Chuteiras da humildade do Julinho Botelho e do Zé Roberto
Se eu tivesse autocrítica, não sairia da cama. Mas eu tive o mínimo para nem tentar delirar ser goleiro do Palmeiras. Não sou jogador frustrado. Sou palmeirense. Logo, qualquer coisa. Menos frustrado.
Mas eu daria um tempo de vida só pra um minuto dela bater um lateral pelo Palmeiras. Pela nossa paixão incondicional desde o berço. Nasci amando meus pais e nosso Palmeiras e meus filhos que não tinham nascido. Fácil dar um tempo de nossa vida para um minuto suar e ser ainda mais Palmeiras.
Difícil seria jogar pelo Palmeiras aos 40 anos. Impossível seria salvar aquele gol na Fonte (da juventude) Luminosa com o peito e a raça do Zé Roberto. Maravilhoso é saber que é nosso quem depois de 20 anos de carreira brilhante chegou ao Palestra como se fosse não a casa dele. Mas o berço. Onde tudo começou naquela correria quieta dele.
Muitos tentaram aposentá-lo. Zé Roberto os desapontou. Soube sair da cena que nunca roubou com o mesmo respeito devotado ao jogo e aos jogadores. Aos times e aos rivais. Aos que o julgaram e quiseram subjugar, ele apenas jogou. Na muda matou preconceitos. Na bola respondeu os desbocados.
O Zé para hoje. Mas para gente como ele, o aplauso não para. Um cara que jogou pra gente aos 40 como se nós e ele fôssemos crianças. Um vovô-garoto que nos tratou como netos e não tretou com ninguém.
O Zé pendura hoje as chuteiras que perdurou sem perder força e luz. Poderia pendurar como dois outros ex-Portuguesa de história no Palmeiras. Há 50 anos, quando deixou a camisa sete perpetuada como melhor ponta do clube, Julinho Botelho deixou o gramado do Palestra descalço. Com a chuteira desamarrada por Djalma Santos nos últimos chutes contra o Náutico. Deu a volta olímpica assim. Uma chuteira jogou pra torcida. A outra está com a querida família Botelho.
Julinho, outro exemplo de saber e suor, graça e raça, humildade e respeito, deixou o futebol para entrar na história descalço.
Torço para que Zé tenha hoje as chuteiras da humildade desamarradas no gramado do Allianz Parque. Para que ele possa pisar pela última vez como atleta. Para que a gente sinta pela última vez quem honrou cada passo e cada palmo do campo do Palmeiras.