JG Falcade: Mamba Mentality e o encantado Palmeiras

Se você é palmeirense, sua noite de segunda-feira foi apoteótica. Mas seja sincero comigo: ficou na sua cabeça o tempo todo que era possível, ao menos, empatar aquele clássico, não ficou? Mais do que uma esperança emocional, era uma certeza baseada em fatos. Você sabe que o seu time é resistente o suficiente para buscar uma mudança de cenário mesmo sob as piores circunstâncias. Você também sabe que nem sempre foi assim. Fossem outros tempos, depois de tão pouca justiça em campo, o Palmeiras teria perdido na bola e na mente. Não mais.

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Kobe Bryant é um dos meus heróis. Sua passagem a um outro plano ainda me entristece e indigna, mas ele deixou legados que o tempo não empoeira ou esconde debaixo dos colchões. Obcecado por vencer, ele foi sempre o meu grande exemplo de perseverança. Mesmo com um dom, sua glória se deve ao trabalho duríssimo, à entrega plena e à confiança em seus processos de treinamento físico, técnico e mental. Não à toa, carrega consigo um conceito chamado Mamba Mentality.

Quando já usava a camisa com o número 24 às costas, depois de glorificar a 8, Kobe resolveu aderir a uma brincadeira que surgiu no Twitter, com a hashtag #mambamentality. Ele havia assistido ao clássico Kill Bill, e principalmente a uma cena na qual uma cobra venenosa é usada para um assassinato. Bryant observou como era o ‘modo de ação’ daquele animal tão preciso, focado e silencioso. Como era um trabalho duro, mas efetivo. E como ela era capaz de trocar de pele – como um homem troca de identidade com o passar dos anos.

Desde então, Mamba se tornou codinome e a Mentality ganhou um mundo de adeptos, inclusive eu, que nunca fiz esporte bem, mas decidi que viveria dele por outras vias. Um de seus conceitos prediletos era sobre como o imprevisível não pode ser parte de um vencedor:

Sem estudar, preparar e praticar, você está deixando o resultado para o destino. Eu não faço o destino.

Kobe Bryant, em seu livro Mamba Mentality.
(Foto: Getty Images)

Você, palmeirense, já ouviu alguém de seu ciclo próximo com um discurso semelhante? Alguém que tem verdadeira obstinação pelo sucesso através do trabalho duro e acredita lealmente que a entrega é a única garantia que um esportista tem de se aproximar da conquista?

Não podemos garantir a vitória, porque todos os times vencem e perdem, mas quando eu trabalho duro, quando eu tenho entrega aos treinos, quando eu estudo o que preciso fazer, e executo quando é necessário, eu diminuo as chances do destino de nos pregar peças.

Abel Ferreira, em entrevista coletiva.

Existe aqui uma semelhança fatal. Kobe venceu tudo o que poderia. Lutou quando o corpo quis parar, treinou mais do que qualquer outro sujeito que tenha tentado jogar basquete. Ele queria além do razoável, muito além do saudável, ele nunca soube desfrutar, porque já pensava na luta seguinte. Em seu jogo de despedida, anotou 60 pontos – um feito completamente extraterreno, mas pouco celebrou. Foram minutos de alívio, de paz de espírito, mas já frustrado porque era sua última vez.

Abel é reconhecidamente um sujeito em começo de carreira, com muito a viver e fazer, mas que já tem no bolso a idolatria absoluta de uma das maiores e mais intensas comunidades de futebol ao redor do mundo. Ele assumiu, antes dos 50 anos, a posição de maior da história de um clube que tem o dobro e mais um pouco da sua idade, quase o triplo. Ele é venerado por trabalhar. Criticado pelo sangue quente do palmeirense e pelo dele, mas obstinado, e um incapaz de celebrar.

Minha mulher sempre me fala isso, que eu sofro muito com as derrotas e não desfruto das vitórias. E é verdade. Não sei se é minha criação, eu sou assim. Se perco, sofro muito, porque não gosto de perder. Mas, se venço, já viro a página. São 24 horas para meus jogadores poderem comemorar, mas eu não consigo ter esse tempo. Assim que uma vitória acaba, existe uma nova para ser conquistada.

Abel Ferreira, após vitória do Palmeiras sobre o Botafogo por 4 a 0.
(Foto: Reprodução/Dear Basketball)

Você, palmeirense, aceitaria ouvir de alguém, anos atrás, que teu time teria um pênalti não marcado, havia sofrido um gol de mão, num jogo noturno num Morumbi cheio, e mesmo assim teria virado o jogo, sem ter se irritado, sem ter perdido a cabeça, sem ter tentado uma “””compensação””” pelos erros? Isso aconteceu na noite de ontem. Com desfalques, com todo o cenário contra, com a baixíssima probabilidade de vencer, e você acreditou que dava. E eles também. E com trabalho, a vitória chegou – já nos 50 do segundo tempo.

Quantas teriam sido as bolas treinadas para que Gómez estivesse no segundo pau num cruzamento de direita do canhoto Gustavo Scarpa? Quantas teriam sido as movimentações de escanteio para que Murilo tivesse a chance de gol e a calma para fazê-lo? Quantas teriam sido as palestrar para que o emocional não entrasse negativamente em campo e roubasse o foco para reverter problemas? Não é à toa, e vocês sabem que não é.

Kobe conta que não se arrepende das noites que acabaram antes pra ele porque era preciso ir ao ginásio enquanto não amanhecesse e como isso reflete nas noites em que a Larry O’Brien recostou sobre seus ombros de campeão da NBA.

Muitas pessoas dizem que querem ser ótimas, mas não estão dispostas a fazer os sacrifícios necessários para alcançar a grandeza. Uma das principais conclusões é que você tem que trabalhar duro no escuro para brilhar na luz. Você precisa lutar e não perder para as situações que vão surgir. Quem trabalhou muito, sabe que há um caminho para seguir.

Kobe Bryant, em seu livro Mamba Mentality.

Existe, por fim, um aspecto do jogo chamado TALENTO. Sejamos cá muito honestos: o Palmeiras não é o elenco mais talentoso do Brasil. Kobe não era o mais talentoso de sua geração (eu até constestaria, mas ele afirma que não era!), mas eles são parecidos demais em um coisa, que chama trabalho. Famintos, não param de querer vencer. Não basta vencer uma liga, um torneio, um jogo. Eles sempre querem mais, querem o próximo, vibram e se entregam como se fosse a primeira vez. E eles não estão encantados – estão trabalhando.

Esses caras não têm medo.

Eu não tinha medo de perder ou ficar envergonhado por isso. Sempre me concentrei no fato de ter que tentar algo para obtê-lo e, uma vez que conseguisse, teria outra ferramenta no meu arsenal. Se o preço para isso fosse muito trabalhoso, sem problema. É algo importante a ter em mente. O que inibe muitos de alcançar ou mesmo perseguir objetivos é o medo do fracasso ou a vergonha de si mesmo. Falhei muito na minha vida. E é por isso que eu tenho sucesso.

Essa frase poderia ser de Michael Jordan, o maior de todos os tempos, poderia ser do Kobe, um gênio que mora no céu, ou mesmo de Abel Ferreira, um trabalhador assíduo que comanda um time de homens que querem vencer. E é uma reunião de tudo isso. São trechos de todos eles, formando uma frase só. Assim eles funcionam, cada um com sua grandeza e história, mas com destinos cruzados pelo amor ao trabalho.

Que honra é poder falar que meu time tem tudo a ver com a Mamba Mentality, e que meu herói Kobe Bryant pode estar no mesmo texto que os meus ídolos de Palmeiras.

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