Como muitos dos meus leitores, sou palmeirense desde que me entendo por gente. Herdei essa paixão do meu pai, mas ele não imaginava que eu iria ultrapassá-lo no quesito paixão com tanta intensidade. Ele também não é tão presente na minha vida, já que se separou da minha mãe e acabou voltando para sua cidade natal, enquanto eu continuei com a minha mãe e minha irmã. Já são 16 anos sem nossa convivência e a verdade é que ele conhece bem pouco do seu filho e muitas vezes o Palmeiras é o único elo que nos une. Acho que hoje ele já não é tão torcedor assíduo como eu, acompanha pouco e muitas vezes se perde nas datas de jogos, nome de jogadores e sobre o canal que irá rolar as transmissões das partidas. Uma coisa eu sei: Em cada grande vitória ele lembra primeiro do filho. Me liga ou manda mensagem para dividir o momento e talvez amenizar um pouco a ausência. Se ele tenta celebrar comigo vitorias, não posso dizer o mesmo das derrotas… e foram tantas que aguentei sozinho.
Costumo dizer que o meu “palmeirismo” foi forjado no purgatório, pagando as maiores penas possíveis por pecados que eu não tinha cometido (sabemos quem, certos mustafás e tirones que profanaram o Palestra Itália). Não bastava não vencer, o Palmeiras descia até o quinto, ops, ou melhor até a “segunda” dos infernos, mas lá estava eu. Nunca, nunquinha, me esquivei. Em dezembro de 2012 o trouxa estava comprando mais uma camisa nova, logo após mais um rebaixamento.
O purgatório palmeirense tinha lapsos de inferno com o diabo cutucando através das conquistas dos rivais. As outras torcidas colecionavam títulos e eu colecionava alguns jornais de vitórias em clássicos que eu celebrava como se fossem títulos. Às vezes nós sentíamos um gostinho do céu, foi assim em 2008 com o título Paulista, mas sem nunca deixar o sonho da “América”. Como esquecer aquele jogo no Chile com o golaço de Cleiton Xavier ou com São Marcos realizando mais um milagre na “cova dos leões” da Ilha do Retiro? No mesmo período os três rivais do Estado conquistaram mais títulos e o Palmeiras tinha dificuldades de vencer o torneio, teoricamente, mais fácil do continente. Sim, estou falando da Sul-Americana 2010 e aquela derrota no Pacaembu para o já rebaixado Goiás. Por que o Palmeiras não? E quando foi, como em 2012, porque um preço tão alto?
Bons ventos retornaram ao Palestra Itália. Estádio novo, uma gestão cada vez mais profissional, reformulação do elenco e na estrutura do clube. Ah, mas não é tão fácil assim sair do purgatório, e como estamos falando de Palmeiras, foi preciso ficar por um fio do inferno novamente em 2014 para que as portas do Paraíso pudessem brilhar novamente. Copa do Brasil, Brasileirão e Paulista marcavam a redenção de um clube que tanto maltratou o seu torcedor. Estava bom? Sim, mas era preciso mais um passo. A obsessão, o sonho de reconquistar a América. E o clube se reforçou ainda mais nos últimos quatro anos para busca-la e tentou por diversos caminhos: Treinador raçudo, com novato, repatriando um “salvador”, com aquele que conquistou a taça em 99, com elenco cascudo, com campeões sul-americanos, com o MVP da última edição, tentou de tudo, mas sempre tropeçava e parava no meio do caminho. E como o calvário verde não é pouco, o palmeirense ainda viu dois clubes (de forma merecida, é claro) furarem a fila e colocarem suas plaquinhas na taça Libertadores antes.
Chegamos na temporada de 2020 e ela começou repleta de desconfianças com o clube sem engrenar até que o mundo parou com a chegada da pandemia do Covid-19. Tudo parecia perder sentido diante da catástrofe que se alastrava pelo mundo. O futebol voltou e com ele um pouco de “sombra”, para lembrar Galeano, diante de um vírus que nos assolava e ainda assola. O sonho da América seguia firme, mas sempre sob desconfiança, ainda que o time tivesse resultados positivos. O purgatório verde parecia querer jogar mais um dos seus maiores da história (Luxemburgo) no limbo, com taça na mão e tudo.
Um ano terrível “dava as mãos” para uma temporada que era dada como perdida, até que um “sinal” surgiu, lá de Portugal e no mesmo mês de outubro, como o “sinal” testemunhado por centenas de católicos portugueses em 1917. Abel Ferreira chegava semeando esperança no coração de alguns e desconfiança em outros. Para quem foi forjado no drama e acreditava até em Kleina não era muito difícil dar um voto de confiança e apoiar Abel pelo título.
Como uma Via-Sacra, o Palmeiras percorria o caminho, sendo açoitado pela Covid e algumas lesões e mesmo assim chegou em 2021 na semifinal diante do “Senhor Libertadores” da década, o River Plate de Gallardo. Nem nos melhores sonhos o palmeirense poderia imaginar os três a zero em Buenos Aires. Mas como nada é fácil e parece que o Palmeiras tem muitos pecados para pagar o jogo de volta foi de um sofrimento tão absurdo que era digno de ser compensado com uma indulgência para aqueles que assistiram. Só faltavam 90 minutos (e alguns acréscimos).
A manhã do dia 30 de janeiro foi longa e na minha cabeça eu recordava tantas coisas, lembrava de todos os anos de purgatório tentando clamar por clemência na tarde daquele dia. Numa espécie de barganha espiritual para que as lágrimas de 2005–06, a aflição de 2009, a raiva de 2013 e as decepções de 2016 até 2019 fossem recompensadas de alguma forma. Que absurdo crer nisso, mas como pedir razão para um torcedor apaixonado. Um filme foi passando na minha cabeça durante todo o dia. O texto que escrevo agora era para ter saído no sábado, mas eu não tive capacidade de descrever tudo isso. Tentava me desconectar, mas o nervosismo tomava conta. Todo um sonho, toda uma espera, 21 anos depois daquilo que o moleque não conseguiu viver direito e se apegava aos acervos para manter aquela lembrança sempre viva. Era como se eu jogasse junto, era como se o que eu fizesse ou deixasse de fazer pudesse interferir no resultado. Não à toa que o mesmo Eduardo Galeano disse não existir ateu na religião chamada futebol. Se isso for uma heresia, que Deus me perdoe, mas como disse, já passamos muito tempo neste purgatório.
Dizem que o Paraíso é habitado por anjos, seres espirituais que costumam ter o nome com a terminologia `El, que significa “de Deus”. Em campo tinha Rafael (em dose dupla) e Gabriel, no banco tinha outro e um corado por lesão, mas foi no dedo de Ab’El que surgiu a melhor escolha para colocar o artilheiro improvável com a camisa 19 para fazer o gol no minuto 99 (19+99= referência a primeira taça) que colocou o Palmeiras no caminho da Glória.
Lágrimas nos meus olhos, mas bem diferente daquelas derramadas tantas outras vezes. Levantei as mãos para o céu, como São Marcos me ensinou, para agradecer por estar vivo, porque eu estava realmente preocupado com isso. Mentalmente agradeci mais uma vez o meu pai que me ensinou esta loucura e abracei a minha irmã, minha única companhia durante os 100 minutos da decisão. Eu queria abraçar e rever tantos amigos que fiz na Caraíbas, abraçar cada torcedor que conheço, principalmente aqueles que abraçam o clube de forma tão genuína e sem pretensão, mas o tempo ainda é adverso. Então, celebre com os seus, encurte as distâncias nem que seja virtualmente e ignore os amargos (que são muitos), afinal, já basta o amargo do tempo que estamos vivendo. Celebre com os seus Y NADA MÁS, afinal de contas, a Glória Eterna chegou.