Análise do Discurso: a peça Puma/Palmeiras

A publicidade que movimentou o futebol mundial produzida pela Puma para lançar os novos uniformes da equipe paulista é suscetível a várias interpretações práticas do porque funcionou tanto. O público alvo em extâse, os provocados, irritadiços. A impressão de sucesso é evidente e comprovável com o números de venda dos produtos lançados. Há, também, como explicar teoricamente como se construiu essa narrativa passo a passo.

Nos anos 30, em uma pesquisa administrativa na escola de Chicago surge uma primeira grande ideia sobre como a comunicação acontecia. Segundo esse conceito dito hipodérmico, a informação funcionaria de maneira igualitária, alienente e dominadora. Fincado nos ideias Behavioristas, a proposta logo cai por terra, afinal, o repertório individual e isento de cópias comportamentais derrubaria o efeito ditatorial da mensagem.

Como poderia uma mesma informação atingir a Palmeirenses e Corinthianos de uma mesma forma? Lasswell logo nota a falha e evolui para teoria da persuasão na qual fala em indivíduos distintos no envio, na recepção e que ainda haveria um meio a ser utilizado, além da intenção aplicada. Obviedade, hoje. Assim, você começa a desvendar o processo utilizado: para Palmeirenses, através da internet, o meio mais democrático e provocativo do mundo. Bomba relógio para que eclodisse uma guerra entre destinatários e vítimas da bala quase perdida.

Na história, Lazarsfeld estabelece diretrizes de análises e invade a abordagem empírico experimental, ou seja, busca esclarecer os filtros psicológicos pelos quais uma mensagem é submetida ao se encontrar com seu receptor. Todo o repertório desse indivíduo é colocado como delimitador na compreensão do conteúdo exposto. Ou seja, se o sujeito não gosta do seu produto, de quem o produz ou para que é produzido, ele vai reagir de forma negativa.

Lógico.

Aí entra um dos maiores discursos dessa teoria: "o indivíduo tende a alterar o conteúdo das mensagens para favorecer seu entendimento e, sobretudo, a forma como lidará com elas".

Arrog-ncia

Atiçadora, a peça apresentada mexe com orgulhos, sabe quem vai atingir e em quem vai respingar, propositalmente, suas cascas de banana.

Após a segunda guerra mundial, a teoria funcionalista dá as caras como nova alternativa de raciocínio e traz consigo muito do que viria a falar a escola de Frankfurt e impõe uma premissa importantíssima: "entendem que há mensagens subliminares dentro de cada mensagem de aparente inocência". Claro que a Puma e seus brilhantes redatores foram malandramente inocentes ao incutirem mil referências em cada verso de seu poema libertário contestador. A mensagem evolui e resvala em quem deveria.

A arrogância que transparece existir ao colunista do site "A Tribuna" tem uma qualidade de construção gigantesca. Ao seu público, é essência, é exaltar hábitos, glórias, histórias e sofrimentos, inflar o peito de quem sentirá bordado na segunda pele, o coração. A ele, um potencial rival, causa desconforto ver-se nesse mar de projeções positivas. Uma indústria mental que fomenta o ego e reverte em consumo, em dinheiro, em sucesso. Modelo Win/Win da Indústria Cultural.

Leitores desse cronista metido a teórico comprovam a eficácia do público alvo:

Vinícius Gestinari: "Aqui nunca, por nada, se canta vitória antes da hora"
Lucas: "Pra mim, a frase que o palmeirense não comemora, mas desabafa, arrepiou até o último fio de cabelo. Foi certeiro demais".
Rodrigo: "O fato de nós não tentarmos esquecer e muito menos apagar os momentos ruin. Aprendemos com isso e buscamos sempre voltar ao topo".
Emerson Souza: "Poxa, fui até ver o vídeo de novo…tudo me representa, fiquei arrepiado e emocionado de novo."

Mas é com uma reposta específica que voltamos a passear pela história da comunicação: "A defesa do torcedor de pouc recurso, daquele que quase nunca vai ao Allianz ou sequer o conhece.." A teoria culturológica constrói, ou melhor, descontrói em partes que só exista uma versão manipuladora dos fatos, mas que há representatividade no processo. "a Cultura de Massa adequa-se aos desejos, às aspirações da massa tornando-se uma forma de auto-realização do que é suprimido na “vida real”…faz uma transição entre o real e o imaginário"

rincon

Rapper, negro, piercings no rosto, letras pesadas de contestação ao sistema, sinônimo de resistência de um Brasil de pouco dinheiro, pouco respeito, pouco amor, pouca relevância sob os holofotes. O cara que pronuncia de alma cheia: "Verde agora é a cor da inveja". O momento em que mais explodem recados e respingos pelo plasma desse produto. Explicamos.

Todo ser torcedor sabe dos padrões. O verde é classe, berço europeu, ostentação de valores monetários e sanguíneos. O alvinegro, a luta de classe, o pouco recurso, o negro, o gueto, o rap. Nem sempre verdadeiros e tantas vezes ignorantes, mas enraizados. A teoria diz ainda que a cultura de massa corrompe e desagrega as outras culturas, que não saem imunes a este contato. Que contestação gigante.

cor

Não, Marcelo. O problema dessa história é sentir que sua cultura foi incutida a um produto/pessoa/classe com a qual os seus semelhantes se habituram a rivalizar. Ser a contraposição. O que não é uma verdade absoluta, mas um padrão construído. Vê-lo desmoronar em um discurso tão intenso e cheio de significados vai causar, advinhem: raiva. Uma amizade intimíssima da inveja.

Padrões que começaram a existir, segundo Bernard Cohen: "Na maior parte do tempo, a imprensa pode não ter êxito em dizer aos leitores como pensar, mas é espantosamente exitosa em dizer aos leitores sobre o que pensar". Marcelo´s ou Gabriéi’s não nascem sabendo, em tese, o que é o significado base de Corinthians ou Palmeiras. São agendados desta maneira. Quem remete, define. 1920, essa teoria.

A nós, aqui, cabe pensar em outro aspecto. Com protagonismo ao palmeirense, o receptor que, segundo a teoria do Gatekeeper, "não leva em conta o contexto social em que a mensagem será publicada e sim sua própria percepção e suas experiências". Lembram dos tuítes que diziam "me arrepie, me emocionei, gritei, não comemorei, desabafei, chorei..". Desejos reprimidos por anos, ansiedade, descontrole apaixonado. A mensagem que a Puma dá é um libertário que diz a essas sensações todas:

"É normal, é nosso, é genuíno, é de todos, é o Palmeiras".

Golaço.

Se o verde é a cor da inveja, da esperança ou da arvoré na sua esquina, quem decide, é você. A Puma deu uma aula de meio, mensagem, significados, proporções e técnica. Além de um lindo manifesto, uma construção muito complexa que se explica pela história da comunicação e que, de verdade, só é arrogante na quantidade de talento empregada.