Quando ele chegou, se sabia a competência e o carisma. Tinha dois anos de rusgas e rasgos de raiva dos dois lados. Não se gostava dele quando Grêmio. Do jeito dele tricolor. Mas se queria o mesmo. Vitória Verde.
Em seis meses de Palmeiras já chegou além do primeiro objetivo. Não deu para vencer o rival que era melhor no BR-97. Dos amados Edmundo e Evair no Vasco, e o ex-gremista general Felipão no nosso barco.
Mas era mesmo nosso? Nem tanto. Ele não gostava do estilo “acadêmico” do clube. O sonho era um dia dirigir o Uruguai vizinho do Sul, não o Brasil da CBF. Era apaixonado pela classe de Francescoli, amava meio que às escondidas o “jogo bonito”. Mas era muito escancarado defensor de um Dinho dando pra doer que um Zinho dando gosto. Era mais sangue e suor que sabor e saber.
Foi fazendo seu grupo – não grupinho. Foi domando feras e focas. Criando fatos e factoides. Treinando o time e a imprensa. Levando a arquibancada com ele. Virando o jogo e o jeito de o Palmeiras jogar.
Se perdesse a Copa do Brasil de 1998, provável que perderia o que nunca ganhou de Mustafá. Nem a Parmalat seguraria. Mas o celeste Paulo César não segurou aquela bola, Oséas mandou pro céu sem ângulo, Copa do Brasil de 1998. Tíquete assegurado pra Libertadores-99. Hora pra treinar na primeira Mercosul. Outro título: Copa Mercosul, nos últimos dias de 1998.
Nem um mês de férias. Reservas em campo no Rio-São Paulo. Grupo duríssimo na Libertadores. Ele anuncia que não fica mais ao final dela. Vaza lista dos fora de forma do elenco. Eles ficam putos. Mas respondem pela bola. Era assim. Felipão cutucava o elenco que respondia a ele em campo. Não no vestiário. Funcionava. Hoje, com story de esposa, Instagram do irmão, tuitada de tutor, Facebook do assessor, vira o caos. Vida de cão.
Em 1999 não se acreditava no time dele. Só o Palmeiras para superar Cerro, Olímpia, Corinthians, Vasco campeão da América, Corinthians mais uma vez e sempre pra sempre, River Plate, Deportivo Cali pra fora com Zapata, São Marcos pro Japão com a Libertadores.
Não deu contra o United mesmo jogando melhor. Não daria Mercosul-99. Mas teve mais Rio-São Paulo em 2000 com a Parmalat já nas vacas magras. Teve mais uma final de Libertadores eliminando o Corinthians. Mas já não tinha mais Felipão depois disso. Ainda deu Copa dos Campeões em 2000 com time frágil e remontado por Murtosa.
Era memória e glória o Felipão que tinha raiva de rival, comprava briga, elogiava quem não podia, era radical e ranzinza. Mas era nosso. Muito nosso. No que há de Palmeiras e no que há de ruim. Para o Palestra e para o mal.
Esperamos 10 anos por ele depois da Copa de 2010. Botamos bigodes sobre a boca e a desconfiança de um clube que também repatriava ídolos recentes como Valdivia e Kleber. Não rolou. Eles não foram os mesmos de 2008. Felipão também não foi o mesmo de 1997-2000. Ou pior: era o mesmo. As broncas do grupo que se engolia então viraram brigas. Os atletas mudaram. Na média, pra pior. Ele não mudou. E ficou pior.
Derrotas duras de engolir como a Sul-Americana de 2011 para o Goiás. Os pênaltis sempre vencidos que foram perdidos antes para o maior rival, no SP-11. Elenco mais frágil. Sem Parmalat. Sem muito Palmeiras. Mas ainda com o espírito felipônico de que é possível. É Palestra. E foi demais na Copa do Brasil-12. Gol de Betinho!? Bicampeão!
Libertadores-13 no horizonte. Esqueceram de jogar bola no BR-12. Felipão esqueceu como fazer um time limitado competitivo. Não deu liga. Daria rebaixamento. Já sem Felipão.
O Palmeiras não era o mesmo. Ele não era o mesmo. Ninguém é. Na Copa-14 não foi.
Mas sempre tem volta. Tem jogo. Mesmo um maluco como é o futebol. Louco como somos nós. Apaixonado como somos. Apaixonante como é esse tiozão Felipão. O que faz coisas que não pode. Jogar bola no campo no final de jogo, tretar com Deus, o mundo e os diabos da bola. Um cara que não se quer enfrentar. O cara para encarar quem vier. Para ter raiva daquela porra, ter raça deste porco, ter gana de ganhar.
Mas já disse antes e reitero agora. Ele não me parece mais ter pique para treinar clube no Brasil. Jogador no Brasil. Não é que esteja ultrapassado. Mas o jeito dele não bate mais com o da geração atual muito delicada para aceitar algumas grossuras e outras que são apenas cobranças duras de quem é tão dedicado. Felipão precisa se adaptar ao novo jogador. Ao novo YouTuber de chuteiras coloridas. Também precisa estar antenado com o que rola aqui e com a bola que se joga acolá.
Temo que a teima num passado brilhante na primeira passagem e discutível na segunda esteja mais para repetir a segunda que a primeira história. Por mais que ela não se repita, são outras pessoas (e mesmo Felipão é diferente ainda que seja igual demais em outras situações). Não tenho a mesmo convicção de vitória que tive desde o dia em que chegou em 1997. A alegria do retorno e apoio de 2010 a 2012.
Não tenho. Não é por duvidar dele. Não tenho como torcedor como não o elevar ao máximo do Olimporco por tudo que fez como um dos nossos três maiores treinadores. Mas por questionar os métodos dele com os medos de hoje. Por não saber amanhã se ele vai se adaptar aos humores de jogadores que não entendem os modos muitas vezes sem modos que deram muito certo antes. Não mais agora.
Não preciso desejar nada além de obrigado a ele por tudo. O crédito de Felipão é eterno. Ele sempre terá aqui dentro a imagem que tem na placa da foto do Bar Dissidenti.
Posso discutir muito. Posso não gostar das ideias atuais. Dos modos desde sempre. Mas no meu peito e no meu Palmeiras o Felipão pode até estar errado. Pode pensar errado. Pode agir errado.
Mas ele vai ser sempre estar “certo”. O tiozão que pega pra nós o brigadeiro da mesa antes de cortar o bolo. Vai ser sempre o cara que no chute de Zapata não vai celebrar com a Via Láctea da Parmalat. Vai direto abraçar os gandulas que faziam o jogo dele. Nem sempre o que é certo é bonito. Mas sempre o que um paizão-tiozão faz para defender a prole, a plebe, e o Palmeiras.