Falta repertório, mas não para Abel

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Esse texto é feito por dois jornalistas. Um, mais velho, ranzinza. O outro, jovem, começando seu caminho. Um, mais fã dos números. O outro, adepto às palavras. Eles são como o Palmeiras e Abel Ferreira. Quase opostos, mas necessários um ao outro. E quando há uma boa relação, a reação alheia nem sempre é positiva. Nem todo mundo é bom.

O técnico Abel Ferreira chegou ao Palmeiras há 55 dias, após boas passagens em Portugal e na Grécia. Mesmo com o tempo curto de trabalho no Brasil, o treinador remodelou, deu uma nova cara e melhorou muito o time, na opinião dos torcedores e analistas. Mas nem todos, munidos de boa intenção e fé, compreendem – o certo era dizer ‘admitem’.

E os números do português no comando palestrino reforçam essa afirmativa. Principalmente em comparação com Vanderlei Luxemburgo, que sofreu muito até quando não mereceu tanto, houve uma melhora consistente em vários aspectos relevantes, apesar do pequeno espaço de treinamento. E entenda hiperbólico quando dizemos que houve treino. De fato, houve um ensaio.

Em menos de dois meses em São Paulo, onde não veio para passear, Abel já realizou 17 partidas no comando do Palmeiras. Durante sua estadia em Salonica, na Grécia, o treinador dirigiu o PAOK em 53 oportunidades durante 1 anos e três meses. Ou seja, em tão pouco tempo no Brasil, o português já soma um terço de seu último trabalho. E insistem que por aqui há como ‘fazer melhor’.

Em um simples comparativo com o Flamengo de Jorge Jesus, o Palmeiras e sua comissão portuguesa entraram em campo um tempo superior a 50% maior do que a equipe carioca, levando em consideração os 55 dias anteriores ao primeiro confronto da semifinal da Libertadores – 990 minutos para os flamenguistas e 1530 para alviverdes. Os números levantados pelo Análise Verdão mostram que existe um claro desgaste por parte dos paulistas, que jogam uma partida, em média, a cada três dias e consequentemente não podem treinar e aprimorar situações de jogo com tanta frequência. 

Fazendo um diagnóstico das 17 partidas até aqui, são 11 vitórias, 02 derrotas e 04 empates. Um aproveitamento superior a 75%. Enquanto isso, Luxa saiu do clube, em agosto, com 60,5% de aproveitamento em 38 partidas. Convido qualquer boa memória a contar pra nós quem é que chegou a uma final de Copa, semifinal de Copa e nas primeiras vagas do nacional, ao mesmo tempo, com surto de Covid. Topa?

Dentro de campo, uma verdadeira revolução aconteceu, algo inimaginável pouco tempo atrás. Possuindo uma equipe extremamente vertical, o Palmeiras é hoje a equipe que mais rouba bolas no Campeonato Brasileiro. Segundo dados, em 26 jogos, são 580 bolas roubadas, com média de 22 recuperações por jogo. Nesse quesito, quem é o líder individual do elenco é Matías Viña, com 58, média de 3,22 por jogo.

Ao analisar a quantidade de bolas roubadas em cada um dos setores do campo, percebemos que a equipe de Abel Ferreira apresenta um leque de grande repertório nos locais nos quais furta a bola do adversário. Sempre exercendo pressão e intensidade, a pressão existe (e funciona) mesmo com bloco médio ou baixo. Veja só como nem tudo no jornalismo se resume a achar. Somos adeptos ao provar.

Ainda no aspecto defensivo, são apenas dez gols sofridos ao longo dos 17 embates, com 10 partidas sem sofrer gols. Durante o período, foram apenas 16 grandes chances cedidas e o número impressionante de 14 chutes para sofrer um gol. Enquanto isso, a equipe necessita de apenas 5 arremates para marcar.

Atacando, existem mecanismos para chegar à meta rival. Diferente dos últimos trabalhos, em que existiam problemas nítidos de circulação de bola, hoje, o Palmeiras trabalha desde a saída de jogo com toques rápidos, em progressão e poucos toques por jogador. E sem ter quase todo o elenco disponível e sem poder treinar UMA semana que fosse. Progressos enormes com o avião nos ares.

A movimentação e também a amplitude imposta pela equipe abre espaço para o armador jogar nas entrelinhas do adversário. Prova disso é o aumento de desempenho de Raphael Veiga e Lucas Lima, antes criticados, e que colecionam boas atuações nas últimas 17 partidas. Juntos, somam 7 gols e 4 assistências com Abel. De negociáveis (ou jogados pela porta da Academia) para imprescindíveis. Algo nos faz crer que seja a conjuntura da lua que motive a mudança.

Além da dupla, a sequência ajudou outros jogadores a retomarem suas confianças. Por conta do surto de contaminação do covid-19 no elenco, 29 atletas diferentes foram utilizados até agora, além de jogadores das categorias de base integrando o banco de suplantes. Emerson Santos e Gustavo Scarpa, não utilizados e criticados no antigo trabalho, ganharam bons minutos dentro de campo. Já Gabriel Silva e Renan, jovens também subutilizados, vêm aos poucos sendo lançados.

Em números gerais, o Palmeiras de Abel também apresenta bom repertório. Em 33 gols marcados desde que assumiu o clube, 11 atletas já balançaram as redes. Tendo Raphael Veiga como artilheiro, a boa diversidade mostra que não existe uma dependência individual no elenco, tal como já ocorreu em épocas passadas na presença de Dudu. Ainda que o importante fosse golear em todos os primeiros tempos para que satisfizesse os olhos oblíquos de quem não quer ver.

Mais do que apenas gols, o bom conjunto apresenta-se também em outros dados. Com 234 finalizações desde a chegada do treinador, o Palmeiras apresenta, em média, 14 finalizações por jogo. O dado que leva em consideração apenas o período Abel, coloca o Verdão como maior finalizador do Brasil, deixando o Atlético Mineiro, com média de 12 finalizações por jogo em 2020, na segunda colocação. Não à toa, o maior do Brasil é finalista da Copa do Brasil.

Os chutes são, na sua imensa maioria, algo planejado. 54% deles acontecem dentro da área adversária, enquanto 46% são de fora. Sabendo dos números, Abel utiliza bons finalizadores de longa e média distância em sua equipe. Somados seis gols na atual gestão, Gabriel Menino, Gustavo Scarpa e Patrick de Paula são destaques nas últimas partidas. Planos de um time que desenvolveu formas importantes de agir e reagir.

Tais chutes são a porta de entrada para que o fundamento se torne bola na rede. Embora a arma principal do Verdão seja jogada trabalhadas pela esquerda, que posteriormente se transformam em arremates, cruzamentos ou toques para o centro da área, também existe variedade nos lances de gol. As jogadas pela esquerda representam 37% dos tentos desde a chegada de Abel. 25% são pelo flanco direito, local onde Rony e Veron se dividem. 18% representam jogadas realizadas totalmente pelo centro e os 20% restantes saíram de bolas paradas.

Embora faça parte do jogo, mas seja desproporcionalmente criticado por alguns, em 33 gols marcados, apenas três saíram após cobranças de escanteio e um após cobrança de lateral. Lateral esse que, veja só, faz parte do jogo. Tal qual um escanteio ou uma falta. Como palavras e números fazem textos e como Abel e Palmeiras fazem um bonito trabalho. A única coisa que não se pode fazer é mudar pessoas.

De resto, Abel faz. E como faz. É só querer ver.