É curioso como a vida muda em frações de segundos, e em circunstâncias que a gente menos imagina. Sempre preocupados com a qualidade de vida, minha mulher (empresária de 33 anos) e eu fazíamos musculação todos os dias em uma academia no centro de Ferraz de Vasconcelos, cidade de São Paulo em que vivo desde que nasci.
Apesar de não morarmos longe, a gente ia sempre de carro. Um Voyage prata. Quando acabava o treino, seguíamos até o Parque Max Feffer, em Suzano. A viagem durava uns 10 minutos. Lá, corríamos 10 quilômetros todas as noites. Vivemos essa rotina por sete anos, e pretendíamos mantê-la por muitos e muitos mais.
Mas… a noite de 28 de janeiro de 2016 mudou tudo.
Assim como fazíamos diariamente, fomos de carro à academia. Naquele dia, a minha esposa foi dirigindo. Quando estacionou, me lembro bem, o relógio marcava 19h50. O dia ainda estava claro, por causa do horário de verão.
No instante em que descemos, apareceram dois homens. Dois desconhecidos que marcariam a minha para sempre. Eles se aproximaram e anunciaram o assalto. Queriam o Voyage. Na hora, não pensei em nada. Só reagi. Não vi que um deles estava armado. Só percebi isso quando um tiro me atingiu a poucos centímetros do coração.
Tão rápido quanto os marginais fugiam a pé, a bala perfurava o meu pulmão, diafragma, estomago até se alojar na lombar. Ao cair, não senti as minhas pernas. Pensei: ‘Já era. A minha vida acabou e eu só tenho 31 anos’.
Do meu lado, desesperada, a minha esposa assistia a tudo. O pessoal da academia correu para me ajudar. Fui levado para o Hospital Metropolitano, na Lapa, perto do Palmeiras.
Lá fiquei um tempão. Foram 55 dias internados e três cirurgias. Pouco mais de uma semana depois da tragédia, os médicos revelaram o temido diagnóstico: ‘Ronaldo, você está paraplégico’, disse um deles.
Confesso que não me desesperei, não. A minha única alternativa, a partir daquelas palavras, era levantar a cabeça e continuar a vida. Não podia fraquejar, porque outras pessoas precisavam de mim. Inclusive o meu filho, que não época tinha apenas 10 anos.
Perto de completar dois meses dentro daquele quarto de hospital, recebi alta. Em casa, tive que me acostumar a nova realidade de vida, e o futebol foi a minha válvula de escape. Palmeirense desde que nasci, os jogos do Palmeiras transformaram-se no meu melhor analgésico, porque a minha adrenalina subia durante as partidas e eu parava de sentir dor. E não sentir dor, naquele período de recuperação, era maravilhoso.
Enquanto eu me adaptava à vida de cadeirante, o Palmeiras tentava se acostumar à vida sem Fernando Prass. Machucado, o herói na conquista da Copa do Brasil de 2015 não jogaria mais naquele ano. E, em seu lugar, Vagner foi o escolhido. Mas ele não correspondeu. A vaga, então, caiu no colo do terceiro e desconhecido goleiro: Jaílson era o nome dele.
Eu não imaginava, mas aquela decisão do técnico Cuca teria reflexos diretos na minha vida.
Até porque, sempre gostei de ser o goleiro no futebol com os amigos. Os meus maiores ídolos são Sérgio, Velloso e, é claro, o Marcão. Quando vi o Jaílson jogar fiquei impressionado com o quanto se dedicava. Parecia um torcedor defendendo a meta palmeirense. Dias depois, tive essa certeza.
Em entrevista a um canal de televisão, o jornalista perguntou sobre o que o Palmeiras representava na vida dele, e, simultaneamente, respondemos: ‘Paixão’. Me identifiquei com aquele cara, e naquele dia comecei a segui-lo no Instagram.
Sem pretensões, mandei uma mensagem elogiando uma de suas atuações. Foi aí que a identificação transformou-se em admiração. Mesmo sem me conhecer, ele respondeu e agradeceu as palavras.
Aquela simples mensagem, não demorou, e virou conversas diárias. Descobrimos, por exemplo, que éramos dois devotos de Nossa Senhora Aparecida. Só falei sobre o que tinha me acontecido uns dez dias depois de já estarmos nos falando. Ele ficou surpreso por tratar-se de algo recente e pediu para lhe fazer uma visita na Academia de Futebol. Aceitei o convite na hora.
Ao nos apresentarmos, ele me deu uma camisa autografada e sugeriu que fizesse uma rifa para comprar uma cadeira de rodas mais moderna. E ele tinha razão. A minha pesava 15 quilos e me impossibilitava de fazer várias coisas no dia a dia. Segui aquele conselho e fiz a tal rifa. O resultado foi sensacional. Arrecadei dinheiro suficiente para comprar uma cadeira mais curta, de apenas 5 quilos, que me permite ter muito mais autonomia. E o melhor: ela é toda verde, da cor do Palmeiras.
Se ainda temos contato? Todos os dias! Conversamos sempre pelo WhatsApp. Antes dos jogos mando mensagens desejando boa sorte, e ele sempre pergunta como estão as coisas na vida e com a família. O Jaílson é um amigo que fiz em circunstâncias que não imaginava.
Não por causa da camisa autografada que muito me ajudou, mas sim pela humildade e simplicidade, posso afirmar que é impossível alguém ter antipatia pelo Pantera Negra.
Quando me perguntam se tenho algum sonho na vida, respondo que sim. Dois, na verdade: o primeiro é ter qualidade de vida, o segundo… é ver o Palmeiras ser campeão do mundo, contra o Real Madrid, com o Jaílson pegando um pênalti do Cristiano Ronaldo.
Por toda a persistência que teve ao longo carreira e por toda a atenção e apoio que me deu, e ainda dá, ele merece uma conquista grandiosa que o coloque num patamar só dele dentro do Clube.