Eu faria tudo de novo, como Borja está refazendo tudo de velho

Há um ano incerto, eu acordei 5h32 da manhã de um raríssimo sábado de folga depois de ir dormir 1h40 (por ter assistido aos piores tons de cinza que o cinema nos pode mostrar). Acordei meu filho caçula pai da ideia e fomos até Cumbica.

51 minutos de viagem. 51. Bela ideia.

Chegamos quando o bicho estava pegando no aeroporco. O Borja veio ali. Os torcedores dois meses antes campeões do Brasil (os mais carentes não eram…) levantavam nos ombros que dois anos antes sofriam com quase uma nova queda o novo entre tantos ídolos. O Borja que mais de sete meses antes da cena eles não tinham a menor ideia quem era. Ele saía do Cortuluá (é assim que se escreve?) para escrever impressionante história com o Nacional continental até chegar nos braços e aos brados em Cumbica.

Foi tudo muito rápido. Foi tudo muito agitado na madrugada de Cumbica. Eu e meu caçula pudemos pular e gritar por Borja como eu nunca tinha feito na chegada de um cara que eu também não sabia quem era. E esperava saber em 2017 muito mais com ele e o belo time ao redor, e a belíssima torcida em volta que acabou não vendo muita coisa no clube que mais comprou.

Como fez o meu amigo Chico Vaselucci. Meu e da minha mulher há décadas. Como tantos amigos que só têm em comum as mesmas cores e credo. Não é só desocupado, vagabundo, violento, bandido, banido que vai fazer festa na chegada de um reforço de um clube de futebol. É gente como a gente. Até gente que se pudesse comeria gente com outras cores. Esses tipos e arquétipos do apocalipse. Mas a maioria em Cumbica, na Caraíbas, caracas, é gente que ama sem saber o porquê. Ama sabendo quem é Palmeiras mesmo que a gente não saiba com que pé chuta o Borja (e depois se valia tudo aquilo). Gente que se borra só por ser torcedora. Nossa ou deles.

O que foi feito com Borja é o que o rubro-negro fez com Conca e Diego pouco antes. O tricolor fez na volta de Lugano um ano antes. O torcedor do Sport fez quando André voltou. O que todo torcedor precisa fazer para o futebol voltar cada vez mais às nossas vidas. Não é só no estádio ou na poltrona o consumo desse fogo que nos consome.

É onde for. E vamos onde for por isso.

Como em 9 de dezembro de 1979 eu e milhares de palmeirenses fechamos Congonhas e a Rubem Berta para receber o Palmeiras que eliminara o Flamengo de Zico no Brasileiro. Nem semifinal era. E jamais esqueci. Como meu Gabriel vai lembrar para sempre o sono perdido para ver um sonho que é real. E mesmo se for apenas um delírio, é para isso que serve o futebol.

Não teorize. E nem conte vantagem ou títulos. Conte apenas para seus netos que você foi ver com centenas de pessoas a chegada de um cara que você ama só por ele ter escolhido ser nosso e não ficar mais rico na China.

Isso também não tem preço.

Por isso eu faria tudo de novo. E farei outra vez.

E só não fiz antes mais vezes por falta de chance.

Desde a semifinal do Paulista de 2015 não via um jogo do Palmeiras ao lado dos meus filhos apenas como torcedor. Ou estou no estádio. Ou estou fora. Às vezes estamos juntos, no estúdio.

Mas juntos, torcendo (e então, em Itaquera, só porque eu estava gripado e sem voz), não trabalhando, desde aquela vitória nos pênaltis não celebrava Palmeiras com eles.

Como não acordarmos de madrugada num sábado para fazermos os aeroporcos que não pudemos por motivos de trabalho e de viagem em 2016?

Não basta ser Palestra. É preciso ser Palmeiras. Não basta ser pai de um palmeirense. É preciso participar como palmeirense.

Não era o Borja o reforço que estava chegando em Cumbica. Éramos eu e meu filho que estávamos voltando ao que mais nos une.

Nossos maiores ídolos não foram recebidos assim. Ademir da Guia chegou com a pompa do pai Domingos. Mas sem festa. Era promessa. Marcos veio trocado por material esportivo. Fiúme veio da várzea do Glicério. Luís Pereira tinha 18 anos quando chegou do São Bento. Oberdan tinha 20 quando veio de Sorocaba. Dudu chegou no dia do Golpe de 1964 com tanque na estrada. Djalma Santos chegou campeão do mundo, sim. Julinho chegou antes de o Brasil ganhar em 1958. Jair Rosa Pinto também já era craque. Edmundo tinha todo aquele potencial. Como Roberto Carlos e Rivaldo e Alex e Djalminha e Leivinha e César. César Sampaio foi caro, em 1991. Evair veio de troco. E quem pode trocar esses caras? E quem pode trocar uma madrugada de Palmeiras com o filho só para ver um candidato a ídolo passar perto?

Se fosse o Borja, o Gioino, o Darinta, o Ademir, pouco importa. O que valeu foi fazer festa pelo Palmeiras e com a família. Algo que independe de vitória e de títulos. De quem joga tudo ou joga nada. Como ainda não joga tudo o que pagamos Borja. Não é culpa dele. Nem nossa. Eu também o queria no lugar de Barrios que foi ser tricampeão da América em 2017. O Grêmio, se pudesse, iria querer o colombiano, não o paraguaio. O centroavante que tem melhorado. Roger deu a ele chances e, por tabela, confiança. Ele tem dado gols. Doado suor. Mas ainda nos dá receio. Em Mirassol, fez o primeiro gol chutando a bola entre as pernas do goleiro. Se fosse Ronaldo em 1998 numa semifinal diante de Van der Sar da Holanda, diríamos que era genial – coisa de Fenômeno. Mas como é o Borja que depois sofreu pênalti parecendo perder o gol feito, vamos cornetar. Ou até o defender além da conta. É o custo Borja. O mais caro palmeirense em 103 anos.

Não torço pelo Borja. Nem pelo Ademir. Torço por nós. Algo que não preciso explicar a quem é Palmeiras, já que é desnecessário. A quem não é, já disse o avô do Gabriel, impossível.

Quem é pai sabe o que falo. E quem é e não entende, meus pêsames.