Arrancada Heroica, 75 anos: 20/9/1942

Poucos clubes foram obrigados a mudar de nome. Nenhum estreou campeão como o Palmeiras, em 20 de setembro de 1942. A Arrancada Heroica do Palestra que morreu líder e do Palmeiras que nasceu campeão paulista, vencendo o São Paulo por 3 a 1, no Pacaembu.

Palmeiras que adotou o novo nome em 14 de setembro. Os intolerantes do poder também eram ignorantes. Não sabiam que Palestra era palavra grega, não da Itália em guerra com o Brasil.

Desde 28 de janeiro de 1942 o Brasil havia rompido relações diplomáticas com o Eixo (Alemanha, Itália e Japão). Em março o clube teve de se adaptar ao novo nome: Palestra de São Paulo. Os sócios não podiam mais se reunir. Viagens para fora da capital eram escoltadas quando não proibidas. Bens e associações ligadas aos países do Eixo eram confiscadas e/ou fechadas. Nomes de pessoas jurídicas e até físicas eram aportuguesados.

Em 22 de agosto, o estado de beligerância contra o Eixo foi instaurado. Em 31 de agosto, a declaração formal de guerra do Brasil contra o Eixo.

A “Palestrafobia” foi instituída. Panfletos apócrifos pela cidade dizendo que o clube era antro de fascistas e quintas-colunas. Pessoas interessadas no patrimônio do Palestra estudavam meios de confiscá-lo.

Os palestrinos tiveram de ceder. Mudaram o nome, não o ideal. Na madrugada de 15 de setembro o elenco foi avisado em Poá, por telefone, onde se concentrava. Oberdan e Lima choraram com a mudança de nome.

Mas juraram vingança. Na bola.

No domingo, 20 de setembro, a renda recorde foi doada pelo clube às famílias das vítimas dos navios brasileiros afundados em 1942, pouco antes de o Brasil declarar guerra ao Eixo. O Palmeiras dos “traidores da pátria” (?!) deu aula de civismo (entrando em campo com a bandeira brasileira, por orientação do capitão Adalberto Mendes), respeito (não entrando no jogo sujo dos bastidores) e, principalmente, futebol. Ao menos, até o adversário querer jogo.

Os ingressos (para quem não fosse sócio do Palmeiras, o mandante) começaram a ser vendidos 9 da manhã. 10 horas os portões do estádio foram abertos. Mais de 700 agentes de segurança foram escalados. Inclusive investigadores da polícia da ditadura Vargas. Devidamente anunciados pelos órgãos de propaganda do governo, em comunicados veiculados pela imprensa. Quem agisse como “elemento discrepante” do “espetáculo de ordem, entusiasmo e brasilidade (?!)” seria “tratado” de modo “compatível com a situações excepcional” que a sociedade atravessava: sob ditadura nacional lutando contra outras internacionais…

Bola rolando, o Palmeiras foi melhor o jogo todo. Também na pancadaria entre os atletas. Aos 20 minutos, o centromédio Og Moreira tocou para o centroavante Echevarrieta, que recuou ao meia-direita Waldemar Fiúme. Ele cruzou, a zaga rebateu e Cláudio pegou de primeira, cruzado. O primeiro gol palmeirense foi do futuro maior artilheiro corintiano.

Waldemar de Brito (descobridor de Pelé) empatou, aos 25 minutos. Aos 41, fez-se a lógica. E a justiça dentro e fora de campo: o ponta-esquerda Lima bateu uma falta na área, Og Moreira pegou o rebote da zaga rival, rolou para o médio-esquerdo Del Nero bater forte. Echevarrieta trombou com Virgílio e o goleiro Doutor se atrapalhou. Dois a um.

Aos 15 do segundo tempo, Echevarrieta aproveitou um tiro espirrado de Og Moreira e desviou de cabeça, fazendo 3 a 1.  Mais cinco minutos e Virgílio deu um carrinho no centromédio palmeirense e cometeu pênalti. Falta e cartão vermelho para o são-paulino.

O delegado Martins Lourenço teve de levar o zagueiro para fora de campo depois de cinco minutos de protesto.  Enquanto isso, o capitão tricolor Luizinho Mesquita, ex-palestrino, conversou com dirigentes são-paulinos no túnel do vestiário. A ordem foi passada. Era para o São Paulo sair de campo. Só não desceu para o vestiário porque o policiamento não permitiu.

Resultado: sem sair do gramado, mas sem querer jogo, os são-paulinos ficaram plantados no campo deles, impedindo a cobrança de pênalti. O árbitro esperou até 45 minutos e encerrou o jogo. E o campeonato.

A Federação Paulista puniu o São Paulo pelo abandono com um mês de suspensão. Em 2003, o jornalista Ruy Mesquita, diretor de O Estado de S. Paulo, confirmou que dirigentes do clube arrumaram a confusão deliberadamente para, na Justiça Desportiva, reaver os pontos (e o moral) perdidos no Pacaembu.

Perderam tudo em 1942. Conseguiram tirar o Palestra de campo. Mas colocaram o Palmeiras como nenhum outro campeão na história do futebol. Debutante que venceu um rival que deixou a luta.

 

 

Data: 20/09/1942

Local: Pacaembu

Renda: 231:239$000

Público: 55.913

Juiz: Jaime Janeiro Rodrigues

Gols: Cláudio (20’), Waldemar de Brito (25’), Del Nero (41’) e Echevarrieta (60’)

PALMEIRAS: Oberdan; Junqueira e Begliomini; Zezé Procópio, Og Moreira e Del Nero; Claudio, Waldemar Fiúme, Echevarrieta, Villadoniga e Lima

Técnico: Del Debbio

SÃO PAULO: Doutor; Piolim e Virgílio; Lola, Noronha e Silva; Luizinho Mesquita, Waldemar de Brito, Leônidas da Silva, Remo e Pardal

Técnico: Conrado Ross