Luiz Andreassa, palmeirense e jornalista
Conforme a temporada 2024 termina de forma frustrante, nós palmeirenses temos a chance de fazer uma autoavaliação sobre o estado atual de nossa própria torcida. Na verdade, é algo que já temos feito nas redes sociais, só que na forma de conflito. As derrotas mais dolorosas têm gerado discussões entre dois grupos: os defensores de Abel Ferreira e do atual elenco; e os mais impacientes e críticos, incluindo os famosos amendoins. A minha proposta é fazer essa reflexão com a cabeça fria, fora do campo de batalha das redes.
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Como sabemos, o modo de ser palmeirense sempre foi desconfiado. Espírito forjado por dois longos períodos (1976-1993 e 2002-2014) de seca de títulos e times que testavam nosso amor ao clube. A desconfiança virou uma aversão à arrogância, principalmente para se opor aos torcedores de dois rivais que chegaram ao cume da prepotência: os são-paulinos do “soberano” dos anos 2000 e os flamenguistas do “malvadão” pós-2019. Além disso, a traumática perda do Brasileiro de 2009 nos tornou ainda mais avessos a qualquer declaração de vitória antecipada.
Acontece que essas características, mesmo que transmitidas de uma geração à outra, são sempre influenciadas pelo que acontece no presente. Qualquer torcida se modifica durante períodos extremos, seja de vexames ou de glórias. Nós também mudamos a partir do início da atual fase vitoriosa, em 2015, e ainda mais depois da chegada de Abel e sua comissão. Podemos manter o discurso sóbrio e uma humildade mais ou menos espontânea, mas não somos os mesmos de 15 anos atrás.
E como somos agora? Nos tornamos mimados que esqueceram os anos de sofrimento e só aceitam títulos grandes? Estamos mal-acostumados com os triunfos recentes? Ou somente manifestamos nossa tradicional alta exigência?
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Qualquer tentativa de definir o estado de ânimo de 16 milhões de pessoas está condenada ao fracasso. Porém, sabemos que nenhum palmeirense está contente com “apenas” o título do Campeonato Paulista. O sentimento é de que poderíamos ter conquistado troféus mais relevantes. Motivos não faltam: o trabalho da comissão técnica é longo e consolidado, a situação financeira nunca esteve melhor, temos em Estevão um dos melhores jogadores (se não o melhor) em atividade no Brasil e o elenco foi reforçado com nomes de peso.
A expectativa nas alturas constrastou com atuações decepcionantes e resultados negativos em quase todas as grandes decisões de 2024. Perda da Supercopa nos pênaltis, eliminações precoces da Libertadores e da Copa do Brasil e, agora, um Campeonato Brasileiro que escorre entre os dedos justamente por uma derrota incontestável dentro de casa para o Botafogo.
Esses desfechos talvez não causassem tanta revolta se não fossem os erros claros de Abel Ferreira e sua comissão. Entre eles, a insistência em jogadores já desgastados (sendo Rony e Marcos Rocha os mais óbvios), a dependência excessiva de Estevão e o subaproveitamento de alguns reforços. Mesmo a figura simpática e professoral de Abel ganhou em antipatia em sua versão mais arrogante e explosiva de 2024.
A impressão de muitos palmeirenses é de que só não tivemos um ano melhor por culpa do próprio Palmeiras. Esse, sim, é um engano que beira a arrogância e que me lembra do que acontece com a Seleção Brasileira: a ideia obsessiva de que não vencer a Copa do Mundo é um fracasso estrondoso, possível apenas porque o técnico foi incompetente ou os jogadores não tiveram vontade o bastante. Não interessa que houvesse adversários mais preparados e simplesmente melhores pela frente. Acusações desse tipo rondaram as alamedas do Allianz Parque ao longo de 2024 e não nos permitiram enxergar com clareza o que aconteceu.
Por isso, procuro me afastar daquele tipo de frustração que impede análises mais amplas e racionais. Não perdemos os principais campeonatos por falta de determinação do elenco ou pura incapacidade de Abel e Cia. Caímos em dois deles diante do melhor time do Brasil no ano. Houve erros próprios, é claro, como escalações questionáveis e ineficácia nas finalizações, mas eles não podem nos impedir de reconhecer o mérito dos adversários. Por mais que a autossabotagem seja parte da tradição política palestrina, ela não explica tudo. Sempre é preciso colocar na conta os adversários, por óbvio que seja, ainda mais agora, quando tantos deles têm poder de compra crescente.
Fatores externos e internos não são contraditórios. O fracasso, se é que uma temporada com um título estadual pode ser definida assim, aconteceu por motivos variados, assim como os anos de sonhos de 2020 e 2023 também foram multifatoriais. Entender cada um deles não é ser condescendente com as derrotas. É aquilo que podemos fazer para tirar aprendizados de uma jornada infeliz – ou menos feliz que as outras, se preferirem.
Respondendo à pergunta que coloquei no título, não acredito que somos mimados. Mal-acostumados? Um pouco. Exigentes? Sempre! Mas tenhamos um pouco de parcimônia, por mais difícil que seja depois da quarta decepção do ano. Abel Ferreira pode ser criticado como qualquer outro, afinal, ele não é maior que o Palmeiras. Mas tampouco é o Professor Pardal incapaz que muitos pintam em comentários mais ácidos. O elenco está mais velho e precisa de renovação, porém, esses mesmos jogadores já mostraram que podem reagir e alcançar novas conquistas. A relação da torcida com comissão técnica e atletas está desgastada, mas nada impede que aquela velha sintonia retorne em 2025.
Saibamos reconhecer o valor dos adversários e tomemos o vitorioso Botafogo de 2024 como exemplo: se eles conseguiram se reconstruir depois da hecatombe que os causamos no ano passado, nós também podemos. Para isso, será preciso que a diretoria entenda a magnitude da participação no novo Mundial e contrate reforços decisivos (principalmente um camisa 9!); e que voltemos a jogar junto do time – sem dar uma de mimados, coisa que nem sabemos ser. Somos exigentes, mas a exigência é diretamente proporcional ao nosso amor pelo Palmeiras.