Tranquilidade avassaladora
Sempre foi possível ganhar deles com o que tínhamos de melhor, o futebol
O Dérbi, naturalmente, sempre foi o jogo mais tenso para um palmeirense. Para aqueles nascidos nos anos 2000, como eu, o sentimento de tensão ganha requintes de desconfiança por todos os confrontos falhos vivenciados. Por mais que a história e os números atestem a incontestável freguesia, o início de século não foi favorável ao dono do clássico.
Dito isso, jogar com uma obrigação assustadora de vencer sempre foi o tom do pré-jogo. Tanto assustava, que muitas vezes nos impedia de impor a superioridade esperada e justificada pelo nível dos times. Assim como em diversos outros clássicos, a parte tática e técnica era sobreposta pelo clima de guerra. Há quem brade e quem se acovarde – costuma-se alegar isso. Acontece que eu tive o desprazer de ver muitos jogos nada corajosos do Palmeiras.
Porém, eu sempre me perguntei se um jogo desse tamanho resumiria-se a isso. No ápice do esporte no qual a bola é sua maior representante, seria ela o menos importante?
Ora pois, vos digo que Dom Abel Ferreira tratou de mostrar que não é bem assim. Sempre foi possível ganhar deles com o que tínhamos de melhor. O futebol. Não à toa, o retrospecto conta com duas vitórias a mais a nosso favor e mais de 42 gols de vantagem. A resposta sempre esteve debaixo do nosso nariz, ou melhor, do nosso pé.
Afirmo sem desconsiderar a particularidade de casos como a final do Paulistão de 2020. Ocasião em que o pobre nível da equipe foi, com razão, abafado pelo necessário expurgo do momento. Contudo, já disse quem nos ensina: “Cada jogo conta uma história.” A ideia nunca foi exigir performances de luxo todas as vezes, mas sim retomar a confiança para jogar e não apenas disputar. Agora, jogamos e disputamos. Ser competitivo é fundamental, mas nada vale sem ser competente.
Era possível simplificar. Simplificamos. Sofrer menos e apreciar mais. Tabelar na cara da zaga adversária como dois bons amigos a dar risada por aí. Rir na cara do inofensivo perigo. Porque nem só de brados vivem os homens. A leveza de quem sabe que pode vencer a qualquer momento é a mais sutil forma de controle. Afinal, ainda que afrouxadas, as rédeas seguem sob suas mãos. Sob nossas mãos.
Historicamente é assim. Precisa ser assim. Não há porque temer quem se assusta com a sua presença. Não há razões para se inibir diante de quem se encolhe frente a você. Fazer de segundo estádio o campo deles é o pilar para fazê-los desmoronar.
Por isso, o 4 a 0, em casa, encantou e o 2 a 0, fora, enterrou. A serenidade com que os placares foram construídos tem sua receita no domínio do que o jogo se propõe a ser. Já vi Dérbis com cara de batalha, de treino, de circo, de peça, mas são os primeiros que vejo com essa tão indistinguível face de baile.
Não seria louco de sonhar que resultados como esses se repetissem todos os jogos em um confronto com tamanho equilíbrio. Todavia, há uma (re)descoberta, que deve servir de tônica para os próximos capítulos dessa rivalidade. O domínio sempre poderá ser verde. Desde que não pelo grito, mas pelo silêncio inquietante de uma tranquilidade avassaladora.
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