Campeões de berço

 

O teste do pezinho-quente foi positivo para Marcos, em 1974, e Giovanni, em 1993.

 

O obstetra do Nossa Senhora do Carmo resolveu esperar mais que o recomendável naquela tarde fria e feia de domingo paulistano. Futebolite era o diagnóstico dele, não da parturiente. No Morumbi, Palmeiras x Corinthians. Finalíssima do Paulistão de 1974. Cem mil corintianos não gritavam “campeão” desde 1954. Vinte mil palmeirenses haviam gritado “campeão” pela última vez em fevereiro daquele ano, no empate com o São Paulo que valeu o Brasileiro de 1973. Na maternidade, o médico retardou o quanto pôde o nascimento de Marcos. O doutor, se eu não me engano, torcia mais para que não se celebrasse o primeiro título corintiano em 20 anos do que pelo Palmeiras cardíaco.

Aos 24 do segundo tempo, Ronaldo. Um a zero Palmeiras. O silêncio e o choro corintiano corroeram o Morumbi. Na maternidade, seu Jamil correu celebrando o gol de Ronaldo e ainda procurando o médico. Dona Vera sentia as dores e pressentia a chegada de Marcos. O pai da criança não achava o doutor.

O homem de branco só apareceu depois do apito final. O pequeno Marcos nasceu duas horas depois do Derby. O médico enfim estava por lá. Mas parecia não estar nem aí. Ou só queria mesmo era estar no Morumbi. Celebrando mais um título. O pequeno Marcos respirava difícil, como a mãe, o pai e o médico durante os 90 minutos cruciais de 22 de dezembro de 1974. Um tapinha do tio e padrinho Sergio deu jeito, e o Marcos enfim começou a chorar. Muito.

Espernearia ainda mais a partir de 1976 com o amargo jejum alviverde. Nessa longa sala de espera, outro médico parecia doente de tão saudável alviverde que era. O doutor Erasmo teve sintomas parecidos em 12 de junho de 1993. Três dias antes nasceu Giovanni, o primogênito. Gigio para a família do médico que vivia dias de angústia. Não apenas pela chegada do filho a este mundo. Mas pela perda do chão e fim do planeta que foi a chegada de Viola na bola que Neto cruzara da direita. Gol Porco de Viola no primeiro jogo da decisão de 1993.

O Palmeiras precisaria superar o Corinthians e o jejum. O doutor Erasmo precisou superar o chefe que não queria dar alta à mãe e ao Gigio. Eles teriam de passar o 12 de junho na maternidade. Mas como assistir àquele jogo no hospital? Não tinha como. Teve jeito: doutor Erasmo assumiu a responsabilidade de pai e de médico: assinou a alta da mulher e do filho um dia antes do previsto e necessário. Foram todos para casa para ver pela TV o amor de família.

Palmeiras 3 x 0 Corinthians era o placar celebrado por Erasmo com Gigio o tempo todo no colo até aquele pênalti em Edmundo. O que Evair fez os palmeirenses soltarem a voz. No gol que fez doutor Erasmo soltar o Gigio das mãos que o embalaram nos 100 minutos de jogo e prorrogação. Não fosse a mãe zelosa e firme como um Oberdan, Gigio, de apenas três dias, teria esborrachado no chão. Solto pelo pai que soltava o grito do gol do título e esquecia tudo – até o recém-nascido e campeão.

A mãe do Gigio fez a melhor defesa de um palmeirense naquele 12 de junho ao defender o filho da palestrite crônica do doutor Erasmo. Como o seu Jamil conseguiu defender o filho Marcos naquele 22 de dezembro de 1974, procurando o médico que ouvia o jogo que valia por todas as vidas.

Dirão os céticos: Quase o Marcos não nasce por causa de um médico palmeirense demais! Quase o Gigio morre por causa de um pai e médico palmeirense demais!

Eu prefiro pensar que Marcos e Gigio vivem ainda mais todos esses anos por terem a mesma paixão do médico de um e do pai do outro. O amor ao futebol quase levou desta vida os bebês. Mas é Palmeiras quem leva Marcos e Gigio pela vida com mais amor.