Voz Palestrina: ‘O Palmeiras de uma esquina qualquer’

Quinta-feira, 11 de agosto. Dia cinza. Foi bem difícil a tarefa de deixar, no sentido espiritual, a esquina da Palestra Itália com a Diana, lugar desses bem apinhados de biroscas verdes, brancas e vermelhas — cores tão bem representadas pela cerveja, o espeto suspeito e a fumaça dos sinalizadores. Naquela tarde seguinte, porém, falar de tarefas difíceis era lembrança do que, horas antes, haviam feito os comandados de Abel Ferreira em (mais) uma noite homérica de Copa Libertadores, dois elementos de uma equação que tanto tem somado à rica e copeira história do Palmeiras. Uma noite que, nos últimos anos, virou apenas mais uma noite. E por isso era tão bom.

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O dia póstumo à façanha foi se arrastando. Nem sequer o drama da noite tínhamos mais. Mesmo assim, parecíamos ainda estar por ali, vagabudeando com latinhas à mão, caminhando de um lado para o outro como Oberdan pelo clube social, cantarolando reclamações e rangendo dentes entre capas de chuva e agasalhos da Rhumell. Acontece que, naquela esquina, só uma entre tantas, espremidos feito pepinos em conserva sob toldos furados e diante de uma única TV, éramos uma centena. Bem menos do que os 40 mil que ferviam ali ao lado, claro, mas estávamos em bando. Os ingressos estavam caros e, justiça seja feita, a cerveja também. Mas a cerveja menos que os ingressos. E também por isso foi ali, na Diana com a antiga Turiassú, que fizemos uma festa linda e digna de nota.

A massa não fraquejou nem sob uma chuva que torrenciava à medida que o jogo ficava mais tenso. Feito cachorros de rua, os malucos apaixonados contemplaram, atônitos, a joia rara Danilo usar sua perna de cowboy para apimentar o enredo da noite: ainda era cedo na partida de quartas de final quando, num vacilo, o Palestra ficou com uma anzol a menos na vara. Danilo não teve culpa; com nem dois anos de profissional, já havia jogado duas finais daquela mesma competição. Faz parte (mas, claro, reclamamos). O mais bonito de tudo aquilo, e também por isso tem sido tão difícil sair daquele esquina, é que para os amontados pouco importou: unidos pela falta de ingressos (trucidados pelo cambismo) e por uma doença verde sem qualquer remédio, sequer pararam de cantar. Para o inferno com a expulsão “é o Palmeiras, porra”. E foi assim até o fim, como embalava a canção na cancha ao lado.

Num dado momento, Rodrigo “professor”, um amigo verde de cabo a rabo, gritou alto e com a alma rouca: “Vocês torcem para o maior time do Brasil. Vocês têm noção disso?”. Silêncio para ouvir a lição. E olha que, naquela esquina mágica, silêncio foi coisa rara na noite. Mas valeu a pena. Aguçou a comoção. A chuva apertou. E como faltavam só alguns minutos para os inevitáveis pênaltis, aquelas palavras emprestadas do coração metaram gasolina no fogaréu. A cantoria aumentou e a festa seguiu, tal qual uma formação de quadrilha, posicionada em pelotão como as linhas defensivas de Abel. Todos ali tinham um pouco de Weverton: parados, mas gesticulando, sabiam que o desfecho seria dramático. Mas, também, que seria feliz.

O segundo silêncio veio com a expulsão de Gustavo Scarpa, em outra infecilidade – essa, vale dizer, bem mais questionável. “Não querem a gente campeão de novo”, acusaram. “Mas não será na mão grande”, decretaram. Por longos dez minutos, que arderam mais que chuva ácida, o Palmeiras tinha nove em campo. Da arquibancada, a torcida fazia sua parte e preenchia as duas lacunas. O time resistiu como pôde. A trave ajudou. Apito final, não tinha mais para onde correr. Nos minutos finais, a garganta parecia pequena. Weverton, que decidiu o páreo, gigante. O nosso coração foi parar na boca. Já os de Veiga, Gómez, Zé Rafael, Piquerez, Rony e Murilo, na rede. E assim, com mais uma vaga na mão, vimos a Rua Diana ficar enorme. Dessa vez, tinha para onde correr. A rua toda, para ser honesto. A bem da verdade, era possível sair correndo para sempre, gritando, numa catarse completa, gratos por mais uma noite de Palmeiras de Abel Ferreira em Copa Libertadores. Mas resolvemos ficar mais um pouco.

E de lá nunca mais saímos.

*Texto escrito por Lucas Berti

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