Forjado na dor, feito pra sonhar

Foto: César Greco

Parece final de filme. Eu sei disso. Aquela musica compassada, lenta, lacônica. Passam replays em looping na sua cabeça. Muda o lado do travesseiro, fecha os olhos, mais um gol. Mais uma vez você acha que não vai entrar e.. acontece de novo. É cochilar cinco minutos e saber que você pensará quinze vezes que acabou. A sua sorte, que é a minha também, que existe um coração que se lembra qual foi o caminho pra chegar até aí. E reflete.

O clima muda um pouco. As luzes da sua imaginação ficam menos escuras, ainda nebuloso, mas surge algum lance de luz disponível pra ver. É a ele que nos apegamos na missão de retroceder para retomar. É o momento do sonho que um sonho soa ser um pouco mais real. É quando você se levanta transpirando e busca um copo de água e de mãos trêmulas, pensa: “não é como parecia, tem uma saída pra seguir”.

Segue de volta pra cama, com aquele zumbido de quem ainda mescla a realidade que, covarde, colocou em xeque a nossa sanidade, mas que, apaixonados, fomos retomando sob o controle. Senta, puxa o abajur e fala em meio tom: “porque não jogou, porque fez isso, porque não fez aquilo? Poderia ter feito aquele cara, tirado esse. Poderia..”. Desliga, faz o nome do pai, do filho, do espírito de um torcedor que vai deixar tudo pra trás e viver um prelúdio e acordar com uma certeza.

Serão dias históricos. Há como vivê-los!

Mal são sete horas da manhã, depois do despertador, uma música que signifique, um sol razoável faz força para invadir seu dia pela fresta da janela. Como quem pede confiança. É abrir a cortina e ver que existe muito mais que uma luz no final do túnel ou na janela do quarto de dormir, como verso e como prosa. É como saber que por mais que uma tempestade tenha confundido os sentimentos e ter feito desconfiar do poder daquele que manda, ele ainda é o mesmo. O que te iluminou por todo o caminho.

No trajeto pro trabalho, passa por aquela padaria em que, há uns anos, via os sábados à tarde com Palmeiras e Boa Esporte. Lembra dos garotos que eram aqueles jovens, em 2002. Duas gerações cujas dores eram o medo iminente de não ter por quem torcer. Forjados na dor.

Que viam que o dia seguinte de uma derrota era a chance de ver que aquela paixão descontrolada poderia ser só “aquele que faliu”, que já foi grande um dia. Eles que também tão por aí perambulando e vendo que esse dia depois é só a anti véspera de defender com unhas, dentes, amor, carinho, ressentimento, garra, gana, ódio e foco, a liderança de um campeonato que não vinha há 22 anos.

Depois de um dia inteiro de trabalho, chega em casa e da varanda, privilegiado, vê essa surra de lembranças. Acessa o celular e garante o ingresso para a segunda parte da guerra. Lembra daqueles sábados, daquela crença desacreditada e se enche de orgulho. Escorre uma lágrima insistente de quem sabe que aquela voz a mais pode mudar todo o rumo de uma batalha. Que é ela quem pode ganhar um décimo de segundo que vai tocar a bola. O gol.

Se vai dar certo ou não, não importa. Perder também faz parte da oração, mas o orgulho de crer quem são nessas horas em que eles dizem que acabou, é que a magia se faz. Você, você aí que tá lendo, vai me dizer que você achava fácil derrubar o Santos? E aquele Grêmio? E virar contra o São Paulo? Achava simples aquele 21 de Maio em que os rivais de sábado precisavam levar 4 em menos de 5 minutos? Era simples?

FOI MAGIA! FOI HISTÓRIA.

Fomos nós entregando até a última gota de suor dentro de um estádio e pouco se importando se seria possível, mas com a alma dividida nos pés dos que corriam. Fomos nós mantendo a calma no pré e enlouquecendo no durante pra chorar de alegria no pós. Tenham orgulho e unam-se. A dificuldade chegou, enfim, é nossa hora de mudar o rumo desse torcedor em crônica que chorou por dores muito maiores e que sabe que chorar de alegria é nosso costume favorito.

Acreditem.