André Galassi: A relação tóxica entre o futebol, o rival e a torcida

Caso de pai e filho agredidos na Vila Belmiro após receberem presente de Jailson escancara uma sociedade brasileira pautada no ódio

Há muito tempo o futebol deixou de ser tratado como um esporte no Brasil. Ao contrário, a cada temporada ele se assemelha ainda mais com uma guerra do século 19, com disputa por territórios, morte ao ‘inimigo’ e ricos gozando de privilégios, que consequentemente culminam no afastamento do povo no espetáculo esportivo.

O ódio no Brasil também é algo secular, mas que vem sendo institucionalizado nos últimos anos. O comportamento tóxico, principalmente no campo esportivo, começa a passar do anti-jogo e se torna agressões verbais, físicas, psicológicas, que vão desde a briga entre torcidas como se fossem nações inimigas da idade média ao tratamento do atleta como máquina, desumanizando o esporte.

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O caso mais recente aconteceu após o apito final no clássico entre Santos e Palmeiras, que terminou com vitória alviverde por 2 a 0, no último domingo (7). O jovem torcedor santista Bruno do Nascimento, de 9 anos, recebeu de presente a camisa do goleiro Jailson nas arquibancadas da Vila Belmiro. Fã do arqueiro alviverde, a criança e seu pai acabaram sendo hostilizados por outros torcedores pelo fato de ter recebido o uniforme do atleta do Verdão.

A barbárie ocorrida no domingo esclarece o motivo das crianças deixarem o futebol nacional e migrarem para o esporte Europeu. Não à toa, uma pesquisa do Ibope de 2016 constatou que 72% das crianças e adolescentes do Brasil afirmam torcer por algum clube estrangeiro – seja junto com seu time brasileiro de coração, seja apenas para ele. Ninguém quer apanhar porque torce. Ninguém quer ser ofendido pelo amor. O futebol é lazer, cultura e estamos deixando isso morrer. O Brasil está matando uma geração de torcedores, enquanto a Europa está acolhendo.

Possivelmente o covarde que atacou o jovem e o pai nas arquibancadas é do mesmo tipo que critica a queda de qualidade do futebol nacional e essa ‘europeização’ do país da bola. Mas como que perante essas imagens vamos vender o nosso projeto esportista para treinadores e jogadores atuarem em nossos solos? Em nenhum lugar do mundo cenas como essas ocorrem. E, caso ocorra, são jugadas à rigor da lei, diferente da impunidade das terras tupiniquins.

É preciso mais do que nunca combater esse fenômeno negativo que assombra o Brasil. CBF, federações estaduais, clubes, jornalistas, torcedores comuns, torcedores organizados. Esse é um apelo para toda a comunidade do futebol. Não podemos esconder admirações só porque torcemos para um clube que rivaliza com outro. Eu, como jornalista em formação e colunista do Nosso Palestra, sou fã de Tostão, do Cruzeiro, Tele Santana, ex-treinador do São Paulo. Não tenho nenhuma vergonha de assumir isso e acredito que apenas mostramos o nosso erro como sociedade em esconder essas coisas banais. Vivemos em uma democracia…

Ao Palmeiras ao Santos, o que resta é repudiar veementemente o ocorrido na Vila e se engajar na luta do ódio crescente em nosso país. A história de rivalidade entre os times, potencializada ainda mais pelas frequentes decisões nos últimos anos, jamais pode passar das quatro linhas. O que ocorre dentro do campo não pode gerar guerra e ódio nos torcedores, entidade máxima do maior esporte nacional desde 1894.

Chamado de ‘Clássico da Saudade’, o jogo entre o alvinegro praiano e o alviverde da capital realmente faz jus à alcunha. Saudade da provocação sadia, sem briga. Da comemoração imitando porco, do retruque ao imitar uma baleia ou a provocação da pescaria no estádio, feita no Parque Antarctica desde a década de 1950.

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