Ela saiu de casa, refutou o destino e decidiu lutar: como Leila se tornou presidente do Palmeiras

O pai, médico, queria que a filha cuidasse da família e dos filhos que nunca teve, afinal, seus planos eram muito mais ambiciosos

*Esse texto conta com declarações de Leila Pereira cedidas aos jornalistas Eduardo Ohata e Luiza Oliveira, do UOL

O pai era médico. Figura central de uma família carioca de classe média-alta, ele teve outros dois filhos, ambos homens, a quem sempre quis transmitir sua profissão. Para a menina, sugeria planos mais modestos: ficar em Cabo Frio, cidade que moravam, ter filhos e cuidar da família. Ela nunca aceitou. Entende, hoje, que havia nisso um pensamento machista, mas sua vontade era procurar coisas maiores para si. Se mudou para a capital e deixou de lado seu destino outorgado. Rebeldia.

– Meu pai não queria que eu saísse de Cabo Frio porque sou a única filha mulher. Ele queria que eu ficasse em Cabo Frio, casasse, tivesse filhos e fosse dona de casa. Meu pai nunca falou: ‘você não vai estudar’. Mas ele fazia força para que meus irmãos cursassem medicina, mas nunca houve força para mim. (…) Havia até um pouco de machismo do meu pai.

Leila Pereira durante lve no YouTube do NOSSO PALESTRA (Foto: Reprodução)

Ela se mudou em busca de ser o que ninguém próximo a ela havia sido. O pai não dava apoio, a mãe, ainda que tivesse levado a vida sugerida a ela, endossava o desejo da filha em subverter a ordem.

– Quando eu fui para o Rio, meu pai falou para a minha mãe: “Se acontecer alguma coisa com a Leila, a responsabilidade é sua”. Minha mãe disse: “Mas ela vai”. Meu pai não queria, mas minha mãe sempre dizia: “A Leila tem que fazer faculdade. A Leila tem que trabalhar. Minha mãe nunca trabalhou, é dona de casa. Eu não tive em quem me espelhar. Em ninguém. Mas sempre quis algo a mais. Eu sempre soube que minha vida não estaria restrita a Cabo Frio, que é uma cidade, pequena, embora linda. Mas eu sempre quis mais. Sempre.

Com 30 anos, o baque. Leila perdeu o pai, vítima de um acidente. Um trauma que ainda caminha com ela, anos depois. A medicina, então, passou a ser protagonista em sua vida. Com a Faculdade das Américas, quis inserir a graduação para que se formassem novos médicos. Era a forma que tinha de celebrar a memória do homem que amava. Amor que também sente pelo marido, um paulista e palmeirense que conheceu em uma ocasião na capital carioca.

Passaram a namorar e ela teve de lidar com a idolatria de ‘Beto’, como chama José Roberto Lamacchia, fundador da Crefisa. À época sem internet, o fanático torcedor tinha de fazer ligações para saber o placar do Verdão. Era um ato de fé, todo santo jogo. Ela se acostumou e passou a ter carinho pelo clube, e não pelo Vasco, time da família, com quem ia ao Maracanã aos finais de semana. Um lazer que nada tem a ver com a relação passional que tem com o Palmeiras.

– Meus irmãos gostam muito de futebol e os dois torcem pelo Vasco. Por isso a imprensa fica dizendo que sou vascaína. Não sou vascaína. NÃO SOU. Deixo claro isso. Meu pai era vascaíno e direcionou meus irmãos. A mim, nunca. Quando éramos pequenos, meu pai nos levava ao Maracanã. Era uma coisa linda, todo mundo torcendo junto, aquelas bandeiras enormes. Mas meu relacionamento com o esporte começou na Rede Manchete. Eu ia com meus pais porque era um passeio.

– O Zé Roberto é muito palmeirense. Era uma loucura. Comecei a me relacionar com o Palmeiras, a gostar do Palmeiras, por causa do meu marido. Eu sou mais palmeirense que ele. São questões subjetivas, que acho que eu tenho que ir num cartório fazer um documento público dizendo que sou palmeirense. Como não tem o que falar de mim, falam esse tipo de coisa absurda.

E foi esse o pontapé da história profissional com a Sociedade Esportiva do Palestra Itália. Lembram-se da medicina? Justamente. Beto foi diagnosticado com um linfoma, uma doença severa e que o afastou do trabalho. Leila, então, num sábado pela manhã, enquanto tomava café com o marido, sugeriu investirem no Palmeiras, que lutava contra o rebaixamento, em 2014.

“Beto, por que você não patrocina o Palmeiras? Imagina você, sentado na sua sala, vendo…”. “Ah Leila… É muito caro”. “Beto, custa conversar? Vamos conversar”. Fomos lá, batemos na porta e não nos deixaram entrar. Voltei, liguei para o departamento de marketing e consegui uma reunião com o presidente. Num sábado, tomando café de manhã com o meu marido, comentei o assunto. E, à tarde, assinávamos o maior contrato da história do Palmeiras. O maior contrato da América do Sul.

E ela não se arrepende da empreitada, que agora culmina na presidência do Maior Campeão do Brasil. Ela já previa que seria um investimento com retorno, ainda que não tenha feito os devidos cálculos.

– Tudo é diferente no nosso relacionamento com o Palmeiras. Jamais fiz qualquer estudo de retorno ou de exposição de marca. Foi por amor. Amor ao meu marido, que sempre acompanhou o Palmeiras desde os dez anos de idade, que é sócio do Palmeiras desde 1955. E por amor ao clube que estava em uma situação muito ruim. Quando entrei, falei aos repórteres: “Vocês vão lembrar da Era Crefisa por que nós entramos para fazer a diferença”. Em 2014, o clube estava quase caindo para a Série B. Em 2015, fomos vice do Paulista e ganhamos a Copa do Brasil. No ano seguinte, título brasileiro depois de 23 anos. Quando entramos, é para vencer.

E ainda vieram mais um Brasileiro, mais uma Copa do Brasil, um Paulistão e uma Libertadores..
O presidente Mauricio Galiotte concede entrevista coletiva com a presidente da Crefisa, Leila Pereira na Academia de Futebol. (Foto: Cesar Greco/Palmeiras)

E por mais que existissem rumores sobre aquele ato de patrocínio ter caído do lado de lá do muro, Leila conta que nunca pensou em abrir esse investimento para algum outro clube, ainda que a procura tenha ocorrido.

– Não sei se foi um pouco depois ou um pouco antes de fecharmos com o Palmeiras, mas o São Paulo procurou nosso departamento de marketing. Conversamos, mas não havia possibilidade. Somos muito ligados afetivamente ao Palmeiras. “Depois, toda semana aparecia a camisa de clubes grandes com o nome Crefisa na manga ou no peito. A gente optou por só ficar com o Palmeiras.

Ela ficou, conquistou, desalinhou suas ideia com o então presidente Paulo Nobre, que deixou o comando ao final do primeiro ano de parceria. Seguiu trilhando seu caminho, investindo em jogadores, crescendo seus investimentos e ganhando um apelido: Tia Leila. A Tia se candidatou ao conselho do Palmeiras, cargo para o qual alguém se candidata apenas tendo uma passagem como sócia do clube. Esse episódio, inclusive, rendeu a ela algum desgaste.

– Eu tenho a declaração do presidente da época dizendo: ‘Eu concedi o título para a Leila em dezembro de 96’. O presidente atual ratifica aquele documento dizendo que ‘esse documento é verdadeiro’. Na minha defesa, apresentei sete declarações iguais à minha que foram aceitas. Por que não queriam aceitar a minha? Se a minha não vale, as outras não valem também. Por que comigo?

– Sobre a entrevista [de 2015, na qual afirma que acabara de se tornar sócia], o que eu quis dizer era que tinha pouco tempo que estava participando politicamente do clube. Sempre que era preciso, me chamavam para contribuir [financeiramente] com a Academia, com o centro de imprensa, com jogador. Eu quis dizer que tinha pouco tempo que estava envolvida politicamente no Palmeiras

Este site, em 27/02/2021, noticiou:

Dona das empresas Crefisa e Faculdade das Américas (FAM), patrocinadoras do Palmeiras, Leila Pereira foi eleita para seu segundo mandato como conselheira do clube na tarde deste sábado (27). Com 387 votos, foi a candidata mais votada de sua chapa e dona de quase 10% de todos os votos computados no pleito. Com a vitória, ela fica apta a se candidatar à presidência do Palmeiras ao fim do mandato de Maurício Galliote, em dezembro de 2021.

Ela estava, oficialmente, apta a ser presidente do Palmeiras. Muita coisa mudou desde quando ela ainda era apenas a patrocinadora do Alviverde.

A chapa de Leila Pereira é a única candidata nas eleições do Palmeiras (Foto: Divulgação)

– Não posso largar minhas empresas porque hoje o meu marido está aqui, mas ele está com 73 anos, não tem tanta paciência de tocar o dia-a-dia. Quem toca o dia-a-dia sou eu, as questões estratégicas quem decide é ele, mas quem toca o dia sou eu. Não posso me dedicar full time a qualquer outra coisa. O Palmeiras precisa de alguém que se dedique full time. Posso colaborar muito continuando com o patrocínio e como conselheira, ajudando o presidente e os demais colegas no conselho Sobre o que acha que pode fazer pelo clube Agora, imagina o Palmeiras jogando na Argentina. Se acontece um problema aqui na Crefisa e não posso acompanhar o clube? É uma responsabilidade.

No dia 20 de novembro de 2021, Leila Pereira se torna a primeira presidente mulher da história do Palmeiras. Agora, com a possibilidade de se dedicar full time durante os próximos três anos ao clube que optou por apoiar e que amou ao longo da vida. Do time que é dono do coração daquele que tem o coração dela. Do time que abriu caminhos pro país saber a história da executiva que ‘deveria’ cuidar da família, numa praiana cidade do Rio de Janeiro. O sotaque carioca que agora fala em nome do mais italiano dos clubes paulistas. Ela saiu, viu e venceu. E vai em busca de vencer mais.

Vencer como a presidente da Sociedade Esportiva Palmeiras.

(Foto: Reprodução/Instagram)

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