP) que conquistou o mundo.