Opinião

Mauro Beting: A partida do pai

Foto: Acervo pessoal
Foto: Acervo pessoal

João Paulo Faria tinha 9 anos quando com o pai foi em cima da hora ver o Palmeiras no lotado Palestra… Para perder absurdamente para o XV de Jaú e oficialmente viver então a sua maior fila de títulos, no SP-85…

Encharcados pela tromba d’água e pelas lágrimas pela derrota inesperada por 3 a 2, seu João comprou para o filho uma camisa do maior craque alviverde naqueles anos de chumbo e choro– Jorginho Putinatti. Quando voltaram ao Chevette marrom, ele estava tão encharcado quanto eles. O vidro tinha sido quebrado e o Motorádio, levado. O pai do João mandou o filho ficar no banco de trás (o que não era obrigatório…) e resolveu inventar um outro final de jogo, como se estivesse narrando no rádio furtado. Nele, o Palmeiras vencia pelo mesmo 3 a 2. Com gol de falta de Jorginho inventado pelo pai.

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Aquela vitória que só existiu na cabeça e do coração de Seu Jones para sempre ficou na alma do filho João Paulo.

Quase 36 anos depois, neste 26 de março, logo depois do empate contra o São Bento em Volta Redonda, o seu Jones partiu. Covid. Como em 2012, uma semana depois de um empate no mesmo local que rebaixou o Palmeiras no BR-12, o meu pai teve a consciência rebaixada por um AVC que o levaria quatro dias depois.

Uma semana antes do Dérbi em Itaquera que classificou o Nosso Palestra para a final do SP-21, João Paulo Faria sonhou com o pai pela primeira vez.

E escreveu o texto abaixo:

“E o palmeirense João (Seu Jones para os amigos) se foi. Quando da notícia, toda a sua família acreditava que ele seria um palmeirense que ganharia a QUÁDRUPLA COROA com a vitória sobre a doença. Infelizmente, Deus não quis assim. Ele se foi para o lado de Dele.
Para ele era isso. Família e Palmeiras. E era tudo a mesma coisa para ele. Se era Palmeiras, era família. E vice-versa.
Ele partiu desse mundo levando sua corneta passa-pano como um dom, uma marca tão palestrina e comum a nós. Xingava e elogiava na mesma frase ou no mesmo minuto. Era incrível ver jogo ao lado do meu pai.
Ele estava nesse mundo, mas foi deixando de ser daqui. Nesse mundo intransigente, beligerante e confuso onde se briga por tudo, pelo amarelo contra o azul, ele preferia ser VERDE.
Todos eram verdes para ele. Era desses que sentado na antiga bancada do velho Palestra conseguia fazer um amigo no tempo normal do jogo. Algo tão raro hoje em dia em que todos buscam heróis e vilões unifacetados e inflexíveis nos seus acertos e erros.
Não há culpados, exceto a doença. Não há heróis, exceto os profissionais da saúde e Deus.
Disso tudo, o pior, fora a dor da sua partida, é ver que diante de um milhão de narrativas, quase nenhuma acertada, é a sensação da dúvida que tanto diz que me diz traz.; a falsa ideia de que “falhei”. não protegi meu Ademir da Guia como o seu amigo Dudu faria.
Não façam isso com ninguém mais.
Respeitem.
Não tenham perguntas ou opiniões capciosas diante de tanta dor e impotência que essa doença traz para os doentes e sua família.
Protejam-se e aos seus. Escutem mais e debatam menos. Cornetem menos. Empatizem mais. Está todo mundo precisando.
Obrigado, amigos.
Meu pai está no céu. Foi um grande ser humano, um batedor de pênalti igual Evair, cabeceava como Leivinha (nos tempos de várzea), um grande contador de histórias e o melhor amigo de quem pôde tê-lo como amigo. Um pai e palmeirense para a Eternidade”.

Lindas palavras do filho. Como as da última vez que conseguiu falar com o pai. Foi 12 dias antes da partida, seis dias antes do aniversário de 72 anos dele: “2 a 0. Gol do Papagaio”. O no final do jogo contra a Ferroviária, no Allianz Parque. Foi a última vez que o filho falou com o pai. Falou de um gol no fim do Palmeiras. Sempre o começo de tudo.

O último Dérbi que viram juntos foi o 4 a 0 no Allianz Parque, em janeiro. O 2 a 2 em Itaquera no começo do SP-21 não puderam ver. 0 2 a 0 na semifinal foi o primeiro que eles sentiram juntos.

“O Palmeiras era a cura dos nossos males. Tinha que ser o motivo da nossa última conversa um gol do Papagaio… Uma vez fomos brigados ao Allianz. Coisa de família. Fomos mudos até entrar no estádio. Fizemos as pazes no portão. Era isso. O milagre do Palmeiras. Ninguém pediu desculpas. O Palmeiras nos bastava. E o jogo foi outro milagre palmeirense. O Prass catou tudo e ganhamos sem saber como do Rosário, por 2 a 0, na Libertadores de 2016”.

Eu não falei para o meu pai em 2012 que o Palmeiras havia sido rebaixado. Mas imagino que ele soubesse, 10 dias antes de partir.

O João Paulo não conseguiu falar para o Seu Jones que o time de Abel venceu de novo em Itaquera.

Mas como naquele diz de paz entre pai e filho no Allianz em 2016, não é preciso dizer nada. Só torcer por todo o nosso Palmeiras.

Naquele dia de milagres, Prass fez tudo e muito mais. Como a filha do João Dalberto, a Daniela, fez de tudo e muito mais no hospital pelo pai e por tantos filhos que Deus chamou.

Ele sabe.

Ela precisa saber: e, desta vez, o pai e o irmão precisam fazer outro “milagre” para dizer mais uma vez para ela e para todos sem palavras que o amor, como o Palmeiras, vence tudo. Vence todos. E nos faz ganhar sempre.

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