Ensaio sobre a insanidade

UMA DAS MAIORES MENORES VITÓRIAS DO PALMEIRAS.

11 de abril de 2013.

PALMEIRAS 1 x 0 LIBERTAD.

ESCREVE PAULO JÚNIOR

Ensaio sobre a insanidade

Imagina um roteiro do Saramago onde um cara chamado Charles faz um gol diante dum estádio municipal entupido de gente e todo mundo começa a pular e abraçar e beijar descaradamente, tão loucos que deixam as arquibancadas cantando músicas de campeão mesmo estando a nove jogos dum título que está tão longe como ir da praça Charles Miller até o Mundial de Clubes no Marrocos a pé, mas mais perto que há noventa minutos atrás, alguém disse, sabiamente, ainda no portão principal do Pacaembu.

  • Quero o Corinthians, eles têm medo da gente em Libertadores.

Se em algum dia desse calendário o catadão do Gilson Kleina já teve um time-base, tenho certeza em afirmar, sem saber direito como seria esse onze ideal jamais idealizado, que nem de longe o professor alviverde já havia imaginado jogar com os times que vêm jogando, essa eterna peneira com uma placa ‘há vagas’ no vestiário um do Paulo Machado de Carvalho.

  • Quero o Atlético-MG, eles não têm experiência internacional.

E que me desculpem nossos maiores artistas, de Ademir da Guia a César Sampaio, de Leivinha a Evair, mas a Academia está em reforma e hoje é praça de operários da maior qualidade. Não bastasse o escrete ser o filet mignon da raça, do coração na ponta da chuteira e de todos esses clichês que vão de carrinho na lateral a socos no distintivo ao final do jogo, a torcida é um marido traído carente que se apaixona até por foto três por quatro.

  • Quero o São Paulo, é a hora da gente se vingar deles.

Esse Palmeiras x Libertad começou ainda no começo de uma noite de novembro passado, quando fomos rebaixados – de novo – em plena via Dutra, o Clóvis Rossi mudou de time (aliás, torço pra que ele estivesse vendo um tape do Barcelona na última noite) e tudo caminhou pra uma melancolia que foi de troca do centroavante pelo nada a DESPREZO pela Copa Libertadores. É isso. A prioridade é a segunda divisão, diz a primeira linha do arquivo de excel do presidente.

  • Quero o Grêmio, quero que o Barcos venha ao Pacaembu.

Mas contrariando os clichês o Palmeiras se via a uma vitória da tão sonhada segunda fase, o mata-mata mais temido de todo esse faroeste. E o que se viu foi um circo insano mergulhar numa onda de completa hipnose de trinta e cinco mil cabeças descontroladas, sem direção nem sentido.

  • Quero o Fluminense, eles não aguentam com a gente.

E não sejamos hipócritas de dizer que queríamos vida fácil – aqui vai mais um clichê dos meus favoritos, a de que tudo que é sofrido é mais gostoso – mas não imaginei que o gol da vitória, a sonhada goleada de um a zero, sairia de um chute errado que para no pé dum volante passeando na grande da área como quem não quer nada. Ele solta o pé, a bola passa por baixo do goleiro e tudo se apaga.

  • Com essa atitude, se tiver que pegar equipe brasileira, não vamos ter receio.

Ainda faltam umas duas horas pro fim do segundo tempo. Dá tempo de um dos nossos tortos ser expulso. O jogo caminha com a mesma loucura da hora que começou, mas o relógio anda devagar. A massa segue completamente maluca, gritando o hino como se fosse a última vez, chutando os degraus, agonizando. O time segue atrás da bola como se fosse um vale prato de comida vitalício. E ao fim, o placar magro mais gordo desse Palmeiras sadomasoquista vira comemoração de título, toma as ruas, rouba vozes, arranha gargantas e gasta cervejas.

Pra acordar com uma receita tarja preta ou só com a certeza que uma, mais uma, ao menos mais uma noite dessas nesse torcer prum Palmeiras que tem dado tão pouco, está garantida. Contra quem for, já se sabe como se quer que seja.

Estreamos no mata-mata,

Paulo Silva Junior.

ps.: as frases em itálico são as pescadas dos comentários dos torcedores do Palmeiras após o jogo e não levam em conta nenhuma possibilidade real dos confrontos acontecerem; a última delas é do técnico Gilson Kleina, na entrevista coletiva depois do 1 a 0.