O Palmeiras conquistava o mundo no Maracanã em 1951

Título mundial do Verdão foi pauta mundial, ajudou na autoestima do futebol brasileiro e completa 70 anos em 2021

Estreando em algumas horas no Mundial de Clubes, no Catar, diante do Tigres do México, o Palmeiras participa pela terceira vez do torneio, sendo a primeira nos moldes atuais. Vitorioso em 1951 sob a Juventus, em partida realizada no Maracanã, e derrotado em 1999 diante do poderoso Manchester United, o Verdão chega em 2021 com a missão de parar o duríssimo Bayern de Munique.

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Muitas vezes contestada por rivais e causa de certa indecisão da própria FIFA, a polêmica conquista do Palmeiras na Copa Rio de 1951 completa 70 anos em 2021. Embora ainda hoje exista um grande debate no mundo futebolístico acerca da importância do torneio, o troféu foi tratado por parte da imprensa da época como um Mundial e símbolo de um recomeço do futebol brasileiro após o triste episódio do Maracanazo em 1950.

A competição foi organizada pela Confederação Brasileira de Desportos (atual Confederação Brasileira de Futebol) em parceria com a FIFA e teve o seu nome oficial como Torneio Internacional de Clubes Campeões, embora tenha ficado popularmente conhecida como a Copa Rio ou Taça Rio. O principal intuito do campeonato acontecer era não deixar que a frustração após a perda do título da Copa do Mundo de 1950 para o Uruguai esfriasse a paixão do brasileiro pelo futebol, que crescia vertiginosamente no fim da década de 1940.

A CBD e a FIFA, repetindo a decisão da Copa do Mundo, oficializaram a Superball para o I Torneio Mundial de Campões — Copa Rio (Foto: Twitter Jota Christianini)

Para participar, foram escolhidos oito clubes vencedores: O Nacional, campeão uruguaio em 1950, era uma das bases do Uruguai campeão da Copa do Mundo. A base do Brasil, vice-campeã em 1950, jogava pelo Vasco, campeão carioca do mesmo ano. A Iugoslávia, quarta colocada da Copa, era composta por mais de 50% de jogadores do Estrela Vermelha, campeão iugoslavo em 1950.

Além das três equipes que serviam como bases de suas seleções nacionais, ainda participaram do torneio, o Áustria Viena (campeão austríaco da temporada 1949/50 e terceiro colocado na temporada 1950/1951), Sporting (campeão português da temporada 1950/51), Nice (campeão francês da temporada 1950/51) e a poderosa Juventus de Turim, campeã italiana da temporada 1949/50 e terceira colocada no ano seguinte.

Fechando os oito participantes, o Palmeiras foi convidado, uma vez que era o detentor do Campeonato Paulista de 1950, Torneio Rio-São Paulo de 1951 e bicampeão da Taça Cidade de São Paulo (1950 e 1951).

Tendo quase um mês de preparação exclusiva para o campeonato, o Palmeiras sediou a chave localizada em São Paulo, no Pacaembu, ao lado de Olympique de Nice, Estrela Vermelha e Juventus. Já no grupo B, o Vasco hospedava Sporting, Nacional e Áustria Viena no Maracanã.

Mesmo com o apoio incessante da torcida com aproximadamente 30 mil torcedores no recém inaugurado Pacaembu, o clube palestrino comandado pelo uruguaio Ventura Cambón conseguiu a classificação apenas com a segunda colocação. Vitórias por 3–0 no Nice, 2–1 sob o Estrela Vermelha e um duro revés por 4–0 diante da Juventus colocaram o alviverde cara a cara com o duríssimo Vasco nas semifinais realizadas no Rio de Janeiro.

Jogando longe de seus domínios, o Palmeiras derrotou os cariocas por 2 a 1 no primeiro jogo e segurou um empate sem gols no segundo, garantindo a vaga na final diante da Juventus, algoz alviverde na primeira fase, que havia passado com tranquilidade sob o Áustria Viena. Pouco mais de um ano após o Maracanazo, os brasileiros novamente poderiam ver o Brasil — dessa vez representado por um clube — em uma decisão no mesmo palco do trauma de 1950.

Se no Brasil o clima era de reerguer a moral e conseguir novamente confiança, na Itália os jornais estampavam o otimismo europeu em levar mais uma conquista mundial para o velho continente, em alusão as Copas de 1934 e 1938, vencidas pela Itália.

”Agora acredito na vitória! Estamos mais organizados e por isso penso que seremos, novamente, campeões mundiais’’ disse Vittorio Pozzo, treinador da Azurra bicampeã em 1934/38 e campeão olímpico em 1936.

A Gazeta reproduzia a entrevista de Vittorio Pozzo, que acreditava na vitória da Juventus para a Itália ser ‘’novamente campeões mundiais’’ (Foto: Acervo Gazeta)

No primeiro confronto da decisão, o gol solitário de Rodrigues aos 21 minutos da etapa inicial deu números finais a partida e deixou a vantagem do empate no jogo de volta com o Palmeiras. Segundo o caderno desportivo do Diário Popular do Rio de Janeiro, tradicional jornal carioca, o brilhante futebol alviverde merecia um placar mais elástico, no entanto, a sólida defesa italiana conseguiu segurar muito bem o ataque brasileiro.

Diário Popular do Rio de Janeiro faz a tradicional crônica do primeiro jogo (Foto: Acervo Diário Popular)

Três dias mais tarde, mais de 100 mil pessoas estavam presentes para prestigiar novamente o futebol brasileiro e curar de vez a ressaca causada pelo Uruguai em julho de 1950. Segundo consta os jornais esportivos da Gazeta Esportiva, um ‘’intenso movimento de torcedores paulistas’’ acorriam na Capital da República. Além dos paulistanos, cariocas também abraçaram a torcida pelo Palmeiras, deixando de lado qualquer remorso da eliminação vascaína, para dar lugar a um profundo sentido de brasilidade.

“Acorrem à Capital da República numerosos visitantes, atraídos pelas finais da Taça Rio”. Milhares de Paulistas foram até o Rio de Janeiro assistir o segundo jogo da decisão (Foto; Acervo Gazeta)

Taticamente falando, o Palmeiras entrou naquele 22/07/1951 atuando no esquema conhecido como WM. Um 3–2–2–3 padrão, tendo Jair Rosa Pinto como responsável por fazer a equipe funcionar, uma vez que o camisa 10 atuava atrás do trio de ataque e ao lado do camisa oito Ponce de Leon, que buscava a bola dos volantes. Enquanto o futebol carioca já se encaminhava para o 4–2–4 eternizado com a seleção de 1958, os paulistas ainda recorriam ao antigo e ajustado WM.

Vale ressaltar, que o goleiro titular e ídolo Oberdan Cattani vivia maus momentos ao longo da competição e após a derrota por 4–0 diante da mesma Juventus na primeira fase foi sacado do time para a entrada do reserva Fábio Crippa. Com o resultado negativo nas costas do veterano e o bom desempenho de Fabio nas semifinais, o jovem de 22 anos foi mantido para a grande final.

Escalação alviverde para a final (Via: TaticalPad)

Entrando no gramado do Maracanã aos gritos de “Brasil, Brasil”, os onze titulares corriam segurando a bandeira brasileira, gesto muito parecido com o da Arrancada Heroica em 1942, na qual o clube morria líder como Palestra e nascia campeão como Palmeiras.

Precisando da vitória a qualquer custo, os italianos foram pra cima, e logo aos 18 minutos abriram o placar com Praest. Amarrando o jogo de todas as formas, pouco pode fazer o Palmeiras para não deixar o campo perdendo a partida no intervalo. No entanto, logo aos dois minutos da etapa final Rodrigues aproveitou o rebote do chute de Lima que parou no travessão e levou ao Maracanã ao delírio.

A festa durou pouco mais de dez minutos, e novamente aos 18 minutos Karl Hansen recolocou a Juventus na frente. Apreensível e com medo de uma nova derrota, a torcida permanecia calada. O fim da angústia e o início da comemoração só vieram com Liminha quando os ponteiros já marcavam 32 minutos da etapa final. O atacante que vestia a camisa 9 driblou dois marcadores italianos, chutou sobre o goleiro Viola, pegou o rebote e entrou com bola e tudo no fundo das redes. A multidão novamente gritava ‘’Brasil, Brasil’’ e o Palmeiras era campeão.

Após o título, A Gazeta Esportiva se referiu ao Palmeiras como ‘’Campeão do Mundo’’, enquanto o Jornal do Brasil ressaltava como o clube “tão bem soube levantar a moral do futebol brasileiro, conquistando o título de campeão dos campeões do mundo”. No Uruguai e na Itália, os periódicos também cravavam em letras que no Brasil havia de ter o primeiro campeonato mundial entres clubes.

Gazeta Esportiva saúda Palmeiras Campeão do Mundo em sua capa (Foto: Acervo Gazeta)
Jornais do mundo inteiro noticiavam a vitória alviverde (Foto: Dossiê Palmeiras)

Logo depois do apito final, a comemoração começou nas ruas do próprio Rio de Janeiro. Sob um carro aberto, jogadores viam misturados palmeirenses e torcedores de outros clubes festejando a conquista que marcou a restauração do sentimento de brasilidade de cada torcedor pós trauma de 1950. Em São Paulo, o elenco foi recebido na Estação Roosevelt por cerca de 1 milhão de torcedores, que acompanharam os atletas até o estádio Palestra Itália.

Jogadores com a faixa de campeão no jogo seguinte ao título, ao lado de flores entregues pelo Juventus da Mooca antes da partida (Foto: Acervo Palmeiras)

Com tamanho sucesso, a Copa Rio foi uma das inspirações de Ottorino Barassi para a criação da primeira versão do que hoje é conhecida como a atual Liga dos Campeões da Europa, batizada originalmente de Copa dos Clubes Campeões da Europa. Em declaração para o jornal italiano “TuttoSport”, Barassi afirmou na época que o torneio foi o ‘primeiro grande encontro de clubes campeões da história do futebol’. Já Giampiero Boniperti, um dos maiores atletas que já passaram pela Juventus, disse acreditar que o torneio se propôs a ser um mundial, como podemos perceber em sua fala completa, disponível no livro Dossiê Palmeiras.

– Acredito que foi realmente um torneio que se propôs a ser mundial, com os maiores clubes do mundo. Lembramos dessa Copa Rio com grande paixão e estima. Nós fizemos uma campanha extraordinária com a minha Juventus.

A fim de buscar o devido reconhecimento, desde 2001, no 50º aniversário do título conquistado no Maracanã, o Palmeiras pleiteou por parte da Fifa a condecoração da Copa Rio como torneio mundial interclubes. Anos mais tarde, em 2007, durante mandato de Affonso Della Monica, através de um dossiê, finalmente o clube paulista entregou a entidade máxima do futebol uma série de documentações, relatos de atletas e até mesmo capas de jornais provando a ligação entre a FIFA e a organização do torneio. No mesmo arquivo, foi mostrado que a disputa de um campeonato mundial de clubes era um sonho antigo de Jules Rimet, que planeja organizar o campeonato em 1939, mas devido a eclosão da II Guerra Mundial (1939–1945) o plano teve que ser adiado em 12 anos.

Em reunião realizada em São Paulo no dia 7 de junho de 2014, o Comitê Executivo da FIFA concordou com o pedido apresentado pela CBF para reconhecer o torneio disputado em 1951 entre clubes europeus e sul-americanos como a primeira competição interclubes e o Palmeiras como o seu vencedor. A reunião foi constatada em uma ata oficial documentada pela entidade máxima do futebol e enviado ao e-mail do clube.

No entanto, a decisão foi anulada pelo atual presidente Gianni Infantini, que passou a considerar Mundiais apenas aqueles que foram organizados de 2000 em diante pela FIFA. Meses depois, em outubro de 2017, a Fifa realizou reunião na Índia e modificou o posicionamento sobre os clubes campeões mundiais, sem, no entanto, contemplar uma mudança sobre o Palmeiras. A entidade máxima do futebol passou a reconhecer também os títulos disputados entre clubes sul-americanos e europeus entre 1960 e 2004.

Podemos rechaçar também, que embora a Copa Rio foi disputada em 1952, a edição não teve envolvimento da FIFA e foi financiada pela Prefeitura do Rio de Janeiro em parceria com o Fluminense. Com isso, o torneio não se caracterizou como Mundial e nem mesmo foi reivindicado pelo Fluminense.