Mauro Beting: Gol chorado é o título do pequeno textão
Não é que eu chorei aos 53min28s com o gol do atacante que só estava em campo pela lesão de Gabriel Veron. E também pela discutível escolha de Abel Ferreira de sacar Menino e o colocar em detrimento ao eficiente e experiente Willian.
Na cabine do SBT meus olhos não “suaram”
como se diz – e como em quase 30 anos de transmissões de rádio e TV nunca acontecera comigo. Meu Instagram e o YT da Jovem Pan são provas de que não mexo músculos nos gols a favor ou contra o meu time há 54 anos.
Mas não tem como segurar depois daquela longa viagem da bola do Danilo (que não deixou o Marinho craque da Liberta jogar) até Rony botar a América na cabeça de Breno Lopes com aquele passe perfeito… E mais a jornada do testaço que venceu o bravo Santos do hesitante John e do Pará vencido até a glória eterna de 2020…
O belo lance resume um jogo feio pelo calor, nervosismo, limitações e desgaste de temporada muito intensa, depois do maior destreinamento da carreira de atletas que não pareciam prontos a chegar ao Maracanã. De um Santos sempre Santos que superou o próprio Santos de tantos problemas. De um Palmeiras que era mais forte nas Libertadores anteriores – mas não chegava. Era um pênalti perdido contra o Barcelona em 2017, cinco minutos maledetti do Benedetto em 2018, quatro minutos de pane contra o Grêmio de Cebolinha em 2019 até o Palmeiras também de Cebola em 2020 nos fazer descascar a alma e chorar como…
Até chegar à decisão mais forte e preparado que em um delírio de Breno Lopes.
“QUEM??”
eu me perguntei e a torcida do Palmeiras há dois meses.
O Betinho versão 2020-21 do atacante que deu a Copa do Brasil-12 ao Verdão. O ponta que chegou do Juventude (ex-irmão de leite nos anos 1990). Atacante que veio da Série B em 11 de novembro de 2020 saudado por um tuíte bem corneta de um torcedor: “é esse que vai fazer o gol no final da Liberta?”… Respondido por outro espírito de porco literal: “Com assistência do Rony…”.
O “rústico” atacante que parecia que só o Teo José ainda acreditava no Palmeiras em setembro. O que era meme do tipo “falta um gol pra Rony chegar à marca de um gol pelo Palmeiras”. Até o mais caro investimento de 2020 debutar – no final de setembro! Quase um mês antes de Abel ser anunciado no Palmeiras, num mesmo dia 30 de eterna glória como a Academia. Onde em três meses e absurdos 26 jogos no período conseguiu o que parecia absurdo e abuso: duas finais. E a América reconquistada aos 99 minutos oficiais de jogo depois dos jogos eternos de 1999.
A LONGA JORNADA
As bolas de Danilo, Rony e Breno Lopes viajando por horas para sempre é um pouco toda a nossa jornada como torcedor em tantas copas e canecos erguidos. Mesmo vestindo de útero a camisa campeã do Século XX, a gente de verde não imaginava que a história internacional da Copa Rio de 1951 iria se repetir 70 anos depois no maior palco do continente. Ainda mais cruzando o rubicão das tormentas do grande River campeão da década. No Rio que é casa do maior favorito ao título de bi-tri em 2020: o Flamengo ali vencido nas oitavas pela Academia da Argentina – Racing. Abrindo o campo para a Academia brasileira de bola dar outra palestra de vitória.
Eu não “chorei” na cabine porque não foram lágrimas de alegria. Foi um transbordamento de sentimentos. De uma vitória de decisão inesperada para o clube no Brasil que desde a primeira conquista há 100 anos se espera vencer – ainda mais contra o enorme rival que mais foi vencido e mais tomou gols do clube desde 1914. De um gol de alguém que há três meses mal sabíamos (se conhecíamos) quem era. De um gol no final de um jogo arrastado e que fedia aos mesmos pênaltis campeões de 1999 por São Marcos-12. E que pareciam que seriam do paredão de acres do tamanho do Weverton. O número 21 que merece a 12 prometida. Mas que merece ainda mais eternizar a 21 do craque verde na Libertadores de 20.
Mesmo ano da Pazza Gioia no século passado. Ano da maravilhosa surpresa do século XXI.
O do número do Weverton.
O 21
O vazamento hidráulico ocular no gol do bicampeonato é pelo meu amor maravilhosa de olhos verdes como o coração; é do meu filho caçula que perdeu um açaí apostado com minha filhota que disse que Breno faria o gol do bi; do meu mais velho que celebrou com a namorada; do meu irmão que não viu de novo o jogo que nem ouviu e foi lavar o carro – quando saiu o gol e meu fratello saiu pelas ruas buzinando com a espuma que não deixou tirar do carro.
Emoção pelo coração que levou em Diadema o Matheus aos 26 anos. É a lágrima do meu querido coleguinha calabrês que vai comigo um dia na Castelões celebrar quando acabar a pandemia. É por todos os amigos e as vítimas que a Covid levou. É pelo meu pai que certamente não estaria ouvindo o jogo que comentei pela TV aberta – que fez a maior cobertura de uma decisão de Libertadores (outra vitória inesperada nossa quando começou o torneio).
É pela minha mãe que só soube pelos rojões o que aconteceu.
Mamma que não tem a menor ideia de quem seja Breno Lopes. O atacante que fez o gol na mesma meta em que Liminha empatou o 2 a 2 de 1951 contra outra grande esquadra alvinegra na final da Copa Rio. Dez anos antes de o meu pai ter a ideia de homenagear o santista Pelé com a placa do golaço contra o Fluminense. No mesmo Maracanã que viu mais uma vez o Palmeiras dar uma volta olímpica internacional.
DE PLACA
De novo vão colocar asteriscos na conquista do maior campeão do Brasil sobre o segundo maior… Subir hashtag #finalfeia. E a ladainha de latrina: só ganha título porque o Paulo Nobre, a Tia Leila, a Parmalat, os mecenas, o Mussolini, os Matarazzo, o Maracanazo, o Império Romano, a Itália que parece uma bota que chuta, que ainda falta a Copinha e o Mundial….
Perdoai-os, Ademir da Guia. Eles não sabem. E é impossível tentar explicar.
A César o que é do Maluco. Aos Césares o que é do maior artilheiro palmeirense e também de Sampaio, o outro César capitão campeão de 1993 e 1999, que estava na tribuna do Maracanã. Como se fosse erguer com Gómez a taça do clube do coração de menino.
Como a sensação daquele gol que não me deixou falar por alguns minutos na transmissão. Quando então voltei a comentar como se fosse um jogo qualquer. Mesmo sendo o jogo até o apito final.
Eu então peguei o vagão de trem que o @minigraffitis fez e me entregou na véspera. Um amigo do meu filho pinta em trenzinhos de miniatura como se fosse grafite. Pedi a ele há meses que fizesse um vagão do Trem de Prata. O mesmo que trouxe o Palmeiras do Rio à estação Roosevelt paulistana em 1951, depois de superar a Juventus. Ele usou algumas artes da época e grafitou o vagão como se fosse hoje. E como foi mesmo eterno.
No apito final eu estava com o vagão na mão. Como se fosse uma outra jornada imaginária. Onírica.
Ou nem no melhor sonho.
Por isso tantas lágrimas. Ao menos as minhas. Imagino as outras tantas de um gol literalmente chorado. De um gol de um campeão, com o perdão da expressão, literal.
Eu só nao acredito como eu ainda nem sempre acredito no Palmeiras.
Mesmo que não estivesse bem ainda com o campeoníssimo Luxemburgo que fez o clube ter a melhor campanha da fase de grupos da Libertadores – pela terceira vez seguida. Mesmo com o futebol fraco que o levou a ser corretamente demitido por aquilo que não conseguia produzir. E eu não imaginava que conseguiria com outro treinador como Heinze ou Ramirez ou Holan. Minhas escolhas. E que talvez não fizessem tudo que o Abel (que não cogitaria) que também me fez derreter no Maracanã (e não pelo calor) me fez. Com o ótimo trabalho do Cebola no meio.
É isso. Chorei como se estivesse cortando cebola. Não o professor que bem preparou e arou o terreno para a conquista verde.
Título dos três porquinhos Danilo (o melhor em campo na final), Patrick de Paula (do Complexo de Santa Margarida onde foi treinado pelo pai do Deyverson para a Taça das Favelas de onde foi pescado pelo Palmeiras) e Gabriel Menino. O múltiplo talentoso cujo staff me deu a honra de gravar um vídeo motivacional antes da decisão para a família e amigos entregarem no celular dele, 13h40 do sábado.
Campeões como o Veiga. Verdão de berço que prometeu ao avô que seria um dia jogador. Mas nem em sonho campeão da América como titular.
Luiz Adriano que sabe o que é ser campeão pelo mundo todo. Willian reserva de moral de integridade campeã. O capitão Gómez que com Luan faz outra dupla vencedora que superou críticas – como Scarpa driblou a má fase e foi exemplo de virada de jogo. Zé Rafael que era atacante, meia, virou volante com Luxemburgo, e essencial ao time. Marcos Rocha bicampeão da América vencendo e tretando no final com o mestre Cuca do Galo de 2013. Viña uruguaio como o Peñarol que não deixou o Palmeiras ganhar a primeira Liberta em 1961. Lucas Lima que ainda não é aquele. Wesley que vinha sendo até se lesionar. Alan Empereur que entrou na fogueira em Avellaneda e foi outro exemplo de um Palmeiras campeão de virar vaticínios e a turma do nariz virado e do cotovelo quebrado.
Palmeiras da corneta e cornetado pela própria gente e por quem parece que não é gente. Mas que merece mesmo sofrer com a trajetória vencedora do brasileiro que mais gols marcou e mais partidas venceu no torneio desde 1960.
Palmeiras de superação como Felipe Melo que não tinha condição de jogo para estar já em campo e foi de novo essencial dentro e fora de dele. “Capacitado” pelo esforço dele e de comissão técnica e núcleo de ciência especiais. Que acreditam e sabem muito.
Muito mais do que eu que não acreditava em tudo isso. Mesmo sempre acreditando no Jailsão campeão. No trabalho desde a base e pela base de Cícero Souza desde 2015, ajudando Anderson Barros na conquista. Maurício Galiotte que perdeu o pai durante a maior crise em 2020 – mas não a serenidade para acertar na escolha arriscada como se fosse Dudu dando tudo. Qualquer Dudu de nossa história. Do monstro Olegário das Academias ao Baixola que, como Bruno Henrique, também fez parte de mais uma campanha campeã.
Campanha Palmeiras. Muito palmeirense.
De fazer a gente perder as forças. Ou ganhar a força do Palmeiras.
Esse que nos tira a estamina, jamais a estima. Fé no pé que nos faz levantar todo dia e acreditar que a gente pode ser Breno Lopes.
Algumas vezes me perguntam se eu gostaria de não ser mais jornalista para poder celebrar mais a vida. Mais o Palmeiras que fez a minha vida.
Mas eu me imagino na torcida no Maracanã com o Gabriel, o Luca, a Sil e a Mano se tivesse mais público. Ou lá em casa pelo SBT sem os meus comentários – mas com os do craque Jorginho: na cabeçada do Breno Lopes eu também não veria mais nada. Eu estaria sublimando do estado sólido para o gasoso. Minto. Eu também não iria celebrar o gol. Derretido em lágrimas.
Eu seguiria sentado. Olhando pro infinito Palestra Italia. Pensando em tudo que se penou. Sentindo tudo que se Palmeiras.
Eu estaria “chorando” em qualquer lugar e de qualquer jeito.
Tentando depois escrever um textão para tentar descrever. E falhando miseravelmente.
Eu ainda não aprendi. Mas sigo tentando como se fosse o Palmeiras de Abel que não desiste.
Ainda vou achar palavras como Rony descobriu Breno.
Eu prometo. E vou ajudar a pagar o açaí da Manoela prometido pelo Gabi.
Porque promessa não é dívida. É honra.
E honra é o que eu realmente senti naquela bola que quando saiu da testa de Breno a gente já sabia que entraria primeiro para a história.
Depois pra mesma meta de 1951.