Família Palmeiras: o jogo que João Paulo ganhou pelo rádio do pai

João Paulo jogava na base do Corinthians em 1985. Segundo volante. Tinha 9 anos. E não lembrava o Paulista de 1976, quando ele tinha cinco meses e o clube onde jogava só não foi ameaçado de rebaixamento porque não havia mais acesso e descenso. Nem conseguiria lembrar de mais um acesso natural de alegria do pai João Faria com mais um título estadual. O palmeirense verde que o fizera palmeirense.

Mas que desde aquele 1976 não tinha qualquer conquista…

“Vai que o menino vira-casaca… O Palmeiras não ganha nada desde o ano que ele nasceu… O menino ainda me joga na base do Corinthians…”.

O filho já sabia o que queria. Era Palmeiras. Mesmo sem saber o que era ser campeão. Não parecia que seria até aquela manhã de domingo, 24 de novembro de 1985. Quando o Corinthians perdeu em Ribeirão Preto para o Comercial. Zebra. Bastava então o Palmeiras vencer o XV de Jaú já sem chances. No Palestra, horas depois.

Eles mal almoçaram na Penha. Pegaram o Chevette marrom que parecia uma pulga e foram ao estádio. Só conseguiram estacionar além das chaminés da Matarazzo. Tentaram ingresso. Não tinha mais. A torcida invadira o Palestra. Ainda conseguiram dois com cambistas. Não precisava. Muita gente entrou sem ingresso. Não tinha cabimento para tanta gente. Oficialmemte foram 27.500. Mas tinham mais de 35 mil.

Não teve cabimento o Palmeiras levar a virada que virou. Um a zero gol de Barbosa. Empate bobo quatro minutos depois. Desempate besta na falha do Paulo Roberto. Ainda deu para empatar com o grande Bacharel. Mas não era o dia, eram os anos de chumbo, não seria a década. Até o promissor Gerson Caçapa bobeou. 3 a 2 para eles. Uma tormenta na cabeça. Uma tempestade no Palestra.

Palmeiras eliminado bisonhamente da semifinal do SP-85. Naquele dilúvio, oficialmente, o jejum passava a ser o maior da história do clube.

“Quando a gente vai ser campeão, pai?”

Não havia resposta na saída encharcada do Palestra cheio d’água e mágoa afundado nas trombetas e cornetas do apocalipse. O presidente Nelson Duque chorou no vestiário. O goleiro Leão disse que o Palmeiras errava demais. O treinador Vicente Arenari afirmou que o time era muito irregular e não merecia mesmo ser campeão.

FATO! Como a torcida não merecia mais uma decepção como aquela.

Seu João comprou uma camisa do Jorginho Putinatti. O primeiro ídolo dele. Um dos meus maiores. O que batia escanteio com os dois pés.

“Depois daquele jogo eu treinava no quintal com o pé esquerdo só pra tentar chutar com as duas como ele”.

Foi o melhor jogador do Palmeiras nos anos 80. O de pés calibrados que chamavam de “pé-frio”… Como?

João Paulo ainda não sabia. E jamais entendi. E o que ele e o pai não sabiam é que depois de tanta chuva na cabeça e a alma alagada pela eliminação, ainda tinham os ônibus para jogar cortina de água das poças no corpo empoçado que chegou enlameado ao Chevette. Ainda mais alagado pelo vidro quebrado só pra levar o Motorádio do carro.

João Paulo queria sentar na frente como ainda podia naqueles anos sem cinto e sem segurança infantil. Mas ele também queria usar a camisa nova para não se molhar ainda mais no banco encharcado. O pai não deixou.

“Senta atrás. Não suja a camisa nova”!

Não sujou. Nem chorou. O pai não deixou que ele saísse arrasado como o pequeno estava. Resolveu levantar a bola do filho e do Palmeiras. Já que não tinha mais rádio para ouvir o Fiori Gigliotti na Bandeirantes, o pai resolveu imitar o fim de jogo pelo rádio. E inventou um jogo na voz de Fiori. Inventou o empate por 2 a 2. “Anulou” o terceiro gol do XV. E ainda fez um terceiro. De falta. De Jorginho. De pé esquerdo.

Assim foram até a Penha. Inventando no rádio o que o Palmeiras não sabia mais criar em campo. Fazendo por Fiori o que o Verdão não mais cultivava e nem colhia nos campos.

Em 1986 eles também estavam no Morumbi contra a Inter de Limeira. Não teve jeito. Só choro.

Hoje, quando João Paulo vai ao Allianz Parque com o sobrinho Gian Lucca, não tem mais Jorginho para bater escanteio com os dois pés. Nem rádio para bolar uma outra história perdida.

Mas o sentimento segue o mesmo. Até as derrotas têm um sabor tamanho família no Palmeiras.