Dia do avô: a única torcida única
Torcida única é essa. Nuno Pantarotto só está abraçando o nonno Antonio Bernardi no gol em cima da hora da primeira vitória na Libertadores de 2017 porque o amor não tem clube – embora nosso time seja o nosso primeiro amor incondicional.
Nuno fez de tudo para levar o vô de 80 anos pela primeira vez ao Allianz Parque. Oito dias depois de colocar mais três stents no coração. Recorde no HCor. Como disse o amigo Paulo Calabar, mais uma primazia palmeirense: o coração mais stentado da cidade é verde.
Seu Antonio não conseguiu ver sentado o teste para cardíaco que foi a estreia em casa contra o Jorge Wilstermann. Ele jogou bola na infância a mais de 500km do Palestra de quase toda a família. Um joelho quebrado e mal operado o deixou longe do gramado na cidade natal, na região de Araçatuba. Mas não do futebol. Foi técnico e presidente do clube. Radialista esportivo. Professor de português por 40 anos em Bilac. Terra de poesia. Distrito que pouco antes de nascer seu Antonio se chamava Nipolândia. Por causa da Guerra, como o Palestra, a intolerância mudou de nome. Mas não de coração e formação.
A religião que é muito forte na grande família Bernardi ensina a respeitar quem acredita em outras fés. Como a do Nuno, o neto do Bernardi de Bilac. "Meu herói", nas palavras do seu Antonio, quando ele conseguiu os ingressos para a estreia no último minuto. O tempo do gol do Mina.
Presente que um dos netos deu a quem deu tudo à família. Nuno passou a infância e juventude em Bilac comendo e bebendo fiado. "Sou neto do Bernardi" era a senha do crédito em todo o comércio da cidade de cinco mil habitantes. O professor depois passava e pagava a dívida. Paga agora com juros e correção futebolística, com carinho e companhia do neto para pescar no Tietê, jogar carta, conversar de futebol. Conviver.
- Meu avô é igual passarinho. Não pode pôr na gaiola. Tem de viver. A mulher dele, a vó Dirce, a gente cuidou, cuidou até morrer. Ele não pode ficar numa caixinha. Tem de curtir.
Ir para o jogo. A mãe do Nuno não queria o avô no estádio. Não era "recomendável". Mas se um dia a gente vai partir de qualquer jeito, que seja depois de jogos como esse. Quando o nonno do Nuno torcia por um gol logo de cara, para não ter de sofrer muito. Como se fosse possível quando se é Palmeiras.
Festa é com seu Antonio. A maior de Bilac era organizada por ele e pela mulher, todos os setembros. Vinha toda gente. Sem distinção. Como se fosse uma família só. Como é um Allianz Parque lotado. Tudo vira Palmeiras.
No jogo difícil, ele se encantou com Mina. "Esse becão é bom, hein? Tem as pernas cumpridas. Olha o jeito que corre”. Mas nada do gol sair. Para desespero do neto: “Levo meu vô na churrascaria e acabou a carne? Não pode!”
O Palmeiras pode. Até fazer quem não é verde chorar. Nuno apareceu na foto celebrando com o avô (cujo rosto está tatuado no braço do neto). Ambos choram pelo gol no "último minuto", como aparece no vídeo belíssimo da TVPalmeiras/FAM. Nuno que não celebra o gol de Mina, apenas abraça o avô. Nuno de regata verde. Nuno que foi por 90, ou melhor, 96 minutos palmeirense no coração sem stent. No coração alvinegro.
Doutor, não houve engano. O coração do neto do Bernardi é…
O único rival que torceu pelo Palmeiras contra o Wilstermann. Ou muito melhor: torcida única pela maior noite da vida do Bernardi. Torcida única pela família do futebol.
- Se não morri agora, não morro mais.
Palavras do seu Antonio. Oração de todos nós. Ainda morreremos de Palmeiras. Mas, até lá, vivemos melhor por ser Palmeiras.