Casamento à distância

Conheça o Consulado do Palmeiras em Lisboa e entenda como é acompanhar uma partida do Verdão a milhares de quilómetros do Allianz Parque

– Chuta! – gritou um. 

– Não! – lamentou outro. 

– Vamos ganhar, Porco! – todos cantaram. 

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Em um restaurante pequeno em Lisboa, vive-se o Palmeiras todas as semanas. Uma pizzaria italiana que também vende hambúrguer e que cede o ambiente ao consulado oficial do Verdão na cidade. 

Reunidos, os torcedores partilham daquilo que têm em comum: o amor inimaginável pelo time do coração. Conversam, dão risada, se divertem. Cornetam, xingam e, acima de tudo, transpiram as cores que levam no peito e no coração. 

No último domingo (16), como é de praxe, o evento ocorreu. Segundo o grupo oficial no WhatsApp, eram esperadas 58 pessoas no refeitório Senhor Abel, localizado no Braço da Prata em Lisboa. Para um estabelecimento relativamente pequeno, a lotação era quase máxima, com o clima da Rua Palestra Itália ficando cada vez mais evidente. 

Cerca de uma hora antes do jogo, Diogo estava acompanhado de cinco ou seis pessoas enquanto monitorava o frango que preparava na churrasqueira. Todos devidamente trajados com uniformes e camisas do Palmeiras conversavam de maneira amistosa e com cervejas em mãos. 

O churrasqueiro contava histórias de quando vivia na Irlanda. Acompanhado do pai, fez um serviço para uma senhora muito rica que dizia que os brasileiros estavam lá para ‘aprenderem as novas tecnologias, como o ônibus’. Ele falava indignado, enquanto o resto ria com a imprevisibilidade do caso. 

Pouco depois, do lado de dentro, estava Ted, que é Alexandre, e Alexandre, que não é Ted. Conversavam sobre o momento atual do Palmeiras, quem Abel deveria escalar, qual o futuro de Rafael Navarro na equipe. Cumpre função tática, mas é grosso. Flaco López? Só para o ano que vem. 

Ted está em Portugal desde 2016. Ao chegar no país, não se viu assustado pelo fuso horário desfavorável que poderia o atrapalhar em sua rotina de acompanhar o Palmeiras de maneira quase religiosa. No entanto, sem a companhia dos amigos ou de outros torcedores, via nas derrotas da equipe um grande problema. 

– Ganhar o jogo sozinho é de boa. Vejo vários jogos em casa. Pijama, televisão, acabou, eu durmo. Agora, quando perde, não consigo dormir.

O problema, no entanto, teve uma resolução fácil. Ficou sabendo de um grupo palmeirense que vivia em Lisboa e passou a fazer parte. No início, vendo jogos de maneira despretensiosa, eventos simples entre amigos que compartilhavam do mesmo amor. Com o tempo, porém, os palestrinos, com o incentivo do clube, deram início de maneira oficial ao Consulado do Palmeiras em Lisboa. 

Além de Ted, Pedrinho chegou nos primórdios do projeto. Atualmente, ao lado do cônsul Léo, é o principal responsável pela organização dos eventos, como foi na final do Paulistão 2020, realizado em dois restaurantes – sendo um de Alexandre, na Parede – devido à pandemia da Covid-19, e a final da Libertadores 2021, que contou com mais de 500 pessoas. 

Palmeirenses reunidos para o clássico contra o São Paulo (Foto: Consulado Palmeiras)

Nascido em Itapira, o palmeirense está em Portugal desde antes do início do consulado. No período, trabalhou em restaurantes e encontrou na companhia dos outros torcedores um alento. Passou por momentos difíceis na vida pessoal, com ansiedade e uma quase depressão, mas não desistiu do projeto que leva com amor. 

Na conversa, Pedrinho explicou como foi a preparação para o evento da final da Libertadores. Feijoada, open bar, mais de 500 pessoas. Realização difícil, planejamento árduo. Preocupações mil.  E se alguém arruma confusão? E se algum menor de idade conseguir bebida? Vai dar merda… Não deu. 

A realização foi um sucesso. Festa aos montes, todos felizes com o título e a companhia dos amigos. Um troféu mais que especial, e o primeiro na expectativa de uma vida mais fácil com o fim iminente da pandemia da Covid-19. 

Agora, em eventos menores, o consulado acompanha todos os jogos do Palmeiras. Às vezes com pouca gente, outras com mais. Em clássicos e horários favoráveis, o refeitório fica lotado, e contra o São Paulo não foi diferente. 

Pouco depois do papo, o jogo teve seu início. O restaurante, então, deixou de ser um mero estabelecimento comercial e se tornou em uma pequena, mas potente, filial do Allianz Parque. Mesmo com tantos milhares de quilómetros de distância. 

– Eu sou Palmeiras, sim, senhor. E bebo todas que vier – começou um torcedor animado no fundo do local. 

– Eu canto meu Porco, meu único amor – acompanharam outros. 

– Dale dale, dale ô – gritaram todos, em ritmo de festa. 

Com o Palmeiras embalado em campo, a torcida correspondia em Lisboa. Os cantos eram interrompidos por alguns intervalos de tensão e brincadeiras entre alguns torcedores. Falta não marcada, juiz ladrão. Filho da puta. O VAR é flamenguista. Cartão vermelho – correto! – para Ferraresi, celebração como uma bola na rede, e elogios aos montes. 

Em chegadas perigosas, gritos equivocados de gol que geravam uma pequena revolta interna. Afinal, todos sabem que dá azar. 

Ao final do primeiro tempo, clima de ânimo. Brincadeiras, risadas, conversas sobre as expectativas para uma segunda etapa melhor. Quem tem de sair? Quem deve entrar? Precisamos ganhar! 

O jogador Gustavo Gómez, da SE Palmeiras, em jogo contra a equipe do São Paulo FC, durante partida válida pela trigésima segunda rodada, do Campeonato Brasileiro, Série A, na arena Allianz Parque. (Foto: Cesar Greco)

No segundo tempo, o clima se manteve. Cantos, hino, festa sem fim. O fundo mais animado, como uma boa escola. A frente focada na TV, tensa com as chances desperdiçadas pelo clube. No pênalti perdido, silêncio por alguns segundos. Absoluto, como em um cemitério. Depois, clima de apoio, como se a energia transmitida através de palavras e palmeiras em Lisboa fosse empurrar a bola para o gol. 

Pouco antes, Diogo questionou: 

– Endrick deve entrar? É jogo para ele?

Respondi:

– Chance zero. Jogo tenso, pegado. Se ele entra e toma uma como o Danilo, já viu.

Queimei a língua. Abel optou pelo jovem, que fez sua segunda exibição pelo Verdão dentro do Allianz Parque. O estádio celebrou, o restaurante também. Era a esperança de algo novo, que ninguém sabe bem o que esperar.

– Vai fazer dois! – brincou Diogo. 

– Se fizer, te pago uma cerveja – respondi. 

Desta vez, não me dei mal – ou bem. Endrick teve uma boa oportunidade, criou e tinha de tudo para marcar. Foi derrubado fora da área por Beraldo que prontamente recebeu o cartão vermelho. 

O técnico Abel Ferreira e o jogador Endrick (D), da SE Palmeiras, em jogo contra a equipe do São Paulo FC, durante partida válida pela trigésima segunda rodada, do Campeonato Brasileiro, Série A, na arena Allianz Parque. (Foto: Cesar Greco)

Mais apoio, incentivo. Confiança. O time jogava bem, tinha dois a mais, era o cenário perfeito para uma vitória que aproximaria o Palmeiras do 11º título brasileiro. 

No entanto, a bola não entrava. Felipe Alves defendeu outra. E mais uma. Murilo perdeu a melhor oportunidade, e Flaco se atrapalhou quando recebeu livre. 

Mesmo com 12 minutos de acréscimos, o time foi incapaz de corresponder, marcar e somar três pontos. Em todos os presentes no restaurante, a frustração era evidente. Rostos tornaram-se desanimados, o ambiente ficou mais pesado. Menos risadas, mais revolta. 

Em clima de velório, o jogo acabou no refeitório Senhor Abel. 

Em clima de apoio, a bola rola novamente contra o Avaí. Porque onde o Palmeiras joga, o Consulado estará. Num casamento à distância com o amor das nossas vidas.

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