Roger Machado é considerado, entre os treinadores, o melhor técnico da nova geração do país. Discípulo de Tite e observador de Guardiola, o atual comandante do Palmeiras foge da curva não apenas pela qualidade de seu trabalho, mas também por conta do seu diferente estilo na troca de informações com torcedores e jornalistas. Roger faz questão de responder detalhadamente perguntas sobre o que quer ver do seu time ou de um jogador dentro de campo, além de raramente fechar os treinamentos que comanda.
Depois de uma longa participação nos estúdios do Jogando em Casa, no Esporte Interativo, Roger Machado ainda se dispôs a conversar comigo sobre a mudança na cultura dos debates sobre futebol no Brasil, seja na televisão ou na arquibancada, que podem acontecer se outros profissionais adotarem postura parecida com a sua. A lição que fica é simples, mas importante: “O segredo é dividir para multiplicar”.
Confira a entrevista exclusiva abaixo na íntegra
Rodrigo Fragoso – Durante suas entrevistas coletivas, é possível perceber que você não foge das perguntas sobre o que quer ver do time no campo e justifica acertos ou erros de forma detalhada, até mesmo didática, usando a linguagem do futebol que exige atenção, mas esclarece decisões e justifica erros ou acertos. Muitos outros técnicos optam por não aprofundar argumentos como você aprofunda e até mesmo não responder direito as perguntas. Você faz isso para elevar o nível de debate sobre o seu trabalho?
Roger Machado – “Em algum momento no meu início, recebi críticas de que não deveria falar de forma mais didática, porque as pessoas talvez não entendessem. Pelo contrário, quanto mais você passa a informação, talvez num primeiro momento não haja a compreensão, mas a repetição dela vai trazer um conhecimento e será passada uma informação mais adequada. Eu acho que talvez isso tenha sido um dos grandes problemas da nossa profissão. A gente entendeu que em alguns momentos o segredo do sucesso era esconder, mas eu acredito que o segredo do sucesso é a gente compartilhar. Melhorar o nível da informação e do conhecimento. Agora, nesses cursos da CBF, em dois anos, tive o contato com mais de 100 profissionais de todas as divisões do campeonato, e o maior momento de riqueza foi o momento em que tu tinhas que, em uma atividade, dividido em grupo de cinco profissionais, formular ideias e treinamentos em cima do que era proposto pelo professor. Foi muito rico esse processo. Então para mim, o sucesso é dividir pra multiplicar”.
Rodrigo Fragoso – Muitos técnicos fecham para a imprensa todas as atividades que realizam nos centros de treinamento. Muitos liberam apenas os 15 minutos finais, quando já não há mais atividades táticas acontecendo. Você libera todos os seus treinamentos para que a imprensa acompanhe e avalie. Por qual motivo você faz isso? Alguns dizem que você pode estar dando armas para o adversário!
Roger Machado – “Quando houver necessidade, numa véspera de jogo, a gente pode fechar um treino, como eu faço, para montar a estratégia específica do jogo. Porém é um dever nosso mostrar o que a gente está fazendo, porque o torcedor precisa saber no que estamos trabalhando, até para depois ele poder se certificar se aquilo que tá acontecendo no treinamento vai pro jogo! É uma responsabilidade nossa. Muitas vezes a gente reclama do fluxo de informação da imprensa e do torcedor, mas nos esquecemos que muito do alimento que o torcedor recebe deve ser nosso. Se não damos esse alimento, o jornalista vai ter que procurar em outro lugar e talvez pelo desconhecimento, pode ser que ele não passe a melhor informação. Então, é melhor eu passar a melhor informação, da melhor forma, para chegar em quem tem que chegar”.
Rodrigo Fragoso – Esse estilo transparente pode elevar o nível do debate do futebol brasileiro? Os programas esportivos poderão aprofundar mais o conteúdo do debate e, muitas vezes, deixar de lado algumas polêmicas consideradas vazias do ponto de vista técnico e tático?
Roger Machado – “Acho que sim. O futebol é um fenômeno que você pode explicar. Só analisar porque perdeu ou porque ganhou é muito simplista. Acontece muita coisa dentro do campo. É um enfrentamento de sistemas que me remete muito a uma batalha. E cada batalha tem seu estrategista. Essas estratégias diferem e aí está a riqueza do debate. É identificar o que cada profissional quer do seu time dentro do campo. Isso, sim, vai melhorar muito o debate sobre futebol”.