Editorial: ao Palmeiras de Luxa – e não só, falta convicção

Uma volta pelos 9 meses de trabalho de Vanderlei Luxemburgo

Já há algum tempo, não se fala mais sobre o Palmeiras com base em opinião. Não é mais sobre gostar mais ou gostar menos, ser adepto ao modelo ou se posicionar de forma contrária. São quase 9 meses do ano e 6 de futebol. Sobram motivos para crer, e para comprovar, que está errado. E não é pouco, não.

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Apresentado em dezembro de 2019, Vanderlei Luxemburgo trouxe consigo uma proposta de ‘retomada’. Inspirado pelo passado vitorioso, o experiente treinador prometeu uma equipe com respeito às tradições dominantes do Palmeiras.

“Eu tenho um clube de DNA de Academia. Mas isso não quer dizer que eu não tenho um time técnico, que não possa ser extremamente defensivo. A marcação começa no ataque. Conheço muito bem a história do Palmeiras”.

Vanderlei Luxemburgo, em sua apresentação.

O começo da jornada de Luxemburgo no Palmeiras

Em 15 de Janeiro deste ano, estreava o Palmeiras na Florida Cup. Como primeira medida efetiva no comando do Palmeiras, Felipe Melo assumia a função de zagueiro sob o argumento de ‘aprimorar a saída de bola’ e impedir a ligação direta. Reter a bola e propor desde o princípio da ação ofensiva.

No torneio gringo, o Palmeiras se testou de duas maneiras. Com dois meias e dois atacantes, com Raphael Veiga e Lucas Lima e Dudu ao lado de Luiz Adriano. Decidido nos pênaltis, aquele jogo mostrou o princípio de problema que afetaria o fim de trabalho que viria por aí. Pouco intenso e sem efetividade, o time dependeu de Dudu.

(Falta de) Convicção na criação

Primeiro, uma dupla de armadores. Dois canhotos que se associavam para gerar criatividade. Essa tentativa durou por três jogos. No primeiro clássico do ano, Veiga, execrado por suas más atuações – muitas vezes atuando pelo lado esquerdo, como um falso ponta, deu lugar a Gabriel Veron e ao esquema com dois velocistas pelos lados. Dudu e Gabriel.

Logo no jogo seguinte, Gustavo Scarpa substitui o jovem e foi retomado o esquema com dois meias. Dessa vez, com sucesso. O Palmeiras goleou o Oeste por 4 a 0. Alegria que durou 3 dias. Diante do Red Bull, derrota por 2 a 1 com, de novo, dois canhotos armadores e dois jogadores de ataque. Era a sexta escalação diferente em 6 jogos.

Adaptando-se ao esquema com três atacantes e um armador, Vanderlei foi promovendo uma espécie de rodízio não intencional. Lucas Lima em um jogo e meio e Raphael Veiga em mais um jogo e meio. 120 minutos pra cada um dos canhotos. Scarpa parou subitamente de aparecer nos jogos. Era o fim da era dos camisas 10.

Dudu-dependência e os 4 atacantes

Com 70 gols em 305 jogos, além de 78 assistências, o craque deixou o Palmeiras durante a pandemia. Ele vinha atuando como camisa 10, antes disso. O começo de sua era no comando criativo do time foi em 04/03, no jogo de debute palmeirense na Copa Libertadores da América, diante do Tigre, na Argentina. O alviverde foi a campo com Dudu, de 10, Rony, William e Luiz Adriano.

Escalação do Palmeiras diante do Tigre-ARG

Com 5 meias à disposição no banco de reservas, o Palmeiras venceu o jogo, mas o resultado não explica exatamente o que se viu em campo. Atuação complicada e muito criticada, mas que foi determinante para a manutenção da proposta dos tais ‘4 atacantes’ proposta por Vanderlei Luxemburgo. Também conhecida como Dudu-dependência

Dudu seguia preponderante. O time se baseava necessariamente em suas ações. Não havia muito senso de coletividade. O craque driblava, arrancava, finalizava. Resolvia. Era uma espécie de pomada para um futebol doído. O último jogo antes da pausa para a pandemia foi um insosso zero a zero diante da Inter de Limeira. De novo, a ciranda de volantes e os 4 avançados. Não aconteceu coisa alguma.

A Pandemia e os planos de Luxemburgo para o Palmeiras

O mundo parou e o Palmeiras se preparava pro retorno quando Luxemburgo comentou que a sequencia do ano deveria ser com a combinação sem o clássico camisa 10. Ao GE, em junho, ele comentou sobre o tema.

Questionado sobre se encontrar um atleta para desempenhar a função de camisa 10 era um dos principais desafios para a sequência da temporada, respondeu:

“A pergunta é muito legal. Tenho no elenco Dudu, Scarpa, Raphael Veiga, Lucas Lima, todos serão usados da melhor maneira, quando eu achar que devem ser usados. Mas vou devolver a pergunta: quem tem camisa 10 hoje no mundo? Você me faz uma pergunta, que é muito difícil até você responder. Não posso resolver o problema que o mundo não resolve. O mundo mudou a maneira de jogar. Quando estou mudando, talvez eu esteja mudando para adaptar ao que o mundo está jogando”.

Vanderlei Luxemburgo

Mudança essa que passava necessariamente pela figura do camisa 7 que tinha em seu elenco. E não tem mais.

“Eu não desprezo os meias. Eles fazem parte, podem fazer uma função de tocar mais a bola, vou colocar o Veiga, o Lucas Lima… Mas se precisar de um jogador de mais giro, drible, amassar o adversário, marcar e pressionar mais forte, isso que vou fazer. Estou vendo tudo que está acontecendo no futebol mundial, essa é a realidade.”

O treinador do Palmeiras sobre Dudu

Fim de uma era

Em 20 de Julho, o Palmeiras anunciava a saída de Dudu. Uma perda dramática que movimentou a vida do Palmeiras e dos palmeirenses. Caía, ali, o último suporte de confiança que existia entre as atuações do time e a opinião pública. Vanderlei perdia seu maior valor individual e colocava a prova a qualidade de seu trabalho.

Luxemburgo logo fez questão de exaltar seu elenco e seu modelo de jogo:

A gente vai manter a característica da equipe. O Palmeiras não consegue ter um time que não seja meio que Academia, que jogue futebol, que agrida. Os jovens vão alternar grandes jogos com jogos não tão bons. Alguns nem sentem. A saída do Dudu, é lógico, vamos ter de encontrar um substituto. Pode ter um reforço no meio de campo ou manter quatro atacantes. Ou vou para o meio ou manter a equipe

Luxemburgo, em coletiva

Luxemburgo e os meninos como solução para o Palmeiras

Vanderlei nunca escondeu que queria e daria chance aos moleques do Palmeiras. Talvez seja esse seu maior legado e acerto. Patrick de Paula e Gabriel Menino, especialmente, se tornaram titulares absolutos no pós quarentena e foram decisivos nos melhores momentos do clube nesse retorno que teve uma conquista de título. Há, no entanto, controvérsias nessa postura.

Iván Angulo, logo no início do ano, havia sido cedido ao Cruzeiro. Deveria ficar no clube mineiro até o final da temporada. Esteves, lateral, nunca foi testado. Alanzinho, que carrega consigo muito talento e fé do torcedor, reconhecido meia de criação, também não pôde se provar. Foi emprestado ao Guarani, já em meio ao Brasileirão.

A convicção nos garotos, então, foi caindo por terra. Sem Gabriel Veron, machucado desde o retorno do isolamento, só Patrick e Gabriel tiveram minutos relevantes. Wesley, que quase foi negociado ao City Group pela falta de chances, voltou a ter minutos no empate deste último sábado, em Salvador.

Iván Angulo, que teve seu contrato de empréstimo encerrado a pedido de Vanderlei, em 9 jogos estando disponível, atuou por 10. Dez minutos. No primeiro jogo da final do estadual, em Itaquera, sem ter vivido sequer 5 minutos prévios de experiência. Desde então, ele nunca mais entrou em campo.

Luxemburgo considerou que o colombiano se assustou:

“Angulo é muito menino, já estreou na decisão. Meio que se assustou, mas é normal. Queria manter a velocidade. Rony cansou, mas não queria botar o time para trás. Queria velocidade para manter o Fagner ali. Ficamos com qualidade e velocidade”.

Vanderlei sobre Iván Angulo

Ainda neste sábado (29), o treinador disse que confia nos garotos e que seguirá dando minutos a todos eles. Ou aos que sobraram, no caso.

“Teve algum jogo em que ele (Wesley) não entrou bem. Mas, hoje, não. Entrou de uma outra maneira, buscando aquilo que tem: velocidade com drible. A gente vai acreditando nessa molecada e colocando para jogar. É a proposta do Palmeiras de remodelação”

Luxa em coletiva após Bahia 1 x 1 Palmeiras

Proposta confusa.

Palmeiras campeão, mas como?

Com três volantes e muita correria. Disposição. Entrega – física, não técnica. Em dois jogos horripilantes, substancialmente no segundo, foi resiliente para bater o frágil Corinthians, nos pênaltis, em um jogo durante o qual não se fez superior. Além de ter sido incapaz de manter a bola no ataque por dois ou três minutos. Sobrou resistência, mas faltou todo o resto, esse chamado de futebol.

Era a efetivação do ‘resultado sim, desempenho não’. A conquista amenizou a obrigação por um melhor desempenho, um futebol que dependa menos da força e da marra para vencer. Ficou compreendido que aquele era um momento ímpar, de ser campeão e esquecer os métodos. Não foi. Não era circunstancial.

O dia depois

Foi em um Palmeiras x Fluminense, com o time ainda ébrio de alegria, que Vanderlei pôde colocar em campo um time que conversasse com seus ideais de jogo. E foi com Zé Rafael de ponta direita, Raphael Veiga depois de 4 jogos, e a trinca de volantes com Patrick, Gabriel e Ramires. Um insosso empate fora de casa, com gol no início, empate sofrido e minutos de morosidade e pouquíssimo futebol.

E foi sintomático. A pior atuação do ano viria no sábado da mesma semana. Contra um Goiás sem QUINZE atletas infectados por COVID, o Palmeiras empatou, em casa, por 1 a 1. O time escalado, contra um rival em retalhos, foi o mesmo trio de volantes e com um meia improvisado na ponta. Sem armadores. Aqueles que começaram o ano. Sem pontas, aqueles que seriam usados pra ‘amassar um rival’.

A pior vitória da década, e a primeira contra uma equipe de Série A

Em Curitiba, contra o Athletico-PR, o Palmeiras mudou. Voltava a figura do meia criativo associado ao trio de meio campistas. O sacrifício de Gabriel Menino, escalado para marcar Abner, foi o sintoma do pior jogo que se viu em anos e anos de Palmeiras. E Vanderlei, do jogo propositivo e de imposição, gostou do marcador de lateral.

“Ele (Gabriel Menino) hoje foi fundamental taticamente. O Abner desce bastante, o Vitinho desce para dentro, e o Abner para o fundo. Era importante o Menino estar ali para dar uma proteção para o Marcos Rocha, que não apoiou como das outras vezes, eu proibi ele de apoiar.

Luxa, em coletiva pós vitória

Com gol de Raphael Veiga no último suspiro da partida, o Palmeiras venceu. Por Deus, por sua camisa, por vários fatores, menos pelo futebol praticado. Era a primeira vez que a equipe vencia um time da Série A, no ANO. Depois de nada menos do que oito partidas.

Primeira vitória do Palmeiras de Luxemburgo em clássicos no ano

O Palmeiras foi ao clássico diante do Santos sob pressão, e foi bem. Jogou bem, atuou bem, sofreu, mas venceu e trouxe esperanças pro futuro. Primeira vitória em clássicos no ANO. O time campeão paulista – sem vencer clássicos, parecia dar um respiro de bom futebol. A questão que ficava era: a vitória foi um sinal de melhora, ou foi uma exceção?

Algumas considerações precisam ser feitas nesse ponto da história. Em primeiro lugar, Gabriel Menino foi mais uma vez utilizado na meia direita. Mas e o Abner? A justificativa, agora, seria que ele estava lá pra segurar o Felipe Jonathan, ou até mesmo o Soteldo? Enfim.

Em segundo lugar, este havia sido o último jogo antes da primeira ‘pausa’ que o Palmeiras teria, desde a volta do futebol, após a parada causada pela pandemia de Covid-19. A equipe teria uma semana para se recuperar e treinar, leve, após uma vitória convincente contra um rival.

De novo. Tudo de novo, ou nada..

Após uma semana de treinamentos e recuperações, o Palmeiras encarou o pressionado Bahia, em Salvador. A equipe de Roger Machado, ex-técnico do Verdão, havia perdido para o Ceará por 2 a 0 no meio da semana e a torcida passou a pedir mais enfaticamente a saída do comandante.

Do meio pra frente, à exceção de Luiz Adriano, que deu lugar a Willian, o time titular palmeirense foi idêntico ao dos dois últimos jogos. Ou seja, por outra vez, Gabriel Menino foi escalado aberto pela direita. Todos os times do Campeonato Brasileiro têm um lado esquerdo tão forte para tamanha preocupação de Luxa em prender o garoto à marcação?

Sem gols (e sem futebol) no primeiro tempo, o Palmeiras acertou apenas uma finalização a gol, de fora da área. Era desanimador. Ali, estava confirmado que o jogo contra o Santos não passou de um lampejo, algo que ocorreu mais pelo jogo ruim do adversário praiano do que por méritos do jogo coletivo palmeirense.

Até que, em uma jogada construída pelos reservas Gustavo Scarpa e Zé Rafael aos 31 minutos do segundo tempo, o Palmeiras abriu o placar. Apesar do futebol decepcionante, seria a terceira vitória seguida, sendo que duas delas foram como visitante.

No entanto, a sorte que sorriu à equipe de Luxemburgo no duelo da Arena da Baixada cobrou sua conta no encontro de Pituaçu. Aos 49 do segundo tempo, no último lance da partida, falha de Weverton na saída para interceptar um cruzamento e gol dos mandantes.

Este infortúnio foi o suficiente para pôr em xeque, de vez, a paciência do torcedor comum com o atual trabalho. Não se trata mais de resultados: são dez jogos de invencibilidade, um título paulista e blá, blá, blá. Mas não estamos falando disso. Estamos querendo apontar que, quando um técnico não tem convicção, seu time dá mil e uma voltas e não sai do lugar. E não tem nada mais broxante que isso. O tesão vai embora.

Indiferença

Futebol é entretenimento. É alegria. É algo feito para dar prazer a quem joga, a quem assiste e a quem torce. Pode parecer óbvio, mas o torcedor gosta de torcer, dane-se se a vitória vier ou não. Ele só quer sentir satisfação ao ver o próprio time. Por 90 minutos, ele quer se esquecer da vida e se sentir bem, parte de algo que lhe dá orgulho.

Portanto, a relação do torcedor com o suas cores deve ser saudável, construída com amor pelos dois lados. Contudo, forçar seus apoiadores a assistir apresentações sonolentas, desmotivantes, tenebrosas, jogo após jogo, causa o que pode acontecer de pior em uma relação: a indiferença. Além da raiva, quando propõem mordaça.

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“Sabe quando a situação está ruim? Quando você avalia o ato de comemorar o gol.” Ouve-se isso por todos os lados das alamedas. E que coisa horrível de se pensar. O Palmeiras está matando, aos poucos, o gosto que se sente por ele. A vitória é um deleite, mas o dia a dia constrói respeito, segurança e carinho.

Não pode ser normal amenizar a exigência com suas cores com base no que fazem os outros. Não cabe ao alviverde pensar no rubro-negro. Ele vive de Palmeiras. “É impossível jogar bem com esse elenco.” “Os outros times também estão jogando mal.”

A pior parte é que o Palmeiras tinha tudo para ser hegemônico no Brasil desde sua reformulação, em 2015. Contrata os melhores jogadores do continente enquanto seus reservas estão nos sonhos de seus concorrentes. Não falta nada. Em todas as áreas de um clube de futebol, é bem abastecido. Só não entende o conceito de convicção.

Reflexão – por Guilherme Paladino

Por isso, torcedor alviverde, reflita por alguns momentos. É tão inviável assim o Palmeiras praticar um bom futebol? Seu clube é aquele que contratou os principais jogadores de diversos times nos últimos anos.

Aquele que ganhou três títulos nacionais em meia década. Aquele que tem, possivelmente, a melhor estrutura do país, com profissionais de primeira linha em quase todos os setores. Há alguma justificativa plausível para estar tão nivelado com projetos de três meses? Cinco anos após o início de um novo projeto, é justificável a equipe ter esse nível de atuação?

Cobrar que o time seja mais prazeroso do que estressante, é pedir demais? Exigir um mínimo de convicção, é torcer contra? Brigar pra não desperdiçar o que pode ser um dos momentos mais prósperos da instituição em todo o século 21, é ser muito chato? Pois, então, sabem o que é mais chato ainda? Ver o Palmeiras jogar.

Um Palmeiras que não sabe o que é.