Pazzo Maracanazo- Palmeiras 2 x 1 Flamengo

Deyverson quase fez no Mineirão, na semifinal de 2021, uma proeza tão épica quanto eliminar dois times melhores e invictos como o Atlético e o Flamengo (que só foi cair na Libertadores depois de 17 jogos históricos no dia em que não podia no Centenário): fora de campo e de órbita daquele jogo em Minas, Deyvinho quase conseguiu anular em BH o gol de Dudu por invasão de campo.

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Antes da justa prorrogação na final única no Uruguai, depois de um ótimo primeiro tempo palmeirense e de um segundo tempo melhor rubro-negro, Deyverson quase conseguiu, ao substituir o excelente Raphael Veiga, propiciar uma reação coletiva de estranheza e contrariedade alviverde semelhante à entrada de Breno Lopes na Glória Eterna – Parte 1 do Maracanã.

Aos 6 minutos do tenso e equilibrado tempo extra, Andreas Pereira coroou com chave de chumbo a pálida atuação dele e de quase todo o Flamengo abaixo da excelente média e perdeu a bola do tri continental de um modo tão infantil quanto… o Menino Maluquinho Deyverson.

MENINO MALUQUINHO

Como Betinho-12, Fabiano-16 e Breno Lopes-20, Deyverson-21 entra com o pé esquerdo na galeria de heróis improváveis de outro título menos provável de um Palmeiras à toda prova. O tri-bi continental passa a ser tão campeão da América como os brasileiros São Paulo, Santos e Grêmio. Mas, em 2022, com mais Libertadores no currículo que os compatriotas. Mais vitórias. Mais gols marcados. E o ataque em média mais goleador desde 1960, entre as 10 equipes de todos os países que mais jogaram o torneio.

Ataque que foi mais eficiente em Montevidéu nas 7 chances criadas que as 11 de um Flamengo que chegou melhor para a finalíssima. Com mais time e mais elenco. Melhor futebol. E mais opções técnicas. Mas não táticas diante de um Palmeiras onde se pode discutir as escolhas e estratégias de Abel. Jamais o repertório variado do bicampeão da América em apenas um ano de Brasil.

Elenco equilibrado, mas menos técnico do que os do Flamengo e Atlético. E mais desfalcado para a final sem o suspenso Marcos Rocha (substituído por Mayke em sua melhor jornada), sem o baleado Felipe Melo desde o início, perdendo na segunda etapa o imenso Danilo e o eficiente Zé Rafael por lesão, e também no final da partida o mais una vez decisivo Raphael Veiga. O palmeirense de berço autor do gol logo de cara que emulou o sensacional 2 x 2 da Supercopa do Brasil, em Brasília, no comecinho do grande clássico.

Mas com outro e merecido resultado final.

Depois do show de Anitta que soltou a voz, a magnética rubro-negra não conseguiu repetir o desempenho no grito. Como o próprio time que parecia já se achar tri. Blasé. Sem a intensidade usual. Dando espaço e raiva e sonolência. Errando os lances que esse time que tinha 8 titulares do maravilhoso Flamengo de Jorge Jesus de 2019 parece saber de cor.

Na parte central das belas tribunas do Centenário, 33 gomos das arquibancadas estavam lotadas de rubro-negros espremidos. Ao lado deles, nem seis gomos alviverdes. Nas cabeceiras para cada torcida, o espaço do Flamengo quase não tinha mais espaço. O do Palmeiras, se espremido, teria um vazio de um outro gomo.

Mas, no gogó, como na grama, os desiguais se igualaram na bola rolando.

O JOGO

O Flamengo entrou primeiro no campo para se aquecer. O Palmeiras ficou só com sua Academia de goleiros se preparando. Parecia prenúncio do que seria um time atacando contra outra equipe que bem se defende. Mas muito além disso. Com Weverton que faria mais três grandes defesas. E levaria o belo gol de empate de Gabi (de 12 gols em 21 jogos na carreira contra o Palmeiras), em lance do inesgotável Arrascaeta. Bola até “defensável” para um goleiro acostumado a milagres. Mas que foi traído pelo tiro no mesmo canto em que se encontrava. Numa jogada em que o craque uruguaio se aproveitou do único vacilo do monumental Patrick de Paula, que tinha acabado de substituir o não menos impressionante Danilo.

O Palmeiras tinha 7 titulares de 2020. E repetiu mesmo a estratégia de Brasília, na Supercopa perdida nos pênaltis. Foi pra cima e pra frente e pra glória na primeira chegada: Gómez espetou Mayke às costas de Turbo Henrique. O passe preciso para o precioso Veiga bater firme. Livre, leve e solto por Arão, aos 5 minutos. E com Filipe Luís em lugar incerto na sua pior partida pelo Flamengo.

O primeiro tempo do time de Renato foi apático e estranho. Também pela ótima atuação rival. Filipe Luís e David Luiz não se encontraram. Isla seguiu em outro oceano. Andreas não deu fluência. Arão pouco apareceu. Everton Ribeiro esteve apagado. Arrascaeta se superou até pelos 48 dias sem jogos que ficou até uma semana antes. Na frente, BH pouco fez. Gabi se mexeu mais. Mas nada dava certo. Parecia a primeira etapa em Lima, na virada espetacular contra o River Plate.

Tudo dava tão errado para o Flamengo que até Filipe sentiu e saiu lesionado, aos 31. Mas daí Renato teve sorte. Renê entrou melhor. E fechou o corredor bem explorado por Mayke e por Dudu de volta ao lado direito, no novamente repaginado Palmeiras.

Abel foi mais uma vez feliz na estratégia. Trancou o toque de bola do rival por dentro com cinco atrás nunca antes vistos juntos – mas muito bem treinados e coordenados: Mayke e o versátil e utilíssimo Scarpa nas alas (mas, de fato, por mais tempo, foram mesmo laterais quando o Palmeiras estava sem a bola). Por dentro, o imperial Gómez e o convertido Piquerez (em sua melhor partida pelo Palmeiras), com Luan em grande jornada por dentro, na sobra.

À frente dos cinco, Felipe Melo foi muito bem substituído por Danilo, de notável entrega na contenção a Arrascaeta, e Ze Rafael anulando os discretos ER e AP (nas poucas vezes em que o belga se aventurou mais à frente).

Por isso Dudu foi deslocado à direita, e Veiga teve que atuar mais à esquerda do que o habitual, no 5-4-1 de Abel. Rony só não ficou mais isolado pela partida mais equilibrada, concentrada e compacta do Palmeiras. E pelo esforço do atacante contra os zagueiros que tanto apoquentou com sua disposição elogiável.

Foram apenas três chances para cada lado na primeira etapa. A última carioca com Arrascaeta só não empatando na manjada e letal bola de Gabi para BH cabecear para gol ou servir para quem chegar por Weverton ser cada vez mais um goleiro assombroso.

SEGUNDO TEMPO

Com dois minutos, duas ótimas chances do Flamengo. A segunda com Arão ganhando pelo alto em escanteio da direita. Aos 7, Rony quase marcou um golaço evitado por Diego Alves. Como aos 10, David Luiz só não empatou pela saída de muita técnica e coragem de Weverton.

Pressão natural do Flamengo. E mais um recuo exagerado dos paulistas. Depois do lance sensacional para cima de Filipe Luís pouco antes da lesão do lateral, Dudu pouco produzia na etapa final. Gómez seguia monstro à direita. E o Flamengo seguia sem aquele fogo e focos usuais.

Mas é muita gente ótima em campo. Basta uma pontada. Uma hora a sorte pode virar como foi no Peru em 2019. Quando a atuação então irreconhecível de Gabi virou a virada das viradas rubro-negras. Era o mantra da calada torcida carioca. Contra a estatística expressiva paulista nos últimos 32 jogos de Liberta em que a equipe acabou o primeiro tempo com 1 a 0: foram 29 vitórias e apenas três empates.

O Palmeiras seguia pilhado. Como Jailson e Felipe Melo ficaram no gramado no intervalo. O campeão deixava tudo na cancha. Até o que tinha menos do que o rival.

Renato não ajudava o Flamengo. Demorou a escalar o melhor do time nos últimos meses. Michael só entrou aos 17, corretamente substituindo o pálido Everton Ribeiro.

O atacante estava feio. Como eu fiquei ainda mais na transmissão do SBT com meus cabelos quase voando com a ventania. E o jogo parecia ainda mais feio para o Flamengo. Lento. Pouco criativo. Jogando a esmo bolas na área bem protegida pelo coração quente e cabeça fria dia dos abelistas.

Mas Danilo sentiu a lesão e saiu aos 24. Patrick de Paula entrou para fazer mais uma vez história. Mas até entrar no ritmo do jogo, tabelinha infernal do Flamengo nessa brecha entre os volantes palmeirenses, Arrascaeta serviu Gabi às costas de Mayke, e o empate aos 26.

Justo pelo que o Flamengo produzia mesmo sem tantas ideias. É muita gente desequilibrante. Mas contra um time chato e muito equilibrado sem a bola.

Abel respondeu aos 31 com quem merecia entrar mesmo antes – Wesley. Mas correndo riscos (ainda mais com prorrogação mais do que provável) ao sacar o craque-bandeira Dudu. Ele, como todo o time dele, caíra de produção. Parecia pregado. Mas não parecia o caso de sacar alguém tão decisivo.

Renato botou fogo com Matheuzinho para atacar no lugar do sempre insosso Isla, aos 33. Abel comprovou o sacrifico de FM ao substituir outro lesionado (Zé Rafael) por Danilo Barbosa. Felipe só tinha como atuar poucos minutos pela lesão no joelho.

O Palmeiras sentiu o empate. Mas o Flamengo não aproveitou. Teve mais uma grande chance aos 40, na única falha de Piquerez na sua primeira partida como zagueiro: Michael se aproveitou da bobeada dele para bater cruzado e perder a virada.

O jogo acabou ali. Os dois times esperaram os dois tempos extras justos.

PRORROGAÇÃO

Renato trocou o esgotado Bruno Henrique por Kenedy. Talvez já fosse a hora de Pedro que voltara de artroscopia no jogo anterior.

Abel perdeu outro por fadiga geral. Justo o seminal Veiga. Autor do gol. E esperança verde nos pênaltis que o palmeirense tanto temeu em 2021, depois de perder o terceiro lugar no Mundial de 2020, a Supercopa, a Recopa, e a Copa do Brasil nas penalidades mais do que máximas para a equipa de Abel.

Não sobraram tantas opções a Abel. Talvez a melhor fosse Veron, pelo lado, como no empate contra o Galo, no Mineirão, com Rony brigando na frente.

Abel resolveu confiar no inconstante Deyverson. Também pela bela partida que ele fizera com os reservas contra o Atlético na terça, no Allianz Parque. Deyvinho fez um dos gols. Deu bons passes. E mais ótimos motivos para levar cartões tolos. Alguns por simulações nunca antes vistas. Como faria ao se atirar no chão do Centenário depois de ter sido tocado nas costas pelo… ÁRBITRO!!!

O Flamengo parecia mais inteiro no intervalo entre os 90 minutos e os 30 adicionais. Só Gabi estava deitado. Alguns palmeirenses estavam estirados na belo gramado.

Bola rolando, a velocidade não era a mesma. O ritmo naturalmente mais lento. E o clássico igual até um erro desumano de tão humano definir a parada e a partida. Também pelo cansaço que fez Andreas Pereira perder a bola para Deyverson a retomar com a confiança que só ele tinha nele. Na saída de Diego Alves, que ainda tocou na bola, o Menino Maluquinho foi um adulto sereno. Um senhor da América reconquistada.

O Palmeiras cozinhou um Flamengo que parecia frito. Para o último tempo, Abel trocou Mayke por Menino para tentar frear Michael que ali jogava desde que Kenedy entrara pela direita. Renato demorou a apostar em Vitinho para substituir o pregado Arrascaeta, e demorou a tentar o bumba-meu-urubu com Pedro na frente, aos 5 do segundo tempo da prorrogação.

Por isso Abel mexeu bem: Felipe Melo como zagueiro na sobra, com Luan fazendo a do sacado Piquerez. O Palmeiras reforçou a bateria antiaérea. E se deu bem.

Rony e Wesley travando os laterais; Danilo Barbosa e Patrick de Paula fechando o meio (e PK ainda segurando a bola a dribles e o tranco com bicos pra longe). Os cinco de trás pouco concedendo ao Flamengo desesperado. Diego Alves subiu duas vezes à área. Mas produziu como todo o time amuado e calado como a torcida do Meu Malvadão favorito.

O Flamengo que eu achava favorito ao tri – 55% x 45%. E só não achava mais por ser o rival o então campeão da América. Agora bi como desde o Boca em 2001 não se via. O tri dessa odisseia no espaço e no tempo verde.

O porquinho feio que poucos davam bola. A não ser eles mesmos. Como fizeram Luiz Adriano e Jorge a partir dos 11 da prorrogação. Eles cantavam e vibravam no banco com as músicas da torcida como se fossem os palmeirenses na arquibancada. Eram menos que os rivais. Mas foram muito mais.

Fazendo do Centenário mais um templo campeão palmeirense. Como um Maracanã na Copa Rio de 1951. Um Maracanã 100% palmeirense no Rio-São Paulo da Academia de 1965. Um Maracanã verde como nos 4 a 1 do time de Telê sobre o Flamengo de Coutinho no BR-79. Um Maracanã eterno como a glória de Breno Lopes em 2020.

Um Maracanazo eterno de Deyverson no Uruguai em 2021.

Coisa de louco. Pazzo. A pazza gioia dessa brilhante coroa de títulos palmeirenses.

Pazzo Maracanazo. Louco como Deyverson.

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