Anatomia de uma desclassificação, um trem para o ABC e outros blues

O único som no caminho da volta é da sola do meu puma suede arrastando pelo chão da Pompéia.

Entrando no trem, vejo no relógio que são alguns poucos minutos passados da meia noite, o dia 10 de agosto já começa em mim, e a estação do Brás é só um entreposto entre alguma melancolia e uma tristeza atroz.

Na mente a festa feita pela torcida palmeirense, umas horas atrás. Um cenário lindo, de sonhos e esperanças em meio as turbulências de um Brasil que não me da alento algum. Talvez seja sacanagem querer ter tudo isso com um time de futebol. Todavia esse questionamento não se faz após uma eliminação de Libertadores.

Deixem-me ter esperança de algo, por parcos 90 minutos que sejam…

As portas do trem que vão me levar pro ABC se abrem. Santo André me parece mais longe que Kiev e o caminho vai ser algo foda pra se lidar. Nos ouvidos, Benton Sutherland tocava um blues muito pertinente com o que eu sentia, ‘I Have Trouble’. Mas na cabeça, a única coisa que rolava era o barulho da luva do goleiro Equatoriano a defender o pênalti de Egidio.

Egidio…

Se fosse um jazz, ele seria a ‘Blue Note’. A casa musical onde se faz todos improvisos do jazz é algo que ninguém explica, tese nenhuma sabe de onde vem, mas está ali, o lugar onde cabe a sincopa. Ninguém explica Egidio titular da lateral esquerda do Palmeiras. Mas não vou execrá-lo, não por isso.

São outras as razões da minha dor…

Um gole na garrafa de bolso do Campari que comprei num posto de gasolina desses chiques na Pompéia e o alto falante do trem avisa ‘Estação Ipiranga’. Falta muito pra casa, ainda. O velho Bluesman segue a cantarolar versos cortantes, rasgados em meus ouvidos e a única coisa que penso é:

“O Moisés com meia perna é melhor que todas as contratações de Alexandre Mattos.”

Pois sim…

Enfrentamos um time tão somente mediano e não criamos nada. O time não jogou no primeiro tempo, não teve a bola no pé no campo de ataque, não pressionou, não atacou, não criou nenhum desconforto para o time do Barcelona.

Éramos então uma bagunça de time, com uma zaga assustada, com meias que não são meias, com atacantes que não podem fazer nada além de perderem bolas bobas, isso tudo, sem falar no preparo físico medonho, o time morreu nesse aspecto.

Outro gole na garrafinha e nada da dor passar…

São varias as coisas que podem explicar a desclassificação do Palmeiras numa oitavas de final de Libertadores – A mesma campanha feita em 2013 com um time formado para disputar a segunda divisão – Mas numa hora como essas a gente num quer muito compromisso com a razão, com a tal da ‘serenidade’, com as avaliações mais frias e ponderadas… Não.

Nada no Palmeiras é frio. E para a dor que sinto ao voltar para casa após o que houve ontem, tudo que não quero é essa serenidade. Deixa-me sentir muito ao menos.

O Palmeiras não poderá sonhar com a Libertadores desse ano. Dentre o que se chamou por aí de obsessão, essa não vai mais rolar, mas tudo bem. Domingo tem jogo, o Palmeiras volta a campo e a vida toda esta aí para ser vivida e jogada. Começamos o texto falando em esperanças e ao amigo Palmeirense, no momento é que temos para curtir.

A esperança.

“Estação Prefeito Celso Daniel, Santo André.”

O alto falante do trem informa que cheguei em casa. Não tem mais nada na garrafinha, o Blues também acabou e a única coisa que me sobrou foi o silencio e a madrugada. Tudo bem.

Caminhei pra casa e por alguma estranha razão, assoviei o hino do Palmeiras.

Nesse momento, me senti feliz…