O poderoso chefinho, a máfia italiana e a maior metáfora da década
Nunca antes na história Abel Ferreira havia sido tão Abel Ferreira
Não consigo recuperar na memória uma jornada tão autoral. Com assinatura, marca d’água e de de jogo tão evidentes e à portuguesa. Abel e seus comandados trilharam uma cartilha concebida por eles, ao longo de sua história, aos seus moldes e modelos, com suas cicatrizes e sofrimentos, calos e conquistas. Eles não mudaram por alguém, não ouviram o trinado externo que, bem como fazem as presas antes de morrer, já preludiavam o épico.
Abel tem seus costumes, mas tantas e tantas vezes acaba por ignorar parte deles em razão do ambiente. Disfarça, ameniza, se contém. Não ontem. Não nesta jornada de quase 100 minutos que testou a mentalidade vencedora de um jovem que aprendeu a vencer antes mesmo de aprender os caminhos para isso. Ele não moveu uma peça sequer em seu tabuleiro. Aceitou a ameaça, compreendeu o momento e esperou, frio, calculista, consciente e adaptado ao caos, o momento pra mover.
Mafioso, no melhor e mais italiano sentido.
Quando moveu, gerou um ? em todos que assistiam à disputa intensa por uma vaga na final da Libertadores. Entre todos os pontos de desconfiança, existia um norte de convicção, que era composto por quem tem Abel como comandante. Seus atletas pareciam muito cientes do que significava a mudança que carregava ares de conservadorismo. O Palmeiras deixava a disputa com a manutenção daquele resultado, então, era digno de questão o porque de uma mudança de ‘baixo impacto’.
Se você olhar pro detalhe, coisas boas aparecem. Ninguém questiona. Nem Rony, que deixou o campo ‘calmo’. Logo ele, que reage com mais veemência. Abel parecia conter o caos, pouco a pouco, materializado pelo gesto que apontava pra mente, pedindo controle. Com exceção ao lance de Eduardo Vargas, perdido pelo atacante, o resto parecia um grande plano do professor. Não o de óculos e que fala espanhol, numa séria de fantasia, mas do português que criou caminhos concretos e reais.
O resto, sabemos como foi. Prefiro me ater ao apito final. O que acontece deste segundo para a madrugada adentro é um roteiro de fado. Boêmio e vadio, diria o cancioneiro portuga.
A reação de Abel Ferreira é a de quem estava eufórico, maluco de raiva e satisfação pela conquista, mas, mais que isso, por tatuar na testa de muita gente a sua competência. O comandante do Palmeiras venceu, também, por ele. Por sua convicção, por sua história, por sua carreira. Em defesa do seu trabalho duro, de suas raízes, de suas passagens, sofrimentos e inseguranças. Ele se venceu, ele se provou, de novo, e extravasando meses de tensão, falou de seu vizinho, a quem dedicou, por eufemismo, um grandessíssimo ‘chupa!’.
Abel me lembra muito o ilustríssimo Vito, daquela trilogia. De uma compostura britânica para negociar, com uma veemência cinematográfica para agir. E com sangue nos olhos, nas veias e, se precisar, metaforicamente, até nas mãos. Ele se suja pelos seus. Custe o que ou quem custar. Ele vai pra briga, de armas em punho ou palavras na ponta da língua. Encara, arregala os olhos e peito aberto. Se ressente, dramatiza, sofre, celebra, desabafa, explode. Nem sempre se orgulha, nem sempre reitera, mas nunca recua. A grande qualidade dos vencedores. Ele é a linha tênue entre a certeza e da teimosia, um estereótipo conhecido umbilicalmente por todos nós.
Sabe qual? O do palmeirense!
Abel viveu uma noite de livramento, de batismo, de exorcismo, de libertação, de fascínio e de caos. Tudo aquilo que ele é, tudo aquilo que ele incutiu em seu elenco. Tudo aquilo que ele causa em todos nós. E, saiba, tem mais! Tudo aquilo que motivou um famoso canto das arquibancadas, que falava de uma instituição tão querida por mim, da qual faço parte, mas que hoje não é tão bem representada. Abel causa inveja. Ao ponto de injúrias se espetacularizarem nos sites e nas televisões.
Enfim, é como dizemos e como Vito fazia:
Não importa o que diga.