Opinião

João Sundfeld: 'A lágrima que não chorei pelo título'

Os que virão, poderão saber como foi viver Abel Ferreira e o maior time da história de um clube. Eu senti. Sinto. E sentirei para sempre

Abel Ferreira e Gabriel Menino
Abel Ferreira e Gabriel Menino comemoram contra Água Santa (Foto: Cesar Greco/Palmeiras)

Eu não gosto do Paulistão. Para mim, é um campeonato decadente que pouco importa para o resto do ano. Ganhar é legal, principalmente em cima de rivais como foi em 2020. Perder não significa muito. Sem fortes emoções ou lamentações.

Mas neste domingo (9) eu chorei. Afinal, homem também chora. Mas nenhuma lágrima escorreu ao longo do jogo ou ao apito final. Nem durante a cerimônia da taça, que quase perdi por estar trabalhando. Foi depois, sem relação com o título, no momento menos emocionante de uma conquista.

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Abel falava, eu ouvia. Como todos fazemos quase religiosamente – quando não conseguimos, lemos o que disse no dia seguinte. Ele continuava falando, eu com mais e mais atenção. Ouvido atento e olho aberto. Sem perder um detalhe, um segundo. E, enfim, veio. A lágrima que não chorei pelo título.

Foi por ele, o maior que vi. Eu ouvia declarações de amor ao clube que amo há 21 anos – até mais, quem sabe. Ele ama há três, ou quase isso. Mas equivale. O dia a dia, a paixão, a vontade de ver bem. A identificação que nunca tive com um treinador. Muitos passaram por puro profissionalismo, ganharam por qualidade ou perderam por falta dela. Mas ele foi quem mais vi amar.

Torcedor dentro de campo. Menos corneta, mais decisivo. Responsável pelo fim da discussão de quem é o maior. Afinal, uma hegemonia depois não há por que criar este tópico novamente. Ele que veio conhecendo tudo. Está sentindo mais. Sairá ciente de que encontrou o amor de sua vida.

O amor de todas as nossas. Minha, sua, todos os que em algum momento têm o privilégio de ter o sangue verde sendo bombeado pelo coração para o resto do corpo. Um clube de muitos títulos, amores, sensações. Muitas coisas difíceis de explicar. Até impossíveis. Afinal, Joelmir descreveu sem descrever e fez melhor que qualquer cronista quase amador faria.

A identificação e amor geraram a lágrima que um troféu outrora fundamental não gerou. Nas duas primeiras academias, um título levava ao delírio. Na terceira, é preciso menos que isso. Basta saber como acelera o coração de quem está à beira do campo em dia de jogo. Já adianto, acelera como o nosso.

Mas se engana quem pensa que foi só isso. Uma lágrima solitária, mas de muitas emoções, surgiu pelo privilégio. A noção de que se vive a história, de que quem veio antes infelizmente não pôde acompanhar como nós gostaríamos. Quem vem depois – filhos, netos ou qualquer outro – poderão apenas pelo YouTube. Como eu com Ademir ou a Libertadores por tantos anos.

Foram muitas vezes que acompanhei as melhores defesas de Marcos, que vi os melhores lances do Divino. Infinitas histórias que ouvi sobre ídolos que até então nunca havia ouvido falar, mas, por algum motivo, soavam tão familiares.

Sei o privilégio que é poder ter vivido tudo isso. E agora viver ainda mais. O Palmeiras é hoje, ontem e amanhã. Nasceu gigante e seguirá assim até muito depois da minha vida. Os que virão, poderão saber como foi viver Abel Ferreira e o maior time da história de um clube. Eu senti. Sinto. E sentirei para sempre.

Nos sorrisos no rosto, lágrimas no corpo e euforia de cada gol. Palmeiras é minha vida, e me emociona até no mais mísero detalhe.

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