Especial Libertadores-99: Palmeiras 2 x 1 Deportivo Cali, em 16/09/1999

(Capítulo do livro OS 20 JOGOS DO PALMEIRAS, Maquinária Editora, escritor por mim, e por três historiadores do Palmeiras. Faço um diálogo imaginário entre nós e o avô Beppe (nome do meu bisavô, uma mistura do que minha mãe, meu pai, meu irmão e amigos pensam) e o neto Angelo (um blend dos meus filhos e eu mesmo)

ANGELO – Aposto que você não viu os pênaltis da final da Libertadores!
Te conheço, Nonno…
NONNO BEPPE – Não vi, netinho. Mas ouvi lá de fora do Palestra. Depois de expulsar o Evair por nada, aos 49 minutos, o árbitro paraguaio acabou o jogo sem acrescer o tempo devido. O mesmo Ubaldo Aquino que nos tiraria o bi da Libertadores, em 2001, armando o apito na Bombonera contra o Boca, apitou o final uns cinco minutos antes! Meu velho coração palestrino não aguentou.
Saí das numeradas e fui pro pátio dos milagres. E vi, na alameda dos bustos, um senhor alto, forte, cabelos negros como o bigode. Nosso mito. Nosso manto azul na meta: Oberdan Cattani. Ele parecia conversar com cada uma das estátuas: o Junqueira, grande capitão da virada do Palestra para o Palmeiras; o Pai da Bola, Waldemar Fiúme e o Divino Ademir da Guia.
ANGELO – Eu sei dessa história, Nonno! Ele ficou orando e pedindo aos
ídolos para ajudarem o Palmeiras nos pênaltis, né?
NB – Isso! Como tantas vezes fez o Oberdan como nosso goleiro, de 1940 a 1954. Ele nasceu em um 12 de junho. Tinha de ser! Em 1999, cinco dias depois de ele completar oitenta anos, o Palmeiras conquistaria a América que já deveria ter sido nossa em 1961, contra o Peñarol. Poderia ter sido nossa em 1968, contra o Estudiantes. Teria boas chances de ter sido em 1994, se a mesma diretoria que nos levou fora da hora para o Japão numa excursão sem pé e só com o bolso também não fosse a mesma que aceitou uma virada de mesa na véspera da decisão
contra o Deportivo Cali.
FERNANDO GALUPPO – O Palmeiras foi sacado do Mundial da Fifa,
em janeiro de 2000, na véspera da decisão da Libertadores de 1999. Tudo isso precisamos superar naquela quarta-feira à noite.
ANGELO – O Deportivo Cali era bom?
NB – Time chato. Catimbeiro, bem armado no 4-4-2 da época. Com Bo-
nilla mais à frente, Zapata na cola do Alex, Candelo e Viveros marcando e também jogando. Ganhou merecidamente por 1 a 0 na Colômbia. Mas não era melhor que o nosso. Se o time do Felipão fizesse na decisão o que fizera no jogo de volta das oitavas de final, contra o Vasco, em São Januário, teria sido muito mais
fácil. Naquela noite, no Rio, o Alex fez tudo. Ganhamos por 4 a 2 e eliminamos o então campeão sul-americano. Nas quartas de final, ganhamos nos pênaltis o Derby, quando São Marcos foi canonizado. Passamos depois pelo River, depois de um show de nosso goleiro em Núñez (lá perdemos só por 1 a 0 por obras e milagres dele) e de um espetáculo de Alex e bela companhia na volta, no Palestra. Se nós tivéssemos jogado na final o que o fizemos naqueles 3 a 0 contra os argentinos, não teria disputa de pênaltis.
ANGELO – A Libertadores foi uma pedreira, então.
JOSÉ EZEQUIEL FILHO – Quase sempre é, para o campeão. Mas, em
1999, foi especial. A primeira fase teve o Derby paulistano e o clássico de Assunção (Olimpia e Cerro Porteño). Os times paraguaios eram bons. O nosso rival paulistano era ótimo. Jogou até melhor que a gente nos dois jogos das quartas de final, tanto que canonizou o Marcos. Mas, sabe como é, né… Na dúvida, na dividida
no Derby… Eles até acabariam ganhando o Paulistão de 1999 – também porque no primeiro jogo da final atuamos com apenas um titular. Mas, convenhamos, só o Palmeiras para jogar para ganhar três campeonatos ao mesmo tempo! Libertadores, Copa do Brasil e Paulistão de 1999!
ANGELO – Vencemos um só…
NB – Mas ganhamos o mais importante! Decidindo três torneios em doze
dias! Cinco partidas em menos de duas semanas. Numa quarta-feira, 2 de junho, fizemos a primeira partida da decisão da Libertadores, em Cali. Na sexta à noite, no sagrado 12 de junho, perdemos nos pênaltis a semifinal da Copa do Brasil para o Botafogo, no Rio, com dez titulares. No domingo à tarde, a única vez desde 1902 no Paulistão que um finalista jogou sem dez titulares! O Felipão poupou o time para a decisiva da Libertadores, três dias depois. Perdemos por 3 a 0 para
eles. Na quarta-feira, ufa, ganhamos a Libertadores. No domingo seguinte, com quase todo o time com cabelo pintado de verde, empatamos por 2 a 2. Mesmo com um a menos desde o começo de um jogo que não terminou por causa das nada diplomáticas embaixadas do Edílson.
JOTA CHRISTIANINI – Graças ao Capetinha eles não deram volta olím-
pica. Algo que só nós demos por aqueles dias.
NB – Isso eu vi. Ou não. Só lembro depois, vendo pela TV, a celebração
do Felipão com os gandulas ao final dos pênaltis. Só ele mesmo! Em vez de comemorar com os jogadores a conquista, nosso treinador foi em direção à meta das piscinas, onde estavam ajoelhados os nossos gandulas. Grandes palmeirenses.
Como o nosso treinador.
ANGELO – Foi o nosso título mais importante? Ou o mais emocionante?
NB – A Copa Rio de 1951, para muitos, é mais importante. Mais emocio-
nante para mim é o Paulistão de 1993. Mas, até pelo modo como foi conquistada, a Libertadores foi demais. Ou como diz o nosso amigo Ezequiel, não só o que ganhamos, não só como conquistamos. Mas onde vencemos a Libertadores.
JEF – Ganhamos títulos no Maracanã, no Morumbi, somos o maior vencedor do Pacaembu, mas a conquista desta Libertadores tinha que ser em casa…
na nostra casa, com a nossa gente. Cheguei às 16 horas no clube. Nos dias de grandes jogos me emociono de ver os torcedores chegando… de todos os lugares, de todas as classes, de todas as raças. Isso é Palmeiras, ou melhor, isto é Palestra Italia. O clube que popularizou o futebol no Brasil. Tenho absoluta certeza de que
os visionários palestrinos que fundaram a nossa Società, que em 1920 compraram o Parque Antárctica, estavam “todos presentes” nesta final. Foram eles que nos fizeram um clube de todas as raças. Por eles, fomos campeões da América, a mais
importante conquista do velho Stadium Palestra Italia.
NB – Eram mais de 32 mil lotando as arquibancadas. Sem contar os 10
mil que não conseguiram entrar. Foi a maior confusão do lado de fora. Teve tiroteio, dezoito feridos… Um taxista que morreu de infarto no começo do jogo. Era muito nervo fora e dentro. O time também estava nervoso. Era uma equipe que jogava com intensidade, fazia muita ligação direta, explorava muito o jogo aéreo. Bem Felipão. E tinha mais de fazer isso, com Oséas lá na frente e um goleiro baixo
como o venezuelano Dudamel. Duas vezes, ele saiu mal da meta. Duas vezes, o Alex apareceu sozinho e perdeu de cabeça, na cara do gol, sem goleiro…
ANGELO – O Alex era o craque do time?
NB – Era o mais jovem, talentoso e em melhor forma de uma autêntica
seleção. Mais uma Via Láctea montada pela Parmalat: Marcos (eleito o craque
da Libertadores) na meta; Arce e Júnior (o melhor em campo na final) atacando
muito pelas laterais; os técnicos Júnior Baiano e Roque Júnior na zaga; César
Sampaio (que vinha de lesão muscular) marcando e jogando demais na cabeça da área; Rogério saía pela direita, marcando mais que armando, e Zinho fazendo tudo, cobrindo Júnior, ajudando Alex na criação pela esquerda; o Alex entrava por dentro , às costas dos volantes, e articulava mais próximo do Paulo Nunes, o
atacante que jogava aberto pela direita; Oséas era o pivô no comando de ataque. Todos jogaram pelas seleções de seus países. Todos. Sem contar os reservas Cléber, Jackson, Evair e Euller. Todos de Seleção. Cléber e Evair poderiam ter sido sido tetras pelo Brasil, em 1994.
ANGELO – Mas demoramos muito para marcar!
NB – Final de Libertadores, né? Nosso torcedor fez uma bela festa, mas es-
tava ansioso. Aos 12, o Júnior perdeu uma das únicas bolas na partida e a torcida pegou no pé… Tínhamos de superar nossos nervos e a cera deles. E o banana do Ubaldo ficava na dele. Nem cartão dava!
FG – Tivemos sete chances de gol no primeiro tempo. Eles, apenas três. Mas
uma só não foi gol colombiano por haver um anjo guardião na nossa meta. Foi demais a defesa que o Marcão fez aos 27, quando o Bonilla jogou no contrapé e ele ainda espalmou pra escanteio. No segundo tempo, eles só tiveram uma chance de gol. Quer dizer… O Júnior Baiano doou para eles o gol… Dio Santo! Quando eu vi
o Bedoya avançar em direção a ele na grande área, não deu nem tempo de tentar dizer ao Baiano para não dar o carrinho na grande ár… Pênalti! O Zapata foi lá e empatou o jogo, aos 24… Pênalti tão claro que eles cobraram em menos de um minuto!
ANGELO – Foi de virada a vitória por 2 a 1, Nonno?
NB – Não, meu neto. Mas parecia ter sido. Outro dia mesmo, na rádio Mondo Verde, o Evair teimou que foi de virada. É que foi tanto sofrimento…
JEF – Sofremos tanto com aquele empate naquela hora com um pênalti besta que parecia que eles estavam goleando! Mas nós abrimos o placar. Gol de pênalti, também aos 19 do segundo tempo. Nem preciso dizer que foi do Evair. Bateu na rede lateral. Só ele. Ainda que o Matador não lembrasse direito a marcha do placar…
ANGELO – O Evair era reserva do Oséas?
JC – Era. Mas final sem Evair em campo não tem caneco. Acho que não
ganharíamos depois o Mundial em 1999 porque o Felipão demorou a escalá-lo contra o Manchester United, no Japão… Mas quando o Matador está em campo, tudo muda. Ele entrou no lugar do Arce, aos 11 do segundo tempo. O Rogério foi pra lateral, o Evair for armar com o Alex e finalizar com o Oséas. Em oito minutos em campo já estava 1 a 0. Gol de pênalti cometido pelo Yepes, que meteu a mão na bola para o Oséas não fazer o gol.
ANGELO – E aí o Júnior Baiano…
NB – Ele era maluco! Mas sabia jogar. Foi um dos artilheiros do time. Depois do empate deles, o Felipão mostrou a estrela. Aos 29, tirou o Alex e botou o Euller na ponta esquerda, para fazer um-dois com o Júnior. Abriu o Paulo Nunes na direita, centralizou o Oséas, recuou o Evair para armar e ainda soltou mais o Sampaio e o Zinho. Eu até teria colocado o Euller. Mas não naquela hora. E muito menos
no lugar do Alex.
ANGELO – Mas não deu certo?
NB – Pois é… 52 segundos depois, o Euller participou da jogada com o
Zinho, que abriu pro Júnior cruzar para o Oséas desempatar. Coisa de treinador predestinado. Ou que sabe mesmo das coisas. No final das contas, o Palmeiras criou quatorze chances de gol contra apenas quatro deles. Os caras cometeram umas quarenta faltas. Abusaram do antijogo. E o juizinho só foi expulsar um deles
aos 36, o Mosquera, e fez média ao expulsar o Evair, aos 49. Fez o que queriam os colombianos, que até festejaram quando o jogo acabou. Nós, no estádio, ficamos meio quietos. Receosos…
ANGELO – “Nós”? Você não conseguiu nem ver os pênaltis…
NB – Não só eu. Muita gente não conseguiu. Na tribuna de imprensa, dois representantes da Sociedade Esportiva Jornalismo ouviram os pênaltis nas escadas do estádio. Muita gente ficou no fosso abaixo do Jardim Suspenso. O Marcão ficou de costas para o pênalti do Zinho, e de cabeça baixa nas outras cobranças…
FG – Tinha mais é de ficar de cabeça baixa. O Zinho mandou uma bomba
no travessão no primeiro pênalti!
NB – Ele disse que havia ficado nervoso como nunca ficara na carreira de 27 títulos (oito só pelo Palmeiras) no pênalti decisivo no dérbi, nas quartas de final. Religioso, o Zinho pedira a Deus para que desse força às pernas para ele cobrar e eliminar os rivais. No pênalti da final, ele disse depois que não havia sido humilde o suficiente com Deus. Não agradecera devidamente a Ele pela graça concedida no outro jogo. Foi muito confiante (embora nervoso) e perdeu a cobrança. Quando a bola se perdeu no gol do fundo do Palestra, depois de explodir no travessão, aquilo calou ainda mais fundo no palmeirense. Foi um silêncio que eu não ouvira
no estádio. Tínhamos de virar a disputa de pênaltis! Ficamos ainda mais quietos e irritados quando o mala do goleiro venezuelano deles bateu e marcou 1 a 0, sem chance pro Marcão.
JC – Quando o Júnior Baiano foi bater o segundo, então…
NB – Ele bateu no meio do gol. A sorte é que o goleiro caiu no canto esquer-
do. O Gaviria bateu o segundo deles e fez a mesma coisa. Meio do gol. O Marcos ainda tocou nela, com as pernas e a mão. Mas passou no meio dele. Parecia que não seria naquela noite.
JEF – O Roque Júnior jogou no canto esquerdo o terceiro pênalti. O Duda-
mel foi bem na bola. Mas melhor foi o nosso jovem zagueiro. Ele saiu celebrando como se fosse o gol do título, incendiando o estádio que estava quieto. Eu digo que ele começou a fazer o Palmeiras campeão com aquela atitude.
FG – O zagueiro deles, o Yepes, que depois jogaria no Milan, mandou no
canto esquerdo. O Marcos foi bem. Mas não deu.
NB – O Rogério bateu nosso quarto pênalti. No ângulo direito. Aquilo que
o Roque Júnior iniciara na celebração acabou contagiando o Palestra. Como nem São Marcos estava dando jeito, era melhor apelar para a bola fora. Foi o que quase todos berraram antes da cobrança do Bedoya. Ele chutou na trave esquerda uma bola que roçou o corpo do Marcos na volta e foi pra fora. Empatamos!
JC – Mas quando vi o Euller indo para a bola… Meu Deus! Onde estava o
Evair para bater aquele pênalti?
NB – Estava no vestiário. Orando. Ajoelhado na frente de uma maca. Do
outro lado estava o padre Pedro, amigão do Felipão. Evangélico, Evair orava de um lado, o padre rezava do outro. Mas ali eram todos filhos do Pai da Bola Waldemar, do Filho do Divino Ademir, e do Espírito São Marcos!
ANGELO – Amém!
NB – O Matador não tinha nem TV e nem rádio no vestiário. O Evair imaginava que estava empatada a cobrança de pênaltis pelo barulho do estádio. Ele não ouvira o Palestra celebrar o primeiro pênalti, desperdiçado pelo Zinho. Mas
as duas comemorações seguidas fizeram com que ele sacasse que a disputa estava empatada. Só faltava um pênalti pra nós e outro pra eles.
JC – O do Euller…
NB – Muita gente da comissão técnica fechou os olhos quando ele correu
para a bola. E muita gente os esfregou não acreditando na categoria do Filho do Vento. Um baita jogador. Essencial na conquista da América. Dudamel, no canto esquerdo; bola, no canto direito, lambendo a trave, na rede lateral. 4 a 3 pra nós!
FG – Agora era hora de São Marcos!
NB – Sempre foi! Desde o primeiro jogo, em 1992, até o último, em 2011.
Foram doze títulos do nosso craque-bandeira. Naquele momento, porém, sei lá o porquê, não gritávamos “Marcos”. Gritávamos “fora”. E como a voz do palmeirense é a voz de Ademir da Guia…
JC – O Marcos foi pro canto esquerdo e não viu a bola raspando na trave
direita. Ele ouviu o barulho da bola explodindo na placa de publicidade.
NB – Eu não sei o que vi ou ouvi. Só sei que, nos pênaltis, você grita “cam-
peão”, “fora”, “gol”, “chupa”, “ahhh” tudo de uma vez. Não sei o que gritei. Só sei que a vida inteira vou lembrar o barulho que imagino que o Marcos ouviu com a bola raspando na trave. Como o Palmeiras raspara o troféu nas finais de 1961 e 1968. Como rasparíamos em 2000, naquele ano em que os eliminamos mais uma
vez, no pênalti do Marcelinho.
JEF – Campeão da América no Palestra. Era o palco certo. Por isso não
ganhamos a Libertadores nos outros anos. Porque não jogamos em nossa casa. Em nosso lar.
NB – Na casa que une a minha família, a famiglia verde, e tantos em cada
canto do lugar onde mais cantei na vida. Onde tanta gente que não se entende canta e vibra. Boa gente que só se entende como gente quando é Palmeiras. Todos temos um cantinho no Palestra. Onde cantamos e vibramos. Onde corneteamos
e divergimos. Onde o Palestra virou Palmeiras. O Palestra, agora Allianz Parque, é o. berço da Academia do país do futebol. O palco do Campeão do Século. O altar da comunhão palmeirense. O Palestra Italia. O lar do Palmeiras dos filhos desta
pátria mãe gentil, dos netos da Mamma Itália.
ANGELO – A casa do campeão da América.