Opinião

Fala de Abel sobre saúde mental é alerta para nós, que vivemos o futebol como se fosse nossa vida

Cada dia mais rude e ríspido, o mundo do esporte se torna um risco diário a quem faz parte dele

O técnico Abel Ferreira, da SE Palmeiras, durante treinamento, na Academia de Futebol. (Foto: Cesar Greco/Palmeiras/by Canon)
O técnico Abel Ferreira, da SE Palmeiras, durante treinamento, na Academia de Futebol. (Foto: Cesar Greco/Palmeiras/by Canon)

Logo após vencer o Athletico por 1 a 0 e igualar a pontuação do líder Botafogo, Abel Ferreira aproveitou a coletiva de imprensa para tratar sobre saúde mental e sobre o desgaste causado pelo futebol. Entre outras coisas, o treinador revelou conviver com problemas físicos e psicológicos e que a rotina do Brasil não oferece saúde a ninguém.

– Não imaginava que treinar na América do Sul seria tão desgastante, mas imaginava que iria treinar um clube grande. Fiz muitos exames ao longo desses três anos. Tive períodos difíceis, de saúde mesmo, física e mental. Por isso resta a mim pensar o que eu quero. O futebol não dá saúde a ninguém. Alguma coisa vai ter que mudar.

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Adiciono, humildemente, essa mesma realidade para nós, que vivemos o futebol como se ele fosse a nossa vida. Fomos criados sob a realidade de que esse esporte deve estar acima do bem e do mal, acima dos outros compromissos, acima de quaisquer distrações – e que vencer é nossa obrigação eterna.

Crescemos e absorvemos toda essa verdade, a impaciência com a falha, a insatisfação com qualquer coisa que não seja vencer, e a estranha violência gerada pela frustração. De lado a lado, desenvolvemos tanto asco pelo insucesso que só aprendemos a combatê-lo com violência. Se perdemos, pedimos demissões, expulsões, convocamos brigas e depreciamos sem piedade.

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Acima de tudo, somos todos vítimas de uma cultura que é inquestionavelmente forte, poderosa, consistente e duríssima de ser mudada. Seja no campo, seja na comissão técnica, ou em nós, da imprensa ou da bancada, presenciamos, protagonizamos e vivenciamos ataques pesados, de discordâncias sem compreensão. Vocês percebem que esse próprio texto pode ser rebatido com xingamento?

Não acho que vamos mudar tão cedo – talvez nunca, mas os alertas levantados por Abel apontam para uma pesada e dolorida rotina, que vai vitimar muita gente. Eu pensei muito em não escrever mais sobre futebol, como treinadores pensam em parar, como torcedores tem receio de seguir sentindo amor pelo esporte. É arriscado pra todos nós.

Se for possível, se a gente conseguir, que o futuro possa ser menos ríspido e perigoso.