Especial Libertadores-99: Palmeiras 4 x 2 Flamengo, Copa do Brasil, em 21/05/1999

Capítulo ATUALIZADO do livro 20 JOGOS ETERNOS DO PALMEIRAS. Lançamento da Maquinária Editora, em 2013. Ele conta um diálogo entre o avô de Angelo, o Nonno Beppe, e amigos conhecedores da história do Palmeiras.

ANGELO – Duvido, Nonno, que a torcida do Palmeiras tenha um dia jogado melhor que naquela partida da Libertadores de 2013 contra o Libertad, no Pacaembu. Nosso time era limitado, tinha doze desfalques, e a torcida carregou a equipe com uma paixão ilimitada.

NONNO BEPPE – Aquela noite no Pacaembu foi uma das maiores vitórias de um dos menores times do Palmeiras. Talvez a melhor partida da nossa torcida. A gente ainda estava distante de ser campeão mais uma vez, como voltaríamos a ser PALMEIRAS a partir de 2015. Mas não estava mais distante do Palmeiras como passamos uns anos terríveis nesta década. Até quando vencemos a Copa do Brasil de 2012 contra o Coritiba, também com um time fraco. Mas uma vez mais que se superou sob o comando do Felipão.

ANGELO – Ele foi o melhor técnico da nossa história?

NB – Até nisso somos privilegiados. O Brandão começou a carreira de treinador campeão estadual em 1947 com “a defesa que ninguém passa”. Luxemburgo montou algumas Vias Lácteas com as vacas gordas das estrelas dadas pela Parmalat, nossa cogestora, de 1992 a 2000. E o Felipão ganhou quase tudo, de 1997 até 2000, antes de ser campeão mundial pelo Brasil em 2002. Naquela seleção tinha São Marcos no gol, Cafu e Roberto Carlos nas alas, Roque Júnior na zaga, Rivaldo na armação. E Lúcio, Júnior, Juninho Paulista, Edmilson, Luizão, Edilson e Denilson, que haviam jogado ou jogariam no Palmeiras. Para o Brasil ser campeão do mundo precisa ter pelo menos um palmeirense em campo. Ou no banco. Como foi o Felipão na Ásia. Como foi muito importante o Luxemburgo em 1993. Como o Felipão voltaria a ser em 2018, quando foi decacampeão brasileiro invicto, com 14 partidas das 23 sem derrota com equipes alternativas!

ANGELO – Mas por que a torcida muitas vezes pega no pé dele?

NB – Futebol é assim. Criticaram muito o Luxemburgo quando saiu no fim de 1996, depois de fazer um time espetacular no primeiro semestre. Mais ainda quando deixou o clube no começo do Brasileirão de 2002, quando… Bem, quando… Ele só foi demitido do Palmeiras no começo do Brasileirão de 2009. Não sei se era o caso. Mas, enfim, o torcedor muitas vezes é ingrato. É só ver o que cobraram o Felipão depois de dois anos com um elenco modesto, de 2010 a 2012. Mesmo ganhando a Copa do Brasil invicto no último ano, ainda reclamavam o tempo todo dele – ainda que com alguma razão por erros que ele cometera.

ANGELO – Nossa turma do amendoim não é fácil…

NB – Todo craque, no Palmeiras, é um bagrecáfelo para a torcida. Somos assim. Muito corneteiros. Muito exigentes. Mas também porque o Campeão do Século não se contenta com pouco. Sempre exigimos muito. Jamais demais. É muito amor. Incondicional. O Felipão foi um treinador que conseguiu incutir no clube um outro tipo de jogo. Não mais apenas “acadêmico”. Ele também fez borbulhar nosso sangue verde como se fosse San Gennaro. Em 1999, ele não só treinou muito bem um elenco muito bem preparado fisicamente pelo Paulo Paixão. Ele também treinou a imprensa para falar o que ele queria. Mais que tudo: ele treinou o palmeirense a ser ainda mais palmeirense. Como ele mesmo, gremista histórico, também virou palestrino. E foi ele quem, em março de 1999, depois de suada e surrada vitória contra o Guarani, no Palestra, criou o termo TURMA DO AMENDOIM.

JOSÉ EZEQUIEL FILHO – Poucas vezes vi um Palestra tão lindo. Poucas vezes vi virada espetacular como aquela das quartas de final da Copa do Brasil de 1999. Era nosso 41o jogo na temporada! E era apenas o mês de maio.

FERNANDO GALUPPO – Mas parecia ser o último jogo de nossas vidas. Acabou mesmo sendo o primeiro jogo da conquista da Libertadores. Naquela virada sobre o Flamengo sentimos que podíamos tudo.

JOTA CHRISTIANINI – A Copa do Brasil de 1999, assim como o Paulistão, não era prioridade. Queríamos a Libertadores que conquistaríamos um mês depois. Também pelo modo como viramos o Flamengo. E fizemos história.

NB – Cléber, com lesão muscular, era desfalque na zaga. Como Júnior Baiano. Atuamos com Roque Júnior e Agnaldo Liz à frente do Marcos. Arce e Júnior eram os laterais que atacavam sempre, especialmente o baiano. Ele saía driblando todo mundo e criava lances pela esquerda com o Zinho. César Sampaio era o cabeça-de-área. Rogério também marcava pela direita. Na esquerda, armando e cercando, o incansável Zinho. Na ponta mais ofensiva do losango na intermediária, o craque Alex – que não fez um grande jogo. Diferentemente do que faria uma semana depois, comandando a goleada e o show contra o River Plate, no jogo de volta da semifinal da Libertadores.

NB – No ataque, Paulo Nunes corria pelos cantos, e Oseás era o pivô no comando de ataque. Um ótimo time que se superou e fez daquela virada na Copa do Brasil o mote para conquistar a América.

JC – E você cornetando o Alex… Com 30 segundos, ele deu um chapéu para mostrar quem mandava no Palestra!

JEF – O problema é que, 20 segundos depois, o Rodrigo Mendes aproveitou bobeada defensiva nossa e fez o primeiro gol de pé direito dele pelo Flamengo.

FG – O jogo de ida no Maracanã havia sido 2 a 1 para eles. Precisaríamos de um 3 a 1 para classificar sem pênaltis. Não seria fácil. Eles tinham um ótimo time, com o Romário no comando do ataque e jovens talentosos como Athirson pela lateral esquerda.

NB – Nossa torcida começou incentivando muito. E também não é fácil superar o entusiasmo do rubro-negro. O Flamengo levou muita gente ao Palestra.

JC – Eles marcaram muito bem a gente no primeiro tempo. Chegamos mais nas bolas paradas que nas construídas. Teve uma cabeçada do Sampaio no travessão, aos 14. Alex também mandou uma bola no travessão, aos 19 minutos. Ainda era pouco.

JEF – Eu estava preocupadíssimo. O Flamengo bem em campo e com ótima vantagem. A gente chegando só de longe, ou na bola parada. E aquela questão: não seria melhor parar por ali na Copa do Brasil? Poupar o elenco para a Libertadores e, se não atrapalhasse, para a disputa do Paulistão?

NB – Só sei que estava meio me conformando com a eliminação no final do primeiro tempo. Afinal, tivemos oito chances de gols e não fizemos. Eles chegaram só três vezes e, na primeira, fizeram a vantagem. Lembro de estar com amigos quando, meio desanimado, olhei para o gramado. Vi uma placa de publicidade que estava perto da ponta direita do nosso ataque no primeiro tempo. Estava escrito: “São João da Barra, o Conhaque do Milagre”. Era um sinal!

FG – Sou mais São Marcos.

NB – Vocês podem rir de mim. Mas comecei a achar que dava para virar e vencer naquela hora. Eu sempre acreditei na mística das meias brancas em jogos decisivos. Em outras coisas que tenho vergonha de contar até…

ANGELO – Sei! Quando você pedia para a Nonna ficar passando na frente da TV para sair gol do Palmeiras!

NB – Pois é. Coitada dela! O pior é que isso começou nos tempos da Taça de Prata, em 1981. Ela ficou todos os anos 1980 andando de um lado pra outro, na sala, na frente do televisor!

JC – Para ser campeão é preciso time. Elenco. Planejamento. Competência. Dinheiro. Nunca vencemos nada com times mais ou menos.

NB – Vencemos sim! Em 2012 ganhamos a Copa do Brasil com um time bem fraco. O mesmo que depois, no final do ano…

ANGELO – Não fala, Nonno!

JC – Mas eram times que se superavam. Como aquele de 1999.

NB – Um time de grandes jogadores, claro. E grandes palmeirenses. Que viraram o jogo. Viraram história. De fato, ninguém fez uma partida soberba naquele primeiro tempo. A equipe esteve abaixo da média. Eles tinham um bom time e jogaram bem. Era aquela equipe que acabaria tricampeã estadual até 2001. Começaram melhor que a gente no segundo tempo, também.

FG – Parecia que a gente pensava na outra semana, na volta contra o River Plate. Ou mesmo no jogo no fim de semana pelo Paulistão contra a Matonense.

JC – Eles tiveram outra chance aos 8, com o Athirson, que estava bem solto no segundo tempo. O Carlinhos, treinador deles, avançara o lateral como se fosse um ala. Felipão respondeu rápido e colocou, aos 11 minutos, o Euller. Saiu o Arce, que era um dos que mais haviam jogado em 1999. O Rogério, que jogou muito, foi para a lateral direita. O Zinho ficou mais preso e mais atrás pela esquerda. Quase como um volante. O Alex encostou mais no Oséas, que passou a ter o apoio pelas pontas do Paulo Nunes e do Euller. Do 4-3-1-2 passamos ao 4-2-1-3.

JEF – O meia-atacante Rodrigo Mendes sentiu a perna. Era o quarto jogo deles em sete dias! Eles nem tinham sete reservas para o clássico. A maratona também era pesada para o Flamengo.

FG – Mas nós sofríamos mais que eles. Jogávamos a Libertadores, o Paulista, a Copa do Brasil e também tínhamos disputado o Rio–São Paulo no começo do ano!

NB – Esse cansaço me fazia crer que não daria para a gente correr atrás deles.

JC – Mas ali era Palmeiras! Aos 11 minutos empatamos. Zinho bateu, o goleiro Clemer não segurou, e o nosso armador ajeitou com categoria para o Júnior cruzar da esquerda. A bola desviou no Fabão e sobrou limpa para o Oséas finalizar de canhota.

NB – Faltava só um gol para os pênaltis. Ou dois nossos para a classificação!

JEF – Mas não deu um minuto e uma falta inexistente foi marcada pelo goiano Antonio Pereira da Silva. A bola bateu na mão do Agnaldo, na meia direita. Não foi mão na bola. Não foi nada!

NB – Acabou sendo um golaço do Rodrigo Mendes de falta. E ele estava sentindo a perna…

FG – Dois a um para eles, exatamente 2 minutos e 20 segundos depois do nosso gol.

NB – Para mim, acabou tudo ali. Tínhamos de vencer por 4 a 2, pelo critério do gol marcado fora de casa. Nem a saída do Romário, por lesão, nos ajudava muito naquele instante.

JEF – O Carlinhos fechou o Flamengo ainda mais. Deixou o Rodrigo Mendes na frente com o Caio e encheu de volante atrás, com o Beto para armar.

NB – Mas, aos 15 minutos, em um chute de longe do Júnior, a bola bateu no gramado e tirou o Clemer da jogada. 2 a 2! Pelo menos, acabamos com aquela festa de título mundial da torcida deles.

JC – Mas ainda faltavam dois gols!

NB – Então, com 15 minutos, o Palestra voltou a pegar fogo. O Júnior largou a lateral de vez e foi armar pela esquerda. Mas ainda estávamos nervosos. Paulo Nunes e Euller trocaram de lado.

JC – O Diabo Loiro estava nervoso como eu. Levou cartão amarelo bobo, por reclamação.

JEF – Era um time bem pilhado pelo Felipão. Também pela torcida.

NB – Com a entrada do Euller pela direita, o Athirson teve de só marcar. O Flamengo perdeu o contragolpe. Mais ainda aos 24, quando o atacante Caio saiu lesionado. Entrou o volante Bruno Quadros pela direita, só para tentar conter o Júnior. Eles passaram a jogar no 4-1-4-1, só com o Rodrigo Mendes no ataque.

JC – O juizão parava o jogo por qualquer coisa. Ele picotava a partida que não andava. Já o relógio…

NB – Até olhei para ele nessa hora quando o Felipão botou o Evair para aquecer. O Euller fez bom lance e mandou de canhota para a defesa do Clemer. Eram 28 minutos.

FG – Mesmo todo fechado, o Flamengo estava mais perigoso no contragolpe. Nossa torcida estava ficando quieta. A deles berrando “Mengo”.

NB – Mas, aos 31, Matador em campo!

JEF – Saiu o César Sampaio. O Zinho ficou como cabeça de área!

NB – Alex foi para a meia direita, o Evair entrou com enorme raça e disposição na meia esquerda. Que jogador! Euller e Paulo Nunes pelas pontas, Oséas no comando do ataque. Era um 4-3-3 com dois pontas de ofício, dois centroavantes e dois meias!

FG – Era o tudo ou nada. Com o Evair, eu me sentia mais tranquilo. Ou mais esperançoso. Sei lá.

NB – Mas teve uma virada de jogo que o Rogério mandou lá na arquibancada. Eu até sentei… Sabe aquela jogada para o torcedor sair do estádio que mais nada vai acontecer?

JEF – Não naquele dia. A gente não acreditava que pudesse virar. Mas algo nos mantinha lá. Não era só o Palmeiras. Era algo superior.

NB – Isso. Tipo o Ademir da Guia. São Marcos. Evair…

FG – Mas havia algo maior a favor do Flamengo. Aos 35, o Rodrigo Mendes driblou dois até ser desarmado pelo Alex. Nosso 10 avançou, passou por dois e chutou de pé direito, de fora da área, na trave do Clemer! No rebote, o Euller emendou de canhota. No travessão!

JEF – O Oséas tentou de cabeça o novo rebote e não deu. Que zica! Duas na trave em um só lance.

NB – O Clemer ainda espalmou aquela primeira bola. Mas seria demais um gol de pé direito do Alex, né?

FG – Tanto quanto um gol de canhota do destro Euller, né? Estava tudo virado naquele jogo.

JEF – Mas ficaria tudo virada logo depois. E com gols de cabeça de um cara baixinho… E que não era o Romário!

JC – As duas bolas na trave mexeram com tudo. O Palestra pegou fogo.

NB – Era um time que sabia trabalhar bem as bolas. Mas era muito forte no jogo aéreo.

FG – No escanteio pela esquerda, o Júnior bateu aberto, o Oséas se agachou para cabecear no meio da área. O Euller apareceu sozinho e cabeceou na pequena área para o Paulo Nunes. No meio do caminho, o Athirson salvou com o peito. No rebote, o Euller cabeceou para dentro. 3 a 2!

NB – Eu não vi mais nada. Me emocionei tanto que perdi o fôlego.

JC – Como o garoto Enzo que foi filmado pela TV Globo vibrando muito.

NB – Mas ainda não era nada. Faltava um gol. Eram 41 minutos.

JEF – Ainda faltava 1 minuto e 31 segundos.

NB – Noventa e um segundos? Para mim foram mais 90 minutos!

FG – Ainda faltava um gol. Ainda sobrava gás e alma para nós.

JC – Euller avançou pela ponta esquerda e cavou um escanteio pelo setor. Ele foi para a área de novo.

NB – O Júnior cobrou mais forte que da primeira vez Desta vez no segundo pau. Para onde estava o Evair. O matador cabeceou. A bola bateu no Roque Júnior e numa montanha de flamenguistas. O Clemer estava bem fora do gol.

FG – O rebote procurou quem sabe. O Evair bateu de canhota, o Clemer desviou e a bola pegou na canela do Agnaldo, dentro da pequena área. Ela pegou efeito e subiu quase em cima da risca. Oséas subiu para testar, mas o zagueiro Fabão conseguiu dividir e afastar pra frente.

NB – Na corrida, o Euller se antecipou ao Clemer e, meio de lado, sabe lá como Ademir da Guia, o Euller tocou cruzado, no canto esquerdo deles.

JC – Só de contar me emociono de novo. Foi um daqueles gols que a gente não consegue gritar.

JEF – Poucas vezes não consegui me mexer numa celebração. Estava catatônico.

FG – Os rivais também.

NB – Deve ter sido um dos gols mais celebrados da história do Palmeiras e do Palestra. Um dos gols em que as pessoas menos conseguiram gritar. Aos 42 minutos e 53 segundos.

FG – Um dos jogadores do Flamengo perguntou a um dos nossos se o 4 a 2 levava aos pênaltis. Nosso craque, esperto, disse que sim, que seria melhor eles tocarem a bola… Hahahaha!

NB – Eu fiquei ainda mais lesado que o nosso rival, na sequência. No primeiro ataque, quase o Rodrigo Mendes faz. No segundo, aos 45minutos e 46segundos, ele cruzou da esquerda, a bola passou por nossa zaga e, no segundo pau, o Pimentel entrou de carrinho e mandou a bola na trave esquerda do Marcos!

JC – Eu não via mais nada.

NB – Eu não acreditava nem na virada e nem nos ataques deles. No lance seguinte, de novo, o Rodrigo cruzou da esquerda, de novo o Pimentel apareceu livre, mas ele dominou mal a bola na coxa.

FG – Só consegui ver alguma coisa no apito final. Quando o Felipão atirou o boné dele para a torcida e ficou celebrando feito louco. Feito palmeirense no Palestra e no Brasil.

JEF – Não ganhamos a Copa do Brasil. Fomos eliminados nos pênaltis pelo Botafogo, no Maracanã, na semifinal. Mas, naquela classificação, começamos a ganhar a Libertadores.

NB – Ali vimos que não havia limite para sonhar e lutar. Ali era Palmeiras. Com um time ótimo. E uma torcida de raça.