Dois anos daquele dia 2
Esse texto acontece desde o dia 03/12/2015.
Faz 24 horas que Heber Roberto Lopes avisou ao seu assistente, Émerson, que a final da Copa do Brasil terminaria em 1 minuto. Acabaria o nosso sofrimento, os nossos choros entalados, nossos gritos espremidos, nosso orgulho contestado e nossa paixão colocada em cheque.
Nossa vida sendo classificada, rebaixada, desenganada. Acabaria a piada pronta, acabaria o time do quase, acabaria com a empáfia daqueles que se julgavam superpoderosos, imbatíveis e impassíveis de serem homens. Acabaria.
O final daqueles 90 e poucos minutos que só o relógio assim os compreendem, eu os chamaria de anos, mas diriam que é uma alucinação, trouxeram à minha palmeirense mente um filme que eu começo a contar pra vocês a partir daqui:
Cheguei ao Palestra Itália, dia da final, por volta das 19h, mas como essa história é anacrônica, voltemos às 6h30 desse mesmo dia. Acordei, o primeiro pensamento, ainda letárgico, foi: será? Será que devo ir? Será que suporto? Ser… CLARO QUE SIM.
Que grande imbecilidade foram os segundos de descrédito meu sobre minha própria paixão. O descrédito alheio era o que eu mais recebia, ninguém apoiava a empreitada de me embrenhar nessa missão de ser campeão, de pagar uma pequena fortuna e não ter lucro (maldita seja a visão econômica da paixão!), de correr o risco de não ganhar.
Sobre tudo isso, penso que: arquibancada forma caráter, paixão forma ser humano e ser feliz não custam cifras, custam histórias. Eu fui. Palmeiras!
Meio dia, estação Palmeiras/Barra Funda: tudo calmo. Eu estava calmo. Parecia haver uma suspensão temporal e uma tensão iminente. A bomba explodiria em poucas horas. Havia pólvora por cada metro palmeirense do quadrado Paulistano.
Horas grudadas ao relógio, ao melhor estilo de arte renascentista, descreveram minha tarde. Acumulando pólvora. 17h30.
Saímos eu, Júnior Falcade e João Paulo Falcade. Cada um com seus amuletos e fé carregados, em missão de fazer história. Do metrô da Sé à Barra Funda, uma frase do JP me marcou: “Está ficando cada vez mais verde”. Pura verdade. Cada estação que vencíamos, mais apaixonados iguais a nós surgiam, quase que nascendo do chão, da paixão. Chegamos.
Na Barra Funda, o som contagiava. Milhões de verde humanos correndo, caminhando e cantando e seguindo o verdão. Em comboio de rojões e empolgação, os milhares se encaminhavam ao velho Palestra. TERREMOTO.
Não havia espaço, não havia medo, não havia nada além da certeza que encher as ruas daquela maneira insana, que assombrava até a velha guarda que vira Evair levantar a América. Não havia regra. Milhões de pessoas no aperto do coração gritando o que viesse à mente para que o recado fosse dado: nós faríamos o Palestra sacudir essa cidade, seremos campeões. Ainda faltavam 3 horas para a bola rolar.
Outra frase marcante que ouvi enquanto passava por aquele carnaval foi um senhor profetizar: “Hoje é o jogo mais importante do PARMERA nessa década”. Crianças e velhos, eu e Deus ouvimos. O futebol ouviu. Ele estava tão certo.
Entrei no Allianz Parque, imponentemente calado, tenso e apaixonado. Eu apenas esperei. Não sabia o que faria. Não tinha amigos ou parentes por perto, mas tinha a Família Palmeiras inteirinha ali, do meu lado, profissão de fé.
22h. Lembram-se da pólvora? EX PLO DIU. Terremoto, tsunami, loucura. Todos sabíamos, ou pirávamos, esgotávamos nossas forças e vozes, ou voltaríamos esgotados e derrotados. Foi lindo, foi catártico, como adorava dizer a Beatriz Zanatel, no meu colegial. O mosaico subiu, a torcida pulsou, eu senti o chão chacoalhar, chacoalhei junto, todos nós. Não havia um ser humano sequer usando seus celulares ou suas cadeiras. Estavam hipnotizados. Primeiro choro.
22h45. O gol perdido pelo homônimo do filho do Cara, a bola que o pai sagrado dele tirou do rumo da tragédia e os porquês de não ter acontecido ainda o momento máximo do futebol estavam comigo quando, pela primeira vez, usei os acolchoados assentos do Allianz Parque. Tinha 15 minutos para esquecer tudo e entrar no modo automático novamente. Respondi aos que queriam de mim alguma palavra. Era hora de garantir o dia mais feliz da minha vida. Levantamos.
10 minutos de agonia e, pause, todos vimos a felicidade virar matéria, todos se entreolhavam, admiravam o que viam, esperavam que o Emerson (lembram-se dele?), corresse para o meio, como quem corre para o sucesso. Correu. Corremos, rimos, choramos, abraçando uns aos outros, estapeando carinhosamente cada um. Gol. O primeiro passo havia sido dado. TERREMOTO, número 2.
Pela primeira vez, após aquela catártica (usei novamente, muita cultura) experiência da Rua Palestra, que vimos a taça de perto, tocamos o sucesso, experimentamos esse sabor. Não poderíamos perdê-lo. Agimos para tal. Acontece o terremoto 3, o gol do predestinado, da melhor pessoa para isso, para a redenção daquele que foi o vilão.
O futebol tem um calendário jurídico excepcional. Dudu. Minha cabeça, a 5 minutos de casar com a felicidade, teve um insight. Não pode ser tão lúdico, simples e óbvio. Cadê o obstáculo? Gol daquele que merece outro texto só para ele, daquele que causou o sanguíneo olhar Palmeirense. Cenário ideal.
6 meses depois, em uma nova final, em mais uma decisão em penais, era a chance de mudar as mãos que detiveram a felicidade. A chance do humilhado Palmeiras fazer diferente, descansar no sossego de vencer. Prass, paramos, parou o time do Pelé, chutou para tomar a historia do Palmeiras para si, e escrever, sob o próprio crivo, seu nome na nossa vida. Chorei outra vez. Mas não sabia o que fazer. Seria um inception?
Não. Não mais. Nunca mais. Eu era campeão. Nós éramos campeões. Não havia mais nada de errado no nosso mundo, a sensação não se verbaliza, se vive. Eu vivi, compartilhei, festejei, cantei, celebrei, matei meus fantasmas, desqualifiquei quem nos fez piada, nos desmereceram, nos duvidaram. Eu lavei a minha alma Palmeirense. De chuva, choro e taça.
Eu e mais 40 mil pessoas vivendo os dias mais felizes de suas vidas dentro do Allianz, eu e mais 18 milhões que explodiram no mundo todo. Sai do estádio, carregado de alegria e pela alegria de todos, me vi no meio de um revellion, ou algo muito superior a isso, em plena madrugada, com gente que nunca vi, mas as entendo como ninguém.
Cantei até a voz falhar, o estômago pedir ajuda e a cabeça duvidar se era real aquele dia. A sensação de não ser ficou maior quando me vi abraçado como o Paulo Vinícius Coelho, de terno e mochila, no meio da rua, 3 horas da manhã, gritando que o “porco já é tri”.
O final, como toda história de filme vencedor de Oscar, teria o final improvável e inesquecível. No meio da avenida Paulista, no meio da madrugada, com o sereno nos rostos, com frio, fome e loucura, com um ídolo de fé e profissão, celebrando o que nos une. Minha noite e a do Mauro Beting acabou desse jeito aqui:
Quase morremos há um ano. Dia 02/12/14, mas sobrevivemos graças ao Santos Futebol Clube
Morremos 02/12/2015, graças ao Santos Futebol Clube.
Renascemos campeões.