Guilherme Paladino: Palmeiras, Maquiavel e quando o barato sai caro
"Portanto, àqueles nossos príncipes que tiveram por muitos anos o seu principado, que não acusem a fortuna por tê-lo perdido, mas a sua própria indolência por não terem jamais, em épocas de paz, pensado que os tempos poderiam mudar"
Leia a coluna de Guilherme Paladino para o Nosso Palestra: Palmeiras, Maquiavel e quando o barato sai caro
“Prefiro que uma negociação não aconteça do que extrapolar um determinado limite que a gente tenha definido com nosso departamento financeiro (…) Nos últimos anos, falamos da necessidade de equilíbrio administrativo e competir. E o Palmeiras está chegando nas finais. Às vezes não conquista por uma série de detalhes, mas chegamos em basicamente todas as competições.”
Esta declaração de Anderson Barros ao ‘Seleção SporTV’, há pouco mais de uma semana, resume a postura administrativa do Palmeiras desde o início de 2020.
É louvável que a administração de um time de futebol não se curve ao populismo e não ignore a responsabilidade financeira para fazer contratações bombásticas que, no futuro, comprometeriam o caixa da instituição. Ainda mais em uma pandemia, é imprescindível redobrar o cuidado neste aspecto. Contudo, é preocupante que uma gestão de um clube de primeiro escalão confunda as coisas e não entenda que a passividade em excesso pode custar ainda mais caro do que um investimento propriamente dito.
A velha máxima “time que está ganhando não se mexe” não tinha validade nem em 1513, quando Maquiavel já alertava: “Se um príncipe se conduz com prudência e paciência, e os tempos e as coisas contribuem para que seu governo seja bom, será bem-sucedido. Mas, se mudarem os tempos e as coisas, e ele não mudar o seu modo de proceder, então se arruinará.”
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O futebol, dentro e fora de campo, não é estático. Em campo, um time pode evoluir, cair de produção, contar com a “sorte”, oscilar, ter sucesso, fracasso, entre outras infinitas variáveis. Fora de campo, os concorrentes podem se organizar, contratar reforços, contratar treinadores capacitados, entre mais outras infinitas variáveis. Fato é que, com o avanço do tempo, nada permanece como está.
E, apesar de o Palmeiras ter conquistado três competições na temporada de 2020, isso ficou na temporada de 2020. De lá para cá, como diz Maquiavel, “os tempos e as coisas mudaram”, e a concorrência (tanto no Brasil quanto na América do Sul) se movimentou, fez contratações relevantes, fez mudanças no comando técnico e está se aprimorando a cada dia.
O campeão da Libertadores, que não aprendeu nada com o filósofo florentino, contentou-se em “chegar a todas as finais” desde então, mesmo tendo sido derrotado na Recopa, Supercopa e Paulistão, até o momento da declaração do diretor de futebol. Agora, o atual campeão da Copa do Brasil também está eliminado da edição de 2021 deste importante torneio nacional. A queda veio no primeiro confronto da equipe, diante do CRB, da segunda divisão do Campeonato Brasileiro.
Com isso, o clube, que esperava arrecadar, no mínimo, cerca de R$ 10,3 milhões nesta competição, pois planejava chegar às quartas de final, arrecadou menos da metade: R$ 4,2 milhões, por ter caído na terceira fase. Caso chegasse às semifinais, embolsaria R$ 17,65 milhões, ao todo. Se repetisse a conquista da temporada passada, algo factível justamente por ter acontecido há menos de quatro meses, arrecadaria R$ 73 milhões (sempre contando com as premiações por fase avançada).
Para sonhar alto, é preciso qualificar o elenco. Já ter conquistado tudo em um ano não garante que isso vá acontecer de novo, pois, para tal, a diretoria alviverde precisaria contar com a inércia da concorrência, o que é impensável, mesmo em uma pandemia. E, para qualificar o elenco, investimentos são necessários. A louvável preocupação com o equilíbrio financeiro não pode desconsiderar a necessidade técnica, que também traz retornos para o caixa.
Em 2020, o Palmeiras assinou com Rony, a segunda contratação mais cara da história do clube: 6 milhões de euros (cerca de R$ 28,4 milhões) por 50% dos direitos econômicos do atleta. Fundamental nas conquistas da Libertadores e Copa do Brasil, com participação direta nos resultados das fases finais de ambas as competições, o atacante no mínimo já retornou seu investimento. Afinal, somente os dois títulos somaram, ao todo, R$ 213 milhões (é isso mesmo) aos cofres alviverdes. E, sendo um ativo do clube, ele pode render ainda mais dinheiro em uma futura negociação.
O mesmo vale para Matías Viña, que foi titular e crucial ao longo de ambas as campanhas, e Breno Lopes, autor do gol do título continental. Todos os citados foram contratados na mesma temporada. O retorno vem com investimento.
“Mas o Rony, Viña e Breno Lopes não ganharam sozinhos, e o prêmio também ajuda a sustentar o restante do elenco, que é qualificado e caro!” De fato. Mas sem Rony, Viña e Breno Lopes, os títulos teriam sido conquistados e as premiações teriam ajudado a sustentar o qualificado e caro elenco? Ou teria sido mais um ano em que o qualificado e caro elenco bateu na trave e não conseguiu se justificar? Novamente, o retorno vem com investimento.
E é evidente que estes exemplos não devem ser usados para justificar irresponsabilidades ou excessos. Mas a ‘responsabilidade’ também não pode ser muleta para omissão. A equipe com o maior patrocínio do país não conseguiu se programar para contratar um reserva para a posição de centroavante, que já foi pedido publicamente por Abel Ferreira e é uma necessidade que existe desde o início de 2020, quando Borja e Deyverson foram emprestados?
Já era de conhecimento geral que as Eliminatórias da Copa do Mundo, a Copa América e as Olimpíadas desfalcariam o Palmeiras por mais de um mês. O time que arrecadou mais de R$ 250 milhões em premiações não tinha dinheiro para preparar substitutos qualificados para as laterais?
E, em meio a tudo isso, discutir renovações com atletas de idade avançada, que ocupam espaço no elenco e na folha salarial, que não darão retorno financeiro e entregam cada vez menos retorno técnico, condiz com a postura responsável?
Voltando à realidade, o clube já está eliminado da Copa do Brasil e já fracassou em todos os objetivos da temporada até o momento. Desta forma, ou a diretoria terá que rezar muito para que “os tempos e as coisas” contribuam e que o ano ainda seja salvo por um grande título, ou, paradoxalmente, o barato vai sair caro, e a economia vai resultar em um prejuízo que poderia ter sido evitado.
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