A cena

(Felipão orientando Lucas Lima)

As artes se constroem com base em um enredo, criam uma história, uma sucessão de imagens, construções de significados com base em diálogos, olhares, semblantes, feições, cenários, músicas. É um processo de sinergia com o foco em um resultado final. Ou quase. Não há um filme, uma peça de teatro, uma novela, qualquer produto audiovisual que não deixe marcada A CENA. O momento de poucos segundos que ressignifica todo o conjunto. Rouba para si um valor altíssimo. Reúnes questões emocionais, lógicas e outras que as palavras sofrem para representar.

A caixa surpresa sendo aberta no final de “Seven: os sete crimes capitais”, o momento em que Elliot e E.T voam de bicicleta pela lua em “E.T.: O Extraterrestre”. O abraço em “Titanic”, a sinfonia de Beethoven em “Laranja Mecânica”. O seu Star War preferido.

Todos nós nos lembraremos de algum momento icônico nessa incitação à memória afetiva.

O futebol certamente é a oitava arte. Queiram as regras, ou não. E quem discorda, naturalmente, está enganado. Tantas vezes servindo de inspiração à sétimas, outras tantos, fazendo realidade as fantasias cinematográficas. A linha que separa essas paixões do ser humano é a boa vontade, afinal, a emoção é que direciona como enxergamos cada um. E isso diz muito.

Palmeiras e Botafogo jogavam um primeiro tempo pouco interessante. Atentos, todos observavam que no banco de reservas, ainda com trinta e alguns tantos minutos, Felipão trocava ideias com Lucas Lima, mas de uma forma intensa, como quem premedita um movimento. Típico melhor momento de um filme, mas que ocorre discretamente em seu inicio e que só se fará relevante ao final de tudo.

Finalizada aquela partida e tantas horas depois, notam-se pontos. Quem nunca reviu uma cena para entender melhor?

São dois gestos grandes.

Felipão teve tudo. Ganhou quase tudo. Não há motivo plausível para que gaste seu latim para um jogo morno de Campeonato Brasileiro. Para ele, há. Dedicou seus conhecimentos, dedicou seu tempo por um bem maior. Acreditou que alguém desacreditado pudesse ser o motivo para acreditar em uma vitória.

Lucas já foi seleção. É reserva. Poderia estar bravo por isso. Dedicado, ouviu, mostrou disposição. Algo natural para quem tem condições milionárias de trabalho, mas que sabemos todos que não se faz exatamente determinante. É preciso lealdade
entre quem comanda e que se deixa, de fato, comandar.

Uma vitória fala muito. Dois gols, muito mais.

Uma grande cena pode significar tudo, uma jornada inteira. O final do ano pode ser a cena pós-crédito com papel picado.