Jesus não faz milagre: erra quem fala que o Flamengo não poupa seus jogadores

“O Jesus não poupa ninguém e vai ser campeão brasileiro e está na final da Libertadores! Por que meu time tem que poupar? Isso é palhaçada! Vagabundagem”, dizem os torcedores mais exaltados de diversos clubes do país nas últimas semanas. Será que isso é verdade? Para efeito de comparação, os jornalistas Rodrigo Fragoso e João Gabriel se debruçaram nos números dos jogadores do Flamengo, líder do Brasileirão, e separaram os números do atual vice-líder da competição, Palmeiras, desde o reinício da temporada após a Copa América até a 30ª rodada do Campeonato Brasileiro. E se você é daqueles que acha que o Jesus faz milagres e não poupa ninguém, o resultado desse trabalho pode te surpreender.

ALGUÉM DISSE A JESUS QUE ELE NÃO POUPAVA JOGADORES. TÉCNICO APROVEITOU O DISCURSO E O VENDEU PARA QUEM QUERIA COMPRAR

Desde que Jorge Jesus venceu o Ceará por 3 a 0, fora de casa, colocando praticamente todo o time titular em campo, três dias antes da decisão das quartas de final da Copa Libertadores da América diante do Internacional, muitos passaram a esbravejar contra todos os outros treinadores brasileiros nas redes sociais carregando a narrativa de que jogador não precisa ser poupado. Porém, naquela ocasião, Filipe Luís, Rafinha, Everton Ribeiro e Bruno Henrique começaram no banco de reservas, sendo que os últimos três entraram nos 20 minutos finais do confronto, gerando todo o debate em cima do tema “Jorge Jesus prova que não é necessário poupar”. Quase uma ilusão de ótica para aqueles que não assistiram ao jogo, mas apenas olharam quem apareceu na telinha enquanto batiam o olho. Percebem a primeira miopia na narrativa que se criou?

Depois, contra o Fortaleza, Jesus foi questionado sobre um descanso para titulares ás vésperas da decisão da semifinal da Copa Libertadores contra o Grêmio. Já sabedor de sua fama, o técnico aproveitou a ignorância do senso comum e a ausência de pesquisa para sustentar a narrativa já citada no último parágrafo (que criou uma espécie de segredo mágico do português apresentado única e exclusivamente no departamento de fisiologia do Flamengo). Diante disso, a resposta foi impactante:

– Minha cultura não é essa (de poupar). E os jogadores provam domingo a domingo. Descansar? Isso não existe. Vamos descansar nos dias que temos. Quinta, sexta, sábado… Domingo é para correr.

No Castelão, Rafinha, Arrascaeta e Filipe Luís estavam se recuperando de lesão. Bruno Henrique e Everton Ribeiro estavam suspensos. Gerson iniciou jogando, mas foi substituído já no intervalo do jogo no Castelão. Contra o Fluminense, Arão, que iniciou contra o Fortaleza, não começou jogando e Gerson mais uma vez foi substituído (dessa vez na metade da segunda etapa) para a sua entrada. Vitinho, que jogou toda a partida contra o Fortaleza, saiu para a entrada do importante Reinier, que havia atuado também por noventa minutos no Castelão. Filipe Luís retornou de lesão e os suspensos Everton Ribeiro e Bruno Henrique voltaram de fôlego novo ao time. Toda essa conjuntura é exemplo do que faz com que muitos imaginem que ninguém é poupado, quando na verdade é possível poupar nas suspensões ou poupar até mesmo de sequências de 90 minutos.

Não há magia no futebol e Jorge Jesus sabe disso. O técnico do Flamengo é inteligente, sagaz e sabe valorizar seu trabalho. A forma de jogar do português é tão inteligente quanto a forma de poupar seu elenco e de vender a ideia de que “descansar não existe”. Há quem jure que o Flamengo não poupa ninguém e os outros times poupam jogadores o tempo todo. Diante da pesquisa que fizemos, pegando um total de 29 jogos do Flamengo e 27 jogos do Palmeiras desde o retorno da Copa América, essa máxima fria e absoluta ganha debate.

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Imagem: Blog do Fragoso

Em minutagem total, o Palmeiras tem quatro jogadores com números superiores ao Flamengo: Marcos Rocha, Diogo Barbosa, Bruno Henrique e Dudu. São, portanto, os dois laterais, um meio-campista e um atacante. O Flamengo tem Rodrigo Caio, Pablo Marí, Arão, Gerson, Gabigol e Bruno Henrique com números totais maiores. São, portanto, a dupla de zaga, dois meio-campistas e dois atacantes. Porém, há um adendo em relação a minutagem de Rodrigo Caio e Vitor Hugo, que você vai entender mais a frente no texto, que pode gerar um empate técnico entre os dois, empatando também o placar de minutagem entre os atletas dos dois clubes em 5 a 5. Confira essa e outras importantes observações abaixo.

1. PROBLEMAS MÉDICOS QUE MEXERAM COM AS MINUTAGENS: Palmeiras e Flamengo encararam cenários bem diferentes em relação a lesionados desses times colocados como base para a pesquisa.

É importante destacar, em relação aos times-base, as lesões que tiraram jogadores de combate por mais de uma semana. Observando o lado do Palmeiras, o atacante Luiz Adriano ficou de fora de seis partidas por questões médicas. Ele interrompeu sua sequência como titular por conta de uma lesão muscular. Já os flamenguistas tiveram de lidar com mais problemas do que gostariam.

A equipe rubro-negra teve de lidar com as ausências de Filipe Luís e De Arrascaeta por alguns jogos por conta de entorses de joelho. O uruguaio passou por uma artroscopia e desfalcou o time por cinco partidas, enquanto Filipe Luís realizou trabalho de fisioterapia para voltar aos gramados durante quatro jogos do Flamengo. Gabigol também ficou fora de combate por duas semanas após lesão muscular ter sido detectada diante do Emelec, pela Libertadores, assim como o zagueiro Rodrigo Caio virou desfalque por três semanas depois de lesão muscular contra o Botafogo, no Brasileirão.

2. SUSPENSÕES QUE MEXERAM COM AS MINUTAGENS: Felipe Melo e Arão poderiam ter minutagens semelhantes.

Após a Copa América, o volante Felipe Melo foi compulsoriamente poupado por estar suspenso em cinco jogos (quatro pelo Brasileiro e um pela Libertadores) até a analisada 30ª rodada do Brasileirão. Em todas as oportunidades sem suspensão, ele esteve em campo e foi substitúido apenas cinco vezes. Já o seu correspondente no Flamengo, Willian Arão, foi suspenso uma vez no Brasileirão e outra na Copa Libertadores da América. Não fossem as suspensões, Melo e Arão teriam minutagens muito similares.

3. TRANSFERÊNCIAS QUE MEXERAM COM AS MINUTAGENS: Flamengo perdeu Cuéllar, enquanto Palmeiras ganhou Vitor Hugo e Luiz Adriano.

Titular do Flamengo, o volante Cuéllar disputou 11 partidas pós-Copa América antes de se transferir para o Al Hilal, da Arábia Saudita. Se não tivesse deixado o clube, muito provavelmente apareceria no time-base do Flamengo aqui colocado.

Titulares do Palmeiras, Luiz Adriano e Vitor Hugo também não jogaram desde o reinício da temporada após a realização da Copa América. Enquanto o zagueiro ainda não vestia a camisa alviverde nas sete primeiras partidas, o atacante Luiz Adriano só chegou ao clube depois de 10 jogos no período, tornando sua minutagem mais baixa ainda, já que ele enfrentou uma lesão muscular que não pode ser descontada, já que geralmente é decorrente de uso do atleta com índices altos de possibilidade de lesão.

4. RODRIGO CAIO vs VITOR HUGO: zagueiro do Flamengo tem minutagem total maior porque já estava no elenco rubro-negro desde o reinício da temporada. Vitor Hugo chega após algumas partidas e tem média superior a Rodrigo Caio em minutagem no período.

Para uma análise mais precisa, a amostragem de comparação entre os dois zagueiros se restringiu para os quase dois meses e meio em que ambos estavam vestindo a camisa dos clubes simultaneamente, já que o Vitor Hugo foi contratado somente depois de sete partidas já disputadas pelo Palmeiras pós-Copa América. Nesse período, o flamenguista teve dois jogos a mais, pela Libertadores, do que o palmeirense, e nesse aspecto, minutos dividido pelo número de jogos, Vitor Hugo se mostrou mais frequente. Descansou menos e atuou mais do que Rodrigo Caio, nessa comparação estrita entre os dois atletas.

Em dois meses e meio, aproximadamente, o zagueiro Vitor Hugo esteve presente em 1350 minutos. Nesse mesmo período, Caio jogou 1410 minutos, tendo dois jogos a mais para participar. Assim sendo, a média de Victor Hugo é de 90 minutos por jogo enquanto a de Caio fica em 82’. Embora a minutagem total dos dois coloque Rodrigo Caio a frente pela vantagem de já fazer parte do elenco desde o início do recorte pós-Copa América, a média coloca Vitor Hugo com maior utilização. Vale o adendo de que Rodrigo Caio teve de lidar com uma lesão muscular (geralmente decorrente de um exagero na utilização do atleta e que, portanto, não será descontado da conta de partidas) que o tirou de dois jogos dentro do recorte do período de chegada de Vitor Hugo ao Palmeiras.

  1. CONVOCAÇÕES MEXEM COM A MINUTAGEM

Pelo Flamengo, alguns nomes perderam jogos por Data-Fifa: Gabriel, Bruno Henrique, Rodrigo Caio e De Arrascaeta chegaram a desfalcar o time por conta de compromissos com suas seleções. No Palmeiras, Gustavo Gómez deixou o time, além de Weverton (embora os goleiros não tenham aparecido nessa conta de jogadores poupados por não enxergarmos necessidade).

EQUILÍBRIO TAMBÉM EXISTE ENTRE OS TIMES-BASE RESERVA DE CADA CLUBE

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Imagem: Blog do Fragoso

Mais uma vez é possível visualizar que Jorge Jesus não usa apenas seus titulares. Em comparação com o Palmeiras, o placar é de 5 a 5 em minutagem total entre os reservas. Enquanto o Palmeiras conta com Luan, Lucas Lima, Veiga, Zé Rafael e Deyverson, ou seja, um zagueiro, um meia e três jogadores de frente (algumas vezes Veiga e Zé pelo meio-campo) com números superiores, o Flamengo tem Rodinei, Thuller, Renê, Piris e Reinier, ou seja, seus dois laterais, um zagueiro e dois meio-campistas a frente nos minutos. Vale destacar que Berrío pode atuar como centroavante e ponta, enquanto Lincoln seria o reserva absoluto caso não sofresse com lesões musculares e, por isso, tem minutagem tão baixa.

Uma observação importante em relação a Zé Rafael no time reserva: há uma disputa de posição entre ele e Willian, sendo que nesse momento é Zé quem vem recebendo oportunidades de começar jogando, portanto utilizamos quem tinha maior minutagem total no time titular (Willian) e, vale destacar, a alteração dos dois nomes para efeito de comparação com o correspondente da posição no Flamengo não muda o resultado, já que Zé Rafael perde para Bruno Henrique (titular) e ganha de Vitinho (reserva), assim como Willian perde para Bruno Henrique e ganha de Vitinho.

FLAMENGO SUBSTITUI MAIS SEUS JOGADORES DO TIME-BASE TITULAR DO QUE O PALMEIRAS

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Crédito: Blog do Fragoso

Observando a tabela, podemos perceber que o Flamengo tirou de campo algum jogador de seu time-base titular 55 vezes, enquanto o Palmeiras realizou esse processo 42 vezes. Entretanto, como é possível observar nos nomes de Filipe Luís, Arrascaeta e Gabigol, há um adendo de alterações realizadas já nos acréscimos da partida, que totalizam 11. Se tirarmos essas onze da conta, entendendo que o descanso dos minutos foi mínimo para os atletas, o Flamengo diminui para 44 trocas. O número ainda é maior do que o Palmeiras, mesmo que mais equilibrado.

Falando em equilíbrio, é importante perceber que Gustavo Scarpa e Willian fogem totalmente da curva normal de alterações no time-base titular do Palmeiras. Os dois somam mais da metade do total de saídas de atletas titulares de campo, assim como os dois juntos somam 14 das 16 entradas de titulares do time-base durante os jogos. O Flamengo tem 11 entradas de titulares do time-base durante os jogos, porém mais equilibradas, divididas em seis atletas.

JESUS NÃO FAZ MILAGRE

Tanto Palmeiras quanto Flamengo poupam seus atletas durante a temporada. Em alguns momentos, o atleta é poupado por conta de uma suspensão. Em outros, é poupado ao não fazer duas partidas seguidas por 90 minutos. Assim como alguns deixam de atuar com frequência por irregularidade técnica, ou seja, opção do treinador. E as duas equipes também tiveram DATA-FIFA pela frente, perdendo obrigatoriamente atletas do plantel e tendo de realizar algumas mudanças na equipe titular.

São inúmeras circunstâncias que movimentam o planejamento. Durante esse período, como pudemos perceber, Jesus teve de girar mais o elenco também por conta de lesões que tiraram jogadores de combate (algumas delas musculares, fruto de desgaste) durante os 29 jogos de recorte da matéria. Já o Palmeiras trabalhou praticamente todo o tempo com o que tinha de melhor, exceção feita a Luiz Adriano com lesão muscular, e ainda assim teve números próximos do Flamengo em termos de aproveitamento do elenco durante seus 27 jogos do período de recorte da matéria. Como você pôde perceber, nem Jesus faz milagre no futebol.