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Análise Retrô: 100 anos do primeiro título paulista do Palmeiras

Desacreditado pela imprensa e contra um rival supercampeão, o Palestra Italia ganhou seu primeiro caneco relevante e nunca mais parou

Da esquerda para direita: Forte, Federici, Serafini, Ministro, Oscar, Heitor, Martinelli, Primo, Severino, Bianco e Picagli. O primeiro time campeão paulista pelo Palmeiras (Foto: Acervo Palmeiras / Restauração: Análise Verdão)
Da esquerda para direita: Forte, Federici, Serafini, Ministro, Oscar, Heitor, Martinelli, Primo, Severino, Bianco e Picagli. O primeiro time campeão paulista pelo Palmeiras (Foto: Acervo Palmeiras / Restauração: Análise Verdão)

Fundado em 26 de agosto de 1914, foi apenas em 19 de dezembro de 1920 que o Palestra Italia conseguiu o seu primeiro título de grande relevância, batendo o até então tetracampeão consecutivo Clube Athletico Paulistano e levantando o Campeonato Paulista.

Disputando somente amistosos em seu primeiro ano de vida, o Palestra Italia conseguiu, em 1916, vaga para disputar o torneio estadual organizado pela Associação Paulista de Esportes Atléticos (APEA). A estreia do clube no Campeonato Paulista ocorreu no dia 13 de maio daquele ano, no empate por 1 a 1 com o Mackenzie, vice-campeão estadual na temporada anterior. Ao fim da temporada, o clube palestrino ficou na penúltima colocação do torneio.

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No ano seguinte, o Palestra tornou-se vice-campeão paulista e enfrentou pela primeira vez o Corinthians — vitória por 3 a 0, três gols de Caetano. Apesar de realizar um excelente campeonato, os empates diante do São Bento-SP, do Associação Atlética das Palmeiras e do Mackenzie custaram caro, levando o título ao Paulistano.

Em 1918, porém, o Palestra abandonou a APEA em resposta à perseguição que sofria dos clubes de elite da cidade e dos frequentes erros de arbitragem. Pressionado a voltar, o clube retornou ao Campeonato Paulista em 1919 e novamente bateu na trave. Com 29 pontos, a equipe ficou apenas um ponto atrás do Paulistano e passou a ganhar fama de pé frio pela mídia.

A TEMPORADA DE 1920

Fora de campo, ao mesmo passo em que se desenvolvia esportivamente, o Palestra também aumentava seu patrimônio físico. Em abril de 1920, com o apoio da Companhia Matarazzo, o clube efetuou a compra do Parque da Antarctica pelo valor de 500 contos de réis, uma fortuna à época. Mandando partidas no local desde 1917, agora o espaço seria oficialmente do clube.

O clima na temporada de 1920 era de esperança entre torcida, após os dois vice-campeonatos recém conquistados e a compra do estádio. Como se não bastasse o bom retrospecto, no jogo de estreia, a equipe goleou o Corinthians por 3 a 0, com gols de Ministro e Heitor (2x). Logo na sequência, não teve piedade dos adversários, ganhando por 7 a 0 do Mackenzie, 5 a 0 do A.A.das Palmeiras e 11 a 0 sob o Internacional-SP, maior goleada em confrontos oficiais do Palestra/Palmeiras em sua história.

Fechando o primeiro turno na liderança, o Palestra se envolveu em um grande tumulto na primeira partida do returno. Inconformado com uma derrota para o Corinthians por 2 a 1 e com a briga após o jogo, o clube chegou a pedir licença da APEA, mas teve sua solicitação negada.

Na última rodada, em partida que poderia lhe conferir o título, coube ao Palestra a grande missão de duelar com o adversário mais perigoso do futebol brasileiro, o tradicional Paulistano. Respeitado e tido no Estado como a maior potência futebolística da época, o oponente buscava seu pentacampeonato de forma consecutiva. Fazendo valer sua tradição, venceu o embate por 1 a 0, gol de Friedenreich, em pleno Parque Antárctica. A vitória paulistana fez com que ambas as equipes ficassem com a mesma pontuação na tabela, provocando a marcação de um jogo extra, a ser realizado no Estádio Chácara da Floresta, sete dias mais tarde.

A MÍDIA

Time representante da elite paulista, o Paulistano carregava consigo a fama de vencedor e imbatível nos jornais locais. Já o Palestra, fruto de imigrantes e operários italianos, era visto como um clube que carregava a raça, embora lhe faltasse técnica. Sob esse contexto e preconceito, não era incomum que os periódicos usassem palavras pejorativas para contar os dois vice-campeonatos conquistados pelo clube verde em 1917 e 1919 respectivamente.

Em 16 de dezembro, três dias antes do embate, o jornal A Gazeta publicou versos do jornalista Pedro Paulo satirizando a condição do clube. Em meio as palavras, o escritor utilizam o termo ‘’caguira’’, expressão falada para demostrar o medo e azar do clube em diversas ocasiões.

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As estréas do Palestra; sátira com o azar do clube verde e branco (Jornal A Gazeta)

‘’MYSTERIO’’ A CONSTITUIÇÃO DO QUADRO PALESTRINO:

Insatisfeitos com o duro golpe sofrido na partida que ocasionou o jogo desempate, os dirigentes do Palestra tomaram uma radical atitude jamais vista até então dentro do clube. Estrelas do time principal; Grimaldi, Fabbi, Imparato e Caetano foram afastados e deram lugar a Oscar, Severino, Forte e Federici, bons nomes do time de aspirantes (segundo quadro), que haviam ganhado o Torneio de Aspirantes (Torneio dos Segundos Quadros) na temporada de 1920.

Com o favoritismo de tetracampeão, apoio da mídia e diante de um clube formado por imigrantes que ainda não havia levantado uma taça, o episódio do afastamento era tudo o que o Paulistano precisava para entrar em campo com mais confiança, uma vez que já havia ganhado o primeiro confronto e agora teria um adversário psicologicamente abalado e sem os principais atletas.

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‘’ É um mysterio’ a constituição do quadro palestrino’’. Jornais não sabiam qual seria a escalação para o confronto (Jornal A Gazeta)

O JOGO:

Em um dia nebuloso na capital paulista, contam-se os jornais que desde cedo os bondes passavam lotados e deixavam uma multidão no Estádio da Floresta, na atual Avenida Castelo Branco, ao lado da Marginal Tiete. Na sede do Palestra, no Parque Antárctica, carros lotavam os estacionamentos, pegavam os tickets na bilheteria e, em multidão, caminhavam a pé até o estádio. As 13:00 horas, o palco do espetáculo estava lotado e já se viam pessoas nas cercas, pregadas em arvores e acotovelando-se em busca de espaço. Nas cadeiras cobertas, era notável a presença de famílias e muitas mulheres, algo raro para a época.

Como de costume naquele tempo, antes do confronto principal havia o jogo preliminar. Naquela tarde, as 14:00 horas, União Lapa e Antarctica se enfrentavam valendo o título do segundo quadro da segunda divisão estadual. Em um duelo que não teria casa cheia em condições normais, naquela tarde não se enxergava um espaço em branco na bancada. Empatados em primeiro lugar na tabela, os aspirantes das duas equipes disputavam o jogo extra. Vitória e título para o Antárctica, que apesar do nome, não tinha ligação com o Palestra.

Durante a partida secundária, uma forte chuva atingiu a cidade de São Paulo. Primeiro, o céu escureceu, posteriormente, uma garoa e no segundo tempo, um forte temporal castigou quem estava assistindo o duelo. O aguaceiro, tratado como uma ‘’cargas d’água de dezembro’’ também condenou o gramado, deixando o palco do jogo com poças na superfície e muita lama em toda sua extensão.

Com a chuva amenizada, pairavam no ar as bandeiras verdes palestrinas e as alvirrubras paulistanas. Entravam no gramado as duas equipes correndo em direção ao centro do campo, enquanto eram aclamados pelos incontáveis milhares de espectadores presentes.

Na escalação, o Palestra atuava com a formação 2–3–5, clássica durante as décadas de 1920 e 1930. O modelo “Piramidal”, que contava com dois defensores, três meio-campistas e cinco atacantes utilizava de muitas bolas longas para conectar a defesa com o ataque. No papel, a equipe era composta por Primo no gol; Bianco e Oscar na zaga; Bertollini, Picagli e Vale no meio; Forte, Ministro, Heitor, Federici e Martinelli na última linha.

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Escalação palestrina para o duelo (Via: TaticalPad)

Já o Paulistano, se espalhava em campo com o mesmo esquema. Arnaldo; Carleto e Guarany; Bergio, Zito e Mariano; Agnello, Mario Andrada, Arthur Friedenreich, Cassiano e Carneiro Leão compunham a esquadra vermelha e branca.

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Escalação paulistana para o duelo (Via: TaticalPad)

O campo, ainda ensopado pela chuva, não dava condições para um jogo técnico. Segundo relatos da época, era nítida a dificuldade de atuar com as bolas no pé. Além do fator solo, os ventos desviavam a favor do Palestra, inibindo ainda mais o jogo do Paulistano.

Empurrado pela torcida, na medida em que o entusiasmo da arquibancada subia, o Palestra tomava o controle do jogo, em uma partida extremamente física. A linha defensiva, muito concentrada, não deixava o astro Arthur Friedenreich construir, sendo completamente anulado pelo trio Bianco, Fortes e Picagli, sendo o último encarregado de fazer marcação homem a homem no craque. No ataque, Heitor, que vinha de péssima fase, construía as jogadas e servia o restante dos atacantes.

O que se viu no primeiro tempo foi um Palestra dominante. Mesmo com as condições desfavoráveis do gramado, o time conseguiu criar e merecia fazer o gol. Arnaldo, arqueiro do Paulistano, se consagrava a cada bola chutada em sua meta. Muito contestado pela torcida, o goleiro fez cinco milagres que garantiram o placar zerado na primeira etapa. Era um verdadeiro massacre dentro das quatro linhas.

A equipe verde e branca não apenas chutava mais, como também neutralizava muito bem qualquer ataque alvirrubro. Com exceção de uma infração marcada no último lance da primeira etapa e batida no travessão de Primo, o Paulistano nada pôde fazer, se não apenas assistir ao baile.

O Palestra jogava com inteligência. Tinha de vencer. E venceu…

Continuando a dominância que havia se instaurado na primeira metade, o ataque palestrino não deixava a defesa paulistana em paz. Já exaustos, a linha defensiva não acompanhava o ataque verde. Martinelli, aos 10 minutos, recebeu um ótimo passe e de frente ao gol arrematou firme, rasteiro. 1–0. Um trovão de aplausos surgia da arquibancada, junto a festa da torcida. Enquanto os milhares de torcedores ítalo-brasileiros ainda comemoravam, Mario Andrada empatava o confronto logo após a saída de bola. O barulho ensurdecedor mudava de lado e passava agora para a massa alvirrubra.

Visivelmente fragilizado e abalado com o gol sofrido, o Palestra ficou perdido dentro de campo. Animados, o Paulistano atacou e começou a levar perigo a meta de Primo. Finalmente a vontade em campo, Fried quase marcou o segundo, em bola que tirou tinta da trave. Minutos mais tarde, o mesmo tenta novamente e para no goleiro alviverde. Em sequência, o craque teve a chance na pequena área, mas furou. Definitivamente não era o dia de Arthur Friedenreich.

Passado o susto, o Palestra voltou a partida e aos 29 minutos do segundo tempo, quando o relógio marcava 17:22 do dia 19 de dezembro de 1920, Forte conseguiu um belo chute para marcar o segundo da equipe. Um gol para entrar na história. Restavam poucos minutos para o Palestra Itália conseguir sua primeira grande conquista.

Segurando o resultado, a equipe alviverde se fechou e deu campo para o até então tricampeão paulista. Com todos no ataque, o Paulistano parava na excelente partida da defesa palestrina e teve apenas mais uma chance para igualar o marcador. Cassiano, completamente livre, errou o chute e a oportunidade de sobrevida.

A partir desse lance que assustou a todos, o Palestra abriu mão do duelo e passou a ganhar tempo, com cera e compulsoriamente isolar bolas até as arquibancadas. Sem tempo para mais nada, o arbitro Hermann Friese apitou o final do confronto. Palestra Italia 2–1 Paulistano.

Ganhava o Palestra. De forma honrosa, com boa técnica, inteligência, fundamentos e chamado pela imprensa local de ‘’futebol matemático’’. Diferente de outras equipes que buscavam a sorte frente ao Paulistano, o clube ítalo-brasileiro desde o início impôs suas ideias e saiu vitorioso.

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Repercussão do título na manhã seguinte (Jornal A Gazeta)

ANOS SEGUINTES:

Na temporada seguinte, no ano de 1921, novamente Palestra Italia e Paulistano estavam na corrida pelo título. No entanto, desta vez, o Sport Club Corinthians Paulista também chegava firme na disputa. Já não tendo chances na ultima rodada, o Palestra (36 pontos), enfrentava o Corinthians (38). Tendo o Paulistano finalizado o torneio com uma pontuação de 39, bastava um empate para o Corinthians se sagrar campeão — na época a vitória valia apenas dois pontos.

Muitos diziam que o time do Parque Antárctica faria corpo mole, só para que o Paulistano perdesse o caneco. Porém, naquela tarde de 25 de dezembro, o Palestra bateu o Corinthians por 3–0 em aula de futebol. Sendo o Papai Noel do Paulistano, o alviverde ainda ficou com o vice-campeonato, deixando o clube de Parque São Jorge na terceira colocação.

O Palestra ainda seria vice mais duas vezes (1922 e 1923), até emplacar o bicampeonato em 1926 e 1927. Já o Paulistano, recordista de títulos na época, recusou-se a fazer parte do projeto de profissionalização do futebol e criou em 1925 a Liga dos Amadores de Futebol, acrônimo LAF. A competição entre as duas ligas alimentou a expansão do número de times e clubes do interior do estado começaram então a aderi-las. O clube seria campeão dessa liga em 1926, 1927 e 1929, antes de fechar as portas em 1930.

Em colaboração com Análise Verdão

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