Algo raro no futebol brasileiro, a aposentadoria do número da camisa de um ou mais jogadores representa algo simbólico para demonstrar respeito à passagem de ídolos. No Palmeiras, essa tradição é válida com a camisa 12, canonizada com São Marcos, e aposentada da utilização de goleiros.
Mais do que a camisa 12, a 1 também representa muito dentro do clube. Se na maioria das equipes a camisa 10 é o símbolo supremo de uma atleta, no Palmeiras essa responsabilidade é dividida com a vestida pelo arqueiro. O Alviverde sempre teve grandes goleiros que marcaram época e uma tradição inegável de revelar jogadores excepcionais para defender sua própria meta.
INÍCIO AINDA COMO PALESTRA
A história dos goleiros palmeirenses se inicia com José Stillitano. Nascido ainda no século XIX, Stillitano entrou para a história por ter atuado como goleiro da história do Palestra Itália. No dia 24/01/1915, contra a equipe do Savóia, em Votorantim, o arqueiro só não foi o primeiro número um por que a numeração para atletas só aconteceria no final dos anos 1940. Emprestado pelo Paulistano, o jovem de 17 anos não decepcionou e não sofreu nenhum gol na partida que terminou com vitória do Palestra por 2 a 0.
No entanto, o primeiro ídolo e marco zero para a Academia de Goleiros é Primo. Nascido na Itália, a ligação do arqueiro com o Palestra ia além das quatro linhas. Como de costume na sociedade paulistana da década de 1910, a instituição era uma forma de ligação pessoal dos imigrantes com a Itália. Torcedor do clube, ele chegou ao Palmeiras em 1918, se retirando apenas quando se aposentou, em 1927.
Titular na equipe que conquistou o Campeonato Paulista de 1920, o primeiro título do clube, Primo Zanotta realizou uma das grandes façanhas da história alviverde. Disputando um jogo extra diante do Paulistano – na época tetracampeão paulista – o Palestra venceu o gigante paulista por 2 a 1, e ficou com o título estadual. Primo, foi um dos grandes responsáveis pelo placar, parando o centroavante e um dos melhores atletas brasileiros de todos os tempos, Arthur Friedenreich.
Mesmo italiano, foi o primeiro goleiro palestrino a ser convocada pela Seleção Brasileira, sagrando-se campeão do Sul-Americano de 1919 (atual Copa América. Ainda foi campeão paulista de maneira invicta em 1926 e levantando a taça também no ano de sua aposentadoria, em 1927. Ao todo, somou 185 jogos com o uniforme, sendo 134 vitória e 20 empates.
AS MAÕS DE OBERDAN:
Poucos jogadores se identificam tanto com um clube como Oberdan Cattani no Palmeiras. Filho de pai italiano e mãe brasileira, o arqueiro desde a juventude era torcedor da equipe. De boa estatura, mãos grandes e envergadura maior do que os demais, Oberdan naturalmente era goleiro em sua cidade, Sorocaba.
Atuando por Sete de Setembro, Fortaleza, Estrada e até disputando amistosos com a camisa do tradicional São Bento, o futuro camisa 1 do Palestra e Palmeiras recebeu sondagens do Corinthians, mas seu coração recusou.
Atleta e caminhoneiro, constantemente assistia jogos do Palestra no Parque Antarctica, devido as constantes viagens com a carreta para a capital. Em 1940, enfim conseguiu um teste no clube, ao lado de mais 15 goleiros. Aos 20 anos, foi o último a ser testado, mas o único aprovado entre todos. Um fenômeno.
Sem Jurandyr, ídolo de Oberdan, nem o titular e tampouco o reserva da equipe passavam confiança para a meta palestrina. Treinando na equipe de aspirantes, estreou em outubro de 1940 no segundo quadro, realizando seu primeiro jogo na equipe principal apenas no estadual de 1941.
A partir deste momento se firmou como titular e construiu uma bela história vestindo o uniforme. Em 1942, Oberdan testemunhou o fim do Palestra Itália e o surgimento do Palmeiras. Primeiro a entrar em campo segurando a bandeira do Brasil no dia da Arrancada Heroica, o arqueiro foi o titular na decisão do Campeonato Paulista daquele ano, com uma vitória por 3 a 1 sobre o São Paulo.
Sempre com espírito de liderança, ainda conquistaria os Campeonatos Paulistas de 1944 e 1947; além das cinco coroas, compostas pelos títulos do Paulista de 1950, Taça Cidade de São Paulo 1950 e 1951, a Taça Rio e o Rio-São Paulo de 1951.
Aos 35 anos, sofreu a maior injustiça da história do Palmeiras. Após 351 partidas, sem maiores explicações, foi desligado do clube. Acertou com o Juventus para a disputa do Campeonato Paulista de 1954, torneio que ainda reservava outro episódio marcante. Atuando duas vezes contra o Verdão, Oberdan saiu as duas vezes derrotado dentro de campo, mas aplaudido pela torcida. Poucos eram tão Palmeiras como Oberdan Cattani.
AS ACADEMIAS COMEÇAVAM COM BONS GOLEIROS
Quatro anos após a saída de Oberdan, e sem que outro goleiro tivesse se firmado, o clube trouxe Valdir Joaquim de Moraes, ex-Renner, do Rio Grande do Sul. Com apenas 1.70m de altura, compensava sua pouca estatura com muita impulsão. Além disso, contava com muita elasticidade, boa colocação, reflexo apurado e ótima reposição de bola. Foi um dos goleiros mais completos de sua geração.
No dia 16 de maio de 1968, mais um vice-campeonato de Libertadores selou o fim da gloriosa trajetória no Verdão. Após ser campeão do Campeonato Paulista em 1959, 1963 e 1966; Campeonato Brasileiro em 1960, 1967 (Torneio Roberto Gomes Pedrosa) e 1967 (Taça Brasil) e Torneio Rio-São Paulo em 1965, a última vez que Valdir atuou pelo clube foi na derrota por 2 a 0 para o Estudiantes de La Plata, resultado que deu o título aos argentinos.
Porém, além do trabalho dentro de campo, fora das quatro linhas Valdir foi o precursor da preparação exclusiva para a posição de goleiro, que ajudou a profissionalizar a área e revelar nomes como Marcos, Zetti e Velloso, anos depois.
Já formando um novo elenco, chamada de Segunda Academia, em 1969, o Palmeiras comprou Emerson Leão, de 20 anos, do Comercial de Ribeirão Preto. Assim que chegou ao novo clube, Leão mostrou muita técnica, e pouco tempo depois passou a figurar a Seleção Brasileira. No Verdão, Leão formou uma das maiores defesas da história do clube ao lado de Eurico, Luís Pereira, Alfredo e Zeca. Além disso, colecionou títulos enquanto esteve no Palestra Itália, entre eles os Paulistas de 1972, 1974 e 1976, os Brasileiros de 1969, 1972 e 1973.
A MALDITA DÉCADA DE 80
Sem Emerson Leão desde o final de 1978, o Palmeiras viveu, na década de 1980, seu pior momento esportivo. Mesmo assim, a posição de goleiro era uma das únicas sempre bem representadas. Tendo rumado ao Palmeiras em 1975, com 19 anos, Gilmar foi revelado com a missão de substituir Leão. Reserva do ídolo e posteriormente titular, o arqueiro disputou 288 jogos com a camisa alviverde, sendo 111 vitórias, 105 empates e 72 derrotas. O ex-goleiro permaneceu na equipe paulista até 1983, quando seguiu para o Bangu.
Em 1984, Leão retornou ao Palmeiras, onde permaneceu até 1986, ano que disputou a Copa do Mundo de México. Deixando Parque Antarctica ao final da temporada 1986, e seu reserva, Martorelli não parecia agradar a todos. Após ganhar rodagem com empréstimos, Zetti, segundo goleiro após a saída do ídolo Emerson Leão assumiu o posto como titular, no dia 05 de abril de 1987. Apesar da derrota por 1 a 0 diante do São Bento, nesse mesmo jogo, o goleiro iniciou uma sequência de 1 238 minutos sem sofrer gols, que só seria interrompida pelo zagueiro e ídolo do Palmeiras, Luís Pereira, do Santo André.
Em 1988, ainda defendendo o Palmeiras, Zetti quebrou a perna numa disputa de bola com Bebeto, no dia em 17 de novembro. Afastado por diversos meses, quando retornou encontrou a meta ocupada por Velloso. Sem espaço, comprou seu próprio passe foi para São Paulo em 1990.
Cria das categorias de base, Velloso teve a chance no gol do time principal justamente com o técnico Emerson Leão, após lesões de Zetti e Ivan, o primeiro reserva. Destaque da equipe alviverde no Paulistão de 1989, competição na qual o Palmeiras foi eliminado pelo azarão Bragantino, então comandado por Vanderlei Luxemburgo, o jovem de 22 anos chegou a ter oportunidade na seleção brasileira, já em 1990, mas não aproveitou bem a oportunidade. Em declínio, foi emprestado ao União São João de Araras, sua cidade natal, em 1992.
ERA PARMALAT
Mesmo com a injeção de dinheiro da Parmalat, o gol era um local onde investimento nenhum seria maior do que a qualidade da Academia de Goleiros. Após um ano de transição com diversas mudanças em 1992, a temporada de 93, a primeira com a multinacional estando no clube desde o primeiro dia do ano, foi para firmar a base no gol alviverde. Com Velloso retornando de empréstimo e posteriormente emprestado novamente, o jovem Sérgio foi o encarregado de defender a meta.
Com 22 anos, Sergio estreou no gol alviverde em uma partida amistosa, no dia 21 de junho de 1992, diante da Matonense. Em 1993, graças a uma contusão de Velloso ainda no início do estadual, Sérgio entrou para a história como o goleiro titular da equipe palmeirense que derrotou o Corinthians na final do Campeonato Paulista, quebrando um jejum de 16 anos sem títulos. Ainda na mesma temporada, seria titular também na conquista do sétimo Campeonato Brasileiro do clube, além do quinto Rio-São Paulo.
Saindo em 1995, Sergio retornou para uma segunda passagem, entre 1999 e 2006. Quinto goleiro a mais vestir a camisa do Palmeiras, com 333 aparições, foi o reserva de Marcos, além de grande amigo do pentacampeão fora de campo.
Retornando ao Palmeiras em 1994, Velloso buscou novamente a titularidade, e não largou mais. Campeão Paulista e Brasileiro em 1994, o goleiro ainda seria o dono da 1 no eterno time dos cem gols, no Paulistão de 1996, e da conquista da Copa do Brasil e Mercosul, em 1998. Titular também no início de 1999, o guarda redes da meta palestrina sofreu uma lesão durante um rachão, no treino.
SANTIFICADA SEJA SUAS MAÕS
A lesão de Velloso possibilitou a entrada de um santo. Reserva desde 1996 – até mesmo com uma passagem pela seleção – Marcos esperava desde 1993 uma sequência. Reserva ao lado de Sérgio, foi escolhido para assumir a titularidade devido ao ritmo de jogo, já que atuava com os aspirantes.
Titular desde o dérbi da fase de grupos, foi nas quartas de final do torneio que o goleiro palmeirense se consagrou: na decisão por pênaltis contra o Corinthians, defendeu a cobrança de Vampeta e garantiu o Verdão na fase seguinte da competição. Na semifinal, o Palmeiras eliminou o River Plate, após duas atuações de gala do camisa 12. Na final, novamente Marcos brilhou e ainda contou com a sorte nas disputas de pênalti. Vendo o chute de Zapata rumar para fora, o camisa 12 se eternizava como santo. O São Marcos de Palestra Italia.
No ano seguinte, em 2000, novamente o destino colocou Palmeiras e Corinthians frente a frente no torneio continental. Após dois duelos eletrizantes nas semifinais, mais uma vez a vaga foi decidida nos pênaltis. Todos haviam convertido suas cobranças, até que Marcelinho Carioca, ídolo do Timão, cobrou no canto direito de Marcos, que voou para fazer a defesa e levar o Alviverde à final da competição.
Pentacampeão com a Seleção Brasileira, recusou o Arsenal, da Inglaterra, para ficar no Palmeiras mesmo com o clube na Série B. Retornando em 2004 para a elite do futebol nacional, Marcos iniciou um grande calvário entre bons momentos e lesões.
Campeão Paulista de 2008 e importante na Libertadores de 2009, Marcos aos poucos foi deixando de atuar, até se aposentar no final da temporada 2011. Com 533 jogos, só perde para Leão em goleiros com mais partidas pelo clube.
RECORRÊNCIA AO MERCADO DA BOLA
Sem Marcos e sem as estruturas necessárias nas categorias de base, nem Deola e nem Bruno empolgavam para serem os sucessores do Santo, mesmo com Bruno sendo decisivo na conquista da Copa do Brasil de 2012. Recorreu, assim, ao mercado da bola para contratar alguém que estivesse à altura da posição. Primeiro goleiro contratado pelo Palmeiras desde o paraguaio Gato Fernández em 1993, Fernando Prass chegou ao Palestra Italia em 13 de dezembro de 2012 e, depois de sete temporadas, despediu-se do clube na posição de ídolo.
Símbolo de reconstrução, Prass chegou ao Palestra Italia em um momento de incertezas. Rebaixado à Série B, o Alviverde passava por um período de reestruturação, na qual o arqueiro foi fundamental. Campeão da segundona em 2013, o camisa 1 evitou uma nova queda em 2014 e, já com patrocínio da Crefisa, estampou seu nome de vez na história, batendo o último pênalti na final da Copa do Brasil 2015, diante do Santos.
Campeão em 2015, viveu seu auge em 2016. Melhor jogador do Palmeiras, foi convocado para a Seleção Olímpica, mas uma lesão o tirou de combate. Substituído por Jailson na meta palestrina, entrou em campo novamente apenas na 37ª rodada do Campeonato Brasileiro, jogo que marcou a comemoração do nono título brasileiro ao Porco.
Em 2018 foi a vez de novamente o Palmeiras ir ao mercado, buscando o já experiente Weverton. Titular com menos de um ano de casa e desbancando o ídolo Fernando Prass, o camisa 21 construiu sua história dentro do clube. Campeão Brasileiro de 2018, o goleiro retornou à seleção com suas boas atuações e entrou de vez na história do Palmeiras na temporada de 2020. Com a segunda menor média de gols sofridos, foi campeão Paulista, da Copa do Brasil e da Libertadores.
PRESENTE E FUTURO
Com Vinicius Silvestre, reserva imediato de Weverton ganhando espaço no início desta temporada, o Palmeiras tenta resgatar tradição da Academia de Goleiros formadora de atletas.
Além do camisa 1, o atual elenco da base também parece seguir os passos para que novamente se crie arqueiros dentro do clube. Com Natan, Kaique, Mateus e Bruno efetivados no sub-20, os quatro carregam histórias interessantes dentro do Verdão.
Mais jovem entre os quatro, Kaique entrou na história do clube na final do Campeonato Paulista Sub-20 de 2020. Entrando apenas para as cobranças de pênaltis, o jovem da geração 2003 defendeu três cobranças e foi o herói do tetracampeonato, diante do Corinthians, no Parque São Jorge. A estratégia também havia sido usada nas semifinais, na qual o goleiro defendeu uma cobrança.
O gigante Natan, de 2 metros de altura, também 2003, foi considerado o melhor goleiro do Campeonato Brasileiro Sub-17 de 2020, competição na qual o Palmeiras foi eliminado nas quartas de finais. Jogador mais alto entre todos os atletas palmeirenses, o camisa 1 é figura constante nas seleções de base.
Além da dupla, Mateus e Bruno Carcaioli fecham o quarteto. Captado pelo Palmeiras em 2016, o jovem Mateusão defende a equipe sub-20 e praticamente ocupa a vaga de quarto goleiro do profissional. Com a lista de inscritos da Copa Libertadores ampliada em função da pandemia de covid-19, o jogador foi registrado na lista campeã de 2020, ficando no banco de reservas no duelo diante do Delfin, no Equador. Já Bruno é quem está a mais tempo no Verdão entre eles e coleciona diversas conquistas, como os Paulistas Sub-15, Sub-17 e Sub-20, Mundial de Clubes Sub-17, Copa do Brasil Sub-17 e Supercopa Sub-17.