P de Paulo
Quem escreve a seguir é um amigo, craque no que faz, filho do Paulo que partiu na primeira manhã de 2021
Quem escreve a seguir é um amigo, craque no que faz, filho do Paulo que partiu na primeira manhã de 2021
“O maior palmeirense que eu conheci faleceu aos 65 anos. Ele lutou bravamente contra um câncer e se foi logo após a virada.
Fruto de uma união Romeu e Julieta da imigração europeia em São Paulo: o meu avô era um calabrês da TUP, a minha avó era de Cádiz e uma corintiana fervorosa; meu pai contava sobre os jogos que viu contra o Santos de Pelé, o gol de Ronaldo em 1974, o 12 de junho de 1993, o 16 de junho de 1999, e até as minhas lembranças pessoais com o cara que me levou a ser palmeirense e jornalista.
Eu passei a ir aos jogos com ele no fatídico 2002. Mas só a partir de 2013, quando entrei na faculdade, passei a viver todos os dias com meu pai e ir muito mais aos jogos. Entre 2015 e 2017, vivemos as melhores lembranças de Palmeiras juntos. Só que a partir de 2017, por deveres profissionais, eu não conseguia ir direto aos jogos com ele.
Como ele foi tantas vezes com meu avô João. Eles tinham uma tradição em títulos: voltar para casa a pé e pular juntos na cama quando chegassem em casa. Várias camas foram quebradas nos anos 1970. Em junho de 1999, meu pai assistiu das numeradas do Palestra (lugar que odiava porque gostava de ficar pulando o jogo inteiro) o pênalti do Zapata. O que ele fez depois foi relembrado no velório: ele desceu as escadas da numerada dando cambalhotas. Como sempre, voltou a pé para casa, usando uma máscara do Mister M. Minha irmã mais velha se lembra até hoje do susto. Todos os filhos choraram naquela madrugada e minha mãe não ficou nada feliz. Eu tinha 5, minha irmã Paula 8, e a mais velha Mariana, 11.
Em 17 de novembro de 2002, meu pai tomou uma decisão drástica. Alugou “O Retorno da Múmia” e obrigou a família a assistir no domingo à tarde. Ele nem conseguiu prestar atenção no filme, evidentemente. Quando acabou, correu pro quarto, ligou o radinho e eu fui junto com ele: “o Palmeiras é um dos quatro rebaixados”, dizia o rádio, depois da derrota para o Vitória, na última rodada da primeira fase do BR-02. Eu chorei como uma criança de 8 anos. Ele como um palmeirense com mais de 40.
Em 2012, ele estava sozinho em São Paulo na decisão da Copa do Brasil. Muito nervoso, saiu para caminhar nas ruas dos Jardins no segundo tempo. Parou em um bar e viu o gol do Coxa. Andou de maneira ainda mais perdida. Quando viu o gol do Betinho, pela calçada de outro bar, correu para a Paulista. Ficou até a madrugada comemorando com garotos da minha idade. Um deles disse a ele: “eu queria que você fosse o meu pai”.
Em 2 de dezembro de 2015 é a memória mais feliz que tenho com ele. Saímos juntos do meu trabalho e fomos ao Allianz Parque para receber o ônibus. Ficamos na superior norte atrás do mosaico do Prass. Já o pênalti do nosso goleiro ele não viu: estava ajoelhado com o rosto colado no chão. Realmente temi pelo coração dele naquela noite. O que fizemos? Voltamos a pé para casa.
Mas não quebramos a cama.
Nas nossas conversas, o Palmeiras ocupava 75% do tempo. Até o último dia. Na quarta-feira passada, soube que o estado dele tinha piorado. Hoje trabalho fora de São Paulo e liguei em vídeo para ele. Falei: “nada de assistir Palmeiras x América hoje, hein!”. Ele não podia passar por fortes emoções.
Na quinta, quando liguei novamente, porque só minha mãe conseguiu subir na UTI, falei “estamos na final, Luiz Adriano e Rony, vamos pegar o Grêmio”. Ele respondeu, com muitas dificuldades de fala já: “sim, o Abel mexeu muito bem. Scarpa e Lucas Lima mudaram o jogo”.
Em um estado praticamente terminal, recebendo transfusões de sangue e morfina, ele acompanhou pela última vez o Palmeiras pela TV da UTI.
Na sexta-feira, era o dia que faria a surpresa para ele. Não tinha dito que estava em São Paulo. Chegaria lá, no primeiro dia de 2021, com uma camisa do Palmeiras, uma retrô que só tem o P, de Paulo, estampado.
Mas ela se tornou a camisa do adeus. Quando soube da morte do meu pai, estava fardado. No velório, sábado, uma bandeira abraçou o caixão dele.
Posso dizer também que no último dia dos Pais da vida dele, o Palmeiras foi campeão. Por meio de uma ligação de vídeo, vibramos com o garoto Patrick de Paula. Por duas semanas, ele botou uma bandeira na sacada de casa. A mesma bandeira que abraçou o caixão dele e que recoloquei na sacada após o velório.”