(Capítulo do livro OS 20 MAIS DO PALMEIRAS, da Maquinária Editora, de 2014, quando os palestrinos Jota Christianini, José Ezequiel Filho e Fernando Galupp contam para Angelo, neto do Nonno Beppe, 20 grandes partidas do clube. Neste capítulo, a tarde de inauguração do Mineirão, quando o Palmeiras jogou pela Seleção Brasileira contra o Uruguai e…
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NONNO BEPPE – Angelo, hoje vou lembrar uma goleada da Seleção Brasileira contra a Celeste Olímpica, em 1965.
ANGELO – Finalmente você vai deixar de falar só do Palmeiras… Tudo bem que muitas vezes fomos uma autêntica Seleção, né?
NB – Naquele feriado da Independência do país, o Palmeiras foi o Brasil. Como nenhum outro seria.
ANGELO – Mas você já tinha dito que todos torceram por nós na Copa Rio de 1951…
NB – Sim. Mas quem a foi a Seleção Brasileira na segunda partida dos festejos pela inauguração do Mineirão, com mais de 80 mil torcendo por nós? Quem tinha bola e elenco para defender a Seleção bicampeã mundial, então? Quem jogou com a camisa do Brasil e enfiou 3 a 0 no Uruguai?
FERNANDO GALUPPO – Uruguai que tinha como base o Peñarol, que seria campeão sul-americano e mundial em 1966. Sete jogadores que atuaram no Mineirão contra o Palmeiras estiveram na Copa na Inglaterra.
ANGELO – O Corinthians não jogou pelo Brasil também uma vez?
JOSÉ EZEQUIEL FILHO – Sim. Foi em novembro de 1965. E perdeu. Contra o Arsenal, em Londres. Não é um jogo oficial, por não ser uma partida contra uma seleção nacional e, sim, contra um clube, e de camisa azul. Mas eles realmente jogaram em nome da CBD. Mas perderam. Para um Arsenal que acabaria em 14º. lugar no Campeonato Inglês daquela temporada. O Atlético Mineiro depois jogaria em 1968 contra a Iugoslávia como se fosse o Brasil. E venceu bem por 3 a 2, com apenas um dos escalados que já tinha atuado pela Seleção: Djalma Dias – não por acaso nosso zagueiro, até 1967. Daquela equipe só o ponta-direita Vaguinho jogaria depois pela Seleção. Já o nosso Verdão de 1965…
JOTA CHRISTIANINI – No Mineirão, o Palmeiras venceu o Uruguai que faria bonito na Copa do Mundo no ano seguinte. Já o Brasil, na Inglaterra, em 1966, não passou da primeira fase. Também por que o treinador Vicente Feola desprezou o melhor jogador do país naquele momento – Servílio –, e deixou de usar gente como Dudu e Ademir da Guia. Só para não dizer mais nada a respeito do fiasco brasileiro na Copa na Inglaterra.
JEF – Teria sido menos difícil para o Brasil em 1966 se a CBD tivesse repetido o convite feito ao Palmeiras em 1965. Era só ouvir o que dissera o zagueiro uruguaio Manicera, logo depois dos 3 a 0 que a Celeste levou em Belo Horizonte: “Se o Brasil quiser ser tricampeão mundial em 1966, basta levar todo esse time do Palmeiras para a Inglaterra e escalar o Pelé. Mas não pode tirar aquele loirinho do time”.
NB – 0 “loirinho” era o Divino Ademir da Guia.
ANGELO – E por que o Brasil não convocou mais jogadores do Palmeiras para a Copa de 1966?
JC – Politicagem barata e um bairrismo-clubismo caríssimo. Levaram 47 jogadores para treinamento. Fizeram quatro times diferentes e acabaram não fazendo nenhum. Disputavam quadrangulares como se fossem rivais! Quiseram fazer média com todo mundo e fizeram uma campanha muito abaixo dela. Em apenas três jogos na Copa de 1966 o Feola escalou 20 jogadores.
FG – Mas é preciso dizer que, na época da Copa, mesmo com o título paulista que acabaríamos conquistando em dezembro de 1966, nossa equipe já não ostentava a brilhante forma de 1965. Quando ganhamos o apelido de Academia.
NB – Não inventamos esse nome. Ganhamos, junto com a conquista do Rio-São Paulo de 1965. Vencemos as duas fases da competição e cancelamos as finais do torneio.
JC – Faltou pouco para a nossa diretoria aceitar o pedido da torcida, aproveitando a data da final cancelada para fazer um jogo entre os titulares e os reservas. Seria um jogo mais difícil que alguns que fizemos no Rio-São Paulo de 1965.
ANGELO – Metido, hein, Jota…
JC – Não, meu querido. Era fato. O artilheiro do campeonato foi o Ademar Pantera. Reserva do time. E que só não fez mais gols por que se lesionou no final.
JEF – Outros clubes adoram criar apelidos, superlativos, substantivos mais que abstratos. Nós fomos apelidados de Academia pelos “alunos”. Quem bem definiu o que é Academia foi jornalista Thomaz Mazzoni: “É o time que joga mais bonito, que dita cátedra e ensina o jogo da bola”. Nós fizemos escola. Demos aula de bola. E um banho de futebol nos uruguaios naquele amistoso de sete de setembro.
ANGELO – Por que o Palmeiras jogou com a camisa amarela da Seleção?
NB – Nosso calendário nunca foi o ideal. A CBD, nome antigo da atual CBF, era uma bagunça. Marcava amistosos e não se preocupava com quem jogaria pelo Brasil. Como a coisa foi meio que em cima da hora, para não fazer feio, resolveram chamar para representar a Seleção o melhor time do país. Campeão do Rio-São Paulo em 23 de maio de 1965. De modo irrepreensível. E antecipado.
JC – Fizeram de modo oficial e correto. Chamaram todo o time, e a comissão técnica, com o Vicente Feola como coordenador.
FG – O governador de Minas Gerais, que daria depois o nome ao estádio (Magalhães Pinto), era torcedor do Palmeiras. E confesso fã do Djalma Santos, com quem ele tirou várias fotos na véspera do jogo.
NB – Aquela tarde ensolarada de terça-feira no Mineirão foi toda nossa. Dos 17 jogadores que entraram em campo, apenas três só jogaram aquela partida pela Seleção – Ferrari, Dario e Tupãzinho. Os demais, todos já haviam atuado. Ou viriam a atuar mais vezes pelo Brasil. Só não teve mais gente boa escalada por que uma das novas contratações não pôde jogar por ser… uruguaio. O ótimo goleiro Maidana não poderia atuar contra seu país jogando pelo Brasil.
JEF – Só não jogaram os outros três mais vezes pela Seleção por que concorrência era feroz naqueles anos de ouro do futebol brasileiro. Mas o Tupãzinho merecia mais oportunidades na Seleção.
JC – Valdir; Djalma Santos, Djalma Dias, Valdemar Carabina e Ferrari; Dudu e Ademir da Guia; Julinho, Servílio, Tupãzinho e Rinaldo. Que time! A primeira Academia!
NB – Valdir era um goleiro notável, de colocação, segurança e tranquilidade que não cabiam em apenas 1,72 m; Djalma Santos fazia a sua partida 90 pelo Brasil como se fosse a mesma, sempre regular; o capitão Valdemar Carabina espanava a área; o hábil Djalma Dias (pai do ainda mais genial Djalminha) limpava e brilhava o jogo – e depois jogaria pela Seleção com aquele time do Galo, em 1968; o veloz ex-ponta-esquerda Ferrari completava a defesa pela qual ninguém passava. Djalma avançava, mas sem desguarnecer a lateral direita. O incansável “vovô” e volante Dudu o cobria quando necessário; mais rápido, Ferrari também gostava de atacar pela esquerda, até por ter sido ponta, no Guarani. Se Julinho caía por dentro, na diagonal, Djalma aproveitava (sem ir ao fundo). Ferrari também tinha espaço para se projetar, já que o ponta-esquerda Rinaldo gostava de fechar, sabia armar e batia muito bem na bola. Só não era meia porque o 10 era Ademir da Guia.
JC – Quando avançava, Djalma Santos trabalhava com Julinho, até pelo entrosamento dos tempos de Portuguesa. Ele não atropelava o ponta-direita. Sabia a hora. Conhecia o espaço. Dudu e Ademir compunham o meio-campo histórico. Servílio os ajudava sem a bola e se aproximava do centroavante (Tupãzinho ou Ademar Pantera) quando o time saía para o jogo. Era um 4-3-3 que se transformava em 4-2-4 com a bola.
NB – O entrosamento perfeito da equipe também se deu pelo trabalho de Filpo Núñez, o condutor da Primeira Academia. O Valdir Joaquim de Moraes explica: “Ele era muito bom treinador. Sabia tudo. Conhecia o futebol, e a alma dos jogadores. Ele falava muito com a gente. E também ouvia”.
FG – O Djalma Santos disse que aquele foi o melhor time em que ele atuou: “Tínhamos bons jogadores em um grupo unido, valente, sem estrelismo. Todo mundo perdia, todo mundo ganhava. Funcionava assim. E por isso funcionava”.
JEF – O Djalma Santos foi bi mundial. O Julinho só não foi também por que não quis (em 1958) e por que se machucou (em 1962). Ademir deveria ter disputado pelo menos mais uma Copa. Como Dudu, Servílio e Valdir. Djalma Dias foi titular nas Eliminatórias para a Copa de 1970. Para Carlos Bilardo, treinador campeão mundial pela Argentina em 1986, o melhor jogador brasileiro que ele enfrentou foi o Tupãzinho.
NB – E ainda entraram o Zequinha (campeão mundial em 1962), Picasso, Ademar Pantera, Dario, Procópio, Germano, só fera. Só o Santo não jogou. Ficou no banco.
JC – Foi um massacre. Aquele time era imensamente técnico, mas também rápido. Um pouco menos veloz sem a presença do Gildo (que por aqueles dias não vivia boa fase técnica), que, em 7 de março, contra o Vasco, pelo Rio-São Paulo, no Maracanã, marcara um gol com sete segundos, na saída de bola. Lance bem ensaiado pelo treinador.
NB – Grande figura, excelente técnico o Filpo. Personagem folclórico que só não conquistou mais no futebol por ser uma figura da noite e de altas histórias. Um dos maiores treinadores de nossa história.
FG – Desde 1914, o único estrangeiro que dirigiu a Seleção Brasileira.
NB – Embora a primeira Academia se dirigia e desgovernava os rivais sozinha.
FG – Mas ele foi muito importante, o Filpo!
NB – Claro. Foi com ele que o time se ajustou taticamente, com o Dudu saindo menos para o jogo, protegendo mais a zaga. Com o Servílio mais recuado, quase saindo do 4-2-4 da época para um 4-3-3. As várias jogadas ensaiadas eram méritos do Filpo, que fazia um excelente ambiente no vestiário.
JEF – Também ele se motivou muito com a honra de dirigir o Brasil. Ainda mais contra o Uruguai.
NB – Ainda pairava o fantasma de 1950. Eram apenas 15 anos do Maracanazo de 16 de julho. Mas o Palmeiras, como havia feito na Copa Rio de 1951, tratou os pavores com futebol.
JC – Desde o início do jogo. O Servílio quase abriu o placar aos dois minutos, de cabeça, em um cruzamento do Julinho.
JEF – Elegante, grande cabeceador e goleador, Servílio é o nosso quinto maior artilheiro com 140 gols. Era outro jogador que dava um pé no meio-campo para desafogar o Ademir.
NB – Rinaldo quase fez o primeiro gol no estádio Minas Gerais aos seis minutos, em um habitual tiro fortíssimo que raspou a trave.
JC – O Brasil, opa, o Palmeiras era muito técnico. Aos 10, Servílio e Tupãzinho fizeram uma tabela sensacional, mas desperdiçaram a chance. Era um time hábil e também inteligente. Sabia como transpor uma zaga pesada, para não dizer viril.
NB – Aos 25, Julinho avançou pela direita como bólido que ainda era, mesmo em final de carreira, e cruzou. O zagueiro Cincunegui se atrapalhou e cometeu um pênalti bem discutível, enfiando a mão na bola. O Rinaldo encheu o pé e fez 1 a 0.
FG – Continuamos pressionando. E os uruguaios, reclamando…
NB – No segundo gol, aos 35 do primeiro tempo, depois de lance do Rinaldo, o Tupãzinho caiu sobre a bola e a tocou com o braço. Não foi falta. Ele seguiu no lance e fez dois a zero. Gol normal.
JC – Anormal, mesmo, foi o árbitro Eunápio de Queiroz não marcar um pênalti no Ademir, no final do primeiro tempo. Sem contar, um pouco antes, outro lance que poderia ter sido pênalti no Rinaldo.
JEF – No segundo tempo, o Filpo fez três mexidas. Sacou nosso grande capitão Carabina, que não estava 100% fisicamente, e que fora escalado mais como homenagem que pela condição naquele momento, e colocou o Procópio, zagueiro duro, mas muito bom – tanto que vinha sendo o titular da equipe. O imenso Zequinha substituiu o Dudu e o Germano foi jogar na ponta direita no lugar do Julinho – outro que também entrara como titular como uma espécie de homenagem pela carreira maravilhosa.
FG – Continuamos dominando o jogo mesmo com as mexidas. O nosso time era muito bom. Eles quase diminuíram aos 17, quando o ponta Morales só não fez por que Djalma Dias, com a categoria que Deus deu a ele…
JC – E ao filho Djalminha, nosso craque de 1995 a 1997…
NB – Djalma limpou a área e afastou o perigo. Ele foi um dos mais técnicos zagueiros do Brasil. E um dos 50 melhores defensores do Palmeiras…
JC – Cinquenta!? Creio que, entre os centrais, nos últimos 50 anos, ele só não ganha do Luís Pereira.
ANGELO – Que marra, hein, Nonno?
NB – É como aquela piada de argentino: para eles, Maradona foi o maior jogador do mundo. E um dos melhores da Argentina…
ANGELO – Não vem, não, Nonno! Brasileiro é tão ou mais marrento no futebol que argentino.
NB – Concordo. Ainda mais quando o brasileiro lembra de times como aquele. Um Palmeiras que jogava e pouco deixava o rival jogar. Tanto que, por aquelas semanas, o time viveu uma série de nove partidas sem sofrer gols. Aquele jogo foi o quarto da série invicta.
JC – O Mineirão se animou aos 18 do segundo tempo, quando entrou o atacante mineiro Dario.
NB – Na final antecipada do Rio-São Paulo de 1965, um clássico 3 a 0 contra o Botafogo, no Pacaembu, ele fez um golaço de sem-pulo, depois de uma colherinha fantástica do Ademir da Guia.
ANGELO – Já vi esse gol no youtube!
NB –É lindo mesmo. Como foi também nosso terceiro gol, aos 25. O Germano chutou bem de longe, de fora da área, surpreendendo o goleiro Bogni. Três a zero.
JEF – Só não foi mais por que houve aquela relaxada. Mesmo com a boa entrada do Ademar Pantera. Um centroavante que valia quanto pesava. Mesmo acima do peso, jogava muito, e quase fez o quarto gol.
NB – O grande time é aquele que faz um 3 a 0 no Uruguai com enorme tranquilidade. Se os rivais chegaram a Belo Horizonte na véspera e mal tiveram tempo para treinar, o Palmeiras, opa, o Brasil vinha também em ritmo de maratona. Também por isso não precisou nem jogar o muito que sabia. Servílio esteve abaixo de seu grande nível. Até Ademir não brilhou como de costume.
JC – E mesmo assim fizemos 3 a 0. As bolas mal chegaram a Valdir e Picasso.
NB – Também por que Dudu e depois Zequinha não deixavam. Quando passavam pelos nossos volantes, Carabina (depois Procópio) e Djalma Dias garantiam a bronca, bem auxiliados pelos laterais.
JEF – O Djalma Santos anulou tanto o Esparrago quanto o Morales, dois atacantes de ótimo nível.
FG – Desde 1949, o 3 a 0 no Mineirão foi o melhor resultado da Seleção contra o Uruguai.
JC – A imprensa paulista fez questão de enfatizar que era mais uma vitória do Palmeiras que do Brasil. Os principais jornais colocaram como manchetes que o “Palmeiras” fizera 3 a 0. Não o “Brasil”. Mas o fato é que o troféu conquistado pela CBD (não pelo Palmeiras) ficou na administração do Mineirão até 1988, quando o clube o requisitou.
JEF – Os 18 milhões de cruzeiros de prêmio ficaram desde 1965 nos cofres do clube.
NB – O amistoso contra o Uruguai coroou meses magníficos naquele ano. No Rio-São Paulo, ganhamos 12 dos 16 jogos. Perdemos apenas um. Fizemos 49 gols. Mais que o dobro do vice-campeão. Enfiamos 7 a 1 nos reservas do Santos. Duas goleadas por 4 a 1 no Maracanã (contra Vasco e Flamengo), fora o 5 a 3 no Botafogo, e o 3 a 0 na decisão antecipada, em São Paulo. Sem contar a nossa maior goleada contra o São Paulo: 5 a 0, no Pacaembu, em 19 de maio.
ANGELO – A Academia foi um nome perfeito.
NB – Não. Perfeito foi o Palmeiras.
ANGELO – Não foi. É.