À frente de todo o homem, sempre tem uma enorme mulher. Mais feliz ainda quem a teve no colo com apenas oito meses de vida. O calabrês Luigi tinha quase 15 anos quando segurou nos braços pela primeira vez a filha da vizinha. Ela tinha oito meses. Moravam na Av. São João. Ele ficou encantado com a criança. Que Luzia!
Luigi foi almoçar na chácara da família da ex-vizinha no Jardim São Bento, no ano da primeira conquista do clube dos italianos paulistanos. Paixão à segunda vista pela garota então com 15 anos. Na primeira vez, Luigi já tinha amado o bebê. Agora era para casar. Tiveram três filhos. Três palmeirenses filhos de Luzia e Luigi.
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Um deles era Antonio Domenico. Por causa da Segunda Guerra, na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, Domenico virou Domingos. Perdeu o nome italiano, do país em guerra com o Brasil. O pai Luigi não se importou tanto. O que lhe doía era a mudança de nome do clube dele, em setembro de 1942.
E como foi dele o clube! E o nome!!! Em 1914, Luigi se encantara com a visita de times de futebol da Itália ao Brasil. Queria formar um clube para italianos em São Paulo. Ele jogava pelo Internacional da capital. Tinha gente que era Corinthians, outros clubes de italianos, ou não associados ou adeptos. Ele queria um só clube para uma só origem. Ele queria a Itália reunida em São Paulo. Em uma praça esportiva. “Palestra”, em grego.
— Palestra Italia!
O nome que ele berrou entre outros 38 que discutiam bravos e graves a respeito da associação que ele e o amigo Vicente Ragognetti fizeram de tudo para criar, em agosto de 1914. Era a segunda reunião do grupo. Parte dele queria uma agremiação voltada à dança, à literatura, a alguns esportes. Parte mais aguerrida como Luigi queria um clube para todos, para tudo – e, mais que tudo, para o futebol.
Ele ganhou a parada. E subiu sobre a mesa de reunião para mais uma vez discursar com a verve que tinha desenvolvido nas Indústrias Matarazzo, onde trabalhava diretamente com o Conde. Baixinho, falava alto e bem que era uma beleza! Luigi conseguiu dobrar os resistentes ao clube. E foi a primeira voz a dar o nome:
— Palestra Italia.
Paixão à primeira vista dos 39 presentes no salão Alhambra, em 26 de agosto de 1914. Palestra para toda vida de Luigi Cervo. O moço que havia criado o amor de milhões e que, não sabia, já tinha encontrado o dele desde os oito meses de Luzia. Eles se casariam em 1920. Ele morreria um ano antes do supercampeonato de 1959. Desde o primeiro jogo palestrino, em 1915, ele celebrava contidamente os gols, e imprecava contra tudo e contra todos nas partidas ruins.
Mas não falava mal do Palestra. Era a cria dele. Ele tomou nos braços o clube e aos berros as primeiras reuniões. Nunca quis ser presidente da sociedade esportiva cuja ata foi escrita por ele, na casinha de uma mesa e mais nada no terreno da Vila Mariana, perto de onde o Palestra faria os primeiros treinos e jogos. Luigi Cervo tomou o clube do jeito que cuidou do bebê de oito meses. Ninou, amou, botou no colo, apaziguou, fez sorrir, fez sonhar aquela criança Palestra e aquela menina Luzia.
As duas paixões da vida ele conheceu no berço e fez crescer além da conta. Cada enfeitinho na porta das maternidades de pais verdes têm um pouco dos feitos de Luigi Cervo. Sabe bem a dona Lili, 95 anos, a filha do amor com Luzia. Ela é de uma família de mulheres que aqui e na Itália passam dos 100. Uma tia morreu com 107. Outra, 104. Outro ente querido tem 103 anos – e contando histórias e glórias desde que foi batizado pelo pai de Lili Cervo. Paixões à primeira vista como essas não morrem. Renascem com cada criança de pais palmeirenses que já foram palmeiristas. E que desde 1914 fazem questão de dar tudo aos filhos. Até a liberdade de escolher entre o Palmeirar ou morar com outra família.
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Brincadeira? Talvez. Mas o amor incondicional por um clube é sério.
Quando você cantar baixinho o hino que surge imponente para o seu bebê, termine a canção ostentando, além da sua fibra, uma singela homenagem ao amor de Luigi por Luzia (desde 1905), e pelo nosso Palestra (desde 1914). Foi esse sentimento por uma mulher que ele conhecia de criança e por uma criação que amamos desde o berço que nos faz o que somos. Talvez não tenhamos nada em comum eu, você, Luzia e o marido. Mas aquela roupinha, aquele sapatinho, tudo aquilo que vem de berço deve um pouco a Cervo, Luigi. O acervo cultural e familiar que vem do bravo palestrino, do berro palmeirense, da birra do periquito, do espirito de porco nasceu com com esse calabrês que deu nome a um clube que dá sinômimo ao amor – mesmo obrigado sob baioneta a mudar de nome na guerra. O nome mudou. Não a paixão.
A família Palmeiras nasceu como a de Cervo. Um amor de criança carregada no colo e no seio de um sentimento que pode ficar 15 anos reprimido. Mas quando soltamos a voz em um grito Matador e Animal é como se fosse um eterno Dia dos Namorados de 1993.
Luigi Cervo carregou no peito e no colo os amores incondicionais da vida. Ele só poderia ser pai do Palestra e irmão de todos nós.